Muito podemos aprender com nosso passado histórico. Quanto mais distante no tempo o acontecimento mais difícil fica entender e compreender a história humana, a exemplo da pré-história. Mas, se olharmos para o tempo mais presente ao nosso, podemos aprender muito. Veja abaixo o exemplo disposto no livro "Sapiens: uma breve história da humanidade", de Yuval Noah Harari:
[...] Os achés, caçadores-coletores que
viveram nas selvas do Paraguai até os 56 anos 1960, dão uma ideia do lado negro
do sistema de caça e coleta. Quando um membro valorizado do bando morria, os
achés costumavam matar uma garotinha e enterrar os dois juntos. Os antropólogos
que entrevistaram os achés registraram um caso em que um bando abandonou um
homem de meia-idade que adoeceu e não conseguia acompanhar os demais. Ele foi
deixado sob uma árvore. Abutres se empoleiraram sobre ela, à espera de uma
refeição substanciosa. Mas o homem se recuperou e, caminhando depressa,
conseguiu se juntar ao grupo novamente. Seu corpo estava coberto de fezes de
pássaros, e por isso ele foi apelidado de “Excremento de Abutre”.
Quando uma mulher aché idosa se
tornava um fardo para o resto do bando, um dos homens mais jovens se esgueirava
atrás dela e a matava com um golpe de machado na cabeça. Um homem aché contou
aos antropólogos histórias sobre seus primeiros anos na selva. “Eu costumava
matar mulheres idosas. Matei minhas tias [...] As mulheres tinham medo de mim
[...] Agora, aqui com os brancos, eu me tornei fraco.” Bebês nascidos sem
cabelo, considerados subdesenvolvidos, eram mortos imediatamente. Uma mulher
lembrou que sua primeira bebê foi morta porque os homens não queriam mais uma
menina no bando. Em certa ocasião, um homem matou um garotinho porque ele
estava “de mau humor e a criança estava chorando”. Outra criança foi enterrada
viva porque “tinha uma aparência engraçada e as outras crianças riam dela”.
No entanto, devemos ter cuidado
para não julgar os achés depressa demais. Os antropólogos que viveram com eles
durante anos relatam que a violência entre adultos era muito rara. Mulheres e
homens eram livres para escolher seus parceiros à vontade. Eles sorriam e riam
constantemente, não tinham hierarquia e geralmente esquivavam-se de povos
dominadores. Eram extremamente generosos com suas poucas posses e não eram
obcecados com sucesso nem com riqueza. As coisas que mais valorizavam na vida
eram boas interações sociais e boas amizades. Eles viam a morte de crianças,
pessoas doentes e idosos como muitas pessoas hoje veem o aborto e a eutanásia.
Também deve ser observado que os achés eram caçados e mortos sem piedade pelos
fazendeiros paraguaios. É bem provável que a necessidade de escapar de seus
inimigos os levasse a adotar uma atitude atipicamente cruel para com qualquer
um que pudesse se tornar um fardo para o bando.
A verdade é que a sociedade aché,
como toda sociedade humana, era muito complexa. Devemos tomar cuidado para não
os demonizar nem idealizá-los com base em um conhecimento superficial. Os achés
não eram anjos nem demônios – eram humanos. Como também eram os antigos
caçadores-coletores.
FONTE:
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da
humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 11 ed. Porto Alegre, RS: L&PM,
2016.
Kim Hill e A. Magdalena Hurtado. Aché Life History: The Ecology and Demography of a Foraging People (Nova York: Aldine de
Gruyter, 1996), 164, 236.
Imagens disponíveis em: https://www.survivalinternational.org/news/10264. Acesso em 16 de dezembro de 2017.
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