sábado, 16 de dezembro de 2017

OS ACHÉS: NOSSA ATROS E FASCINANTE PRÉ-HISTÓRIA

Muito podemos aprender com nosso passado histórico. Quanto mais distante no tempo o acontecimento mais difícil fica entender e compreender a história humana, a exemplo da pré-história. Mas, se olharmos para o tempo mais presente ao nosso, podemos aprender muito. Veja abaixo o exemplo disposto no livro "Sapiens: uma breve história da humanidade", de Yuval Noah Harari:

[...] Os achés, caçadores-coletores que viveram nas selvas do Paraguai até os 56 anos 1960, dão uma ideia do lado negro do sistema de caça e coleta. Quando um membro valorizado do bando morria, os achés costumavam matar uma garotinha e enterrar os dois juntos. Os antropólogos que entrevistaram os achés registraram um caso em que um bando abandonou um homem de meia-idade que adoeceu e não conseguia acompanhar os demais. Ele foi deixado sob uma árvore. Abutres se empoleiraram sobre ela, à espera de uma refeição substanciosa. Mas o homem se recuperou e, caminhando depressa, conseguiu se juntar ao grupo novamente. Seu corpo estava coberto de fezes de pássaros, e por isso ele foi apelidado de “Excremento de Abutre”.

Quando uma mulher aché idosa se tornava um fardo para o resto do bando, um dos homens mais jovens se esgueirava atrás dela e a matava com um golpe de machado na cabeça. Um homem aché contou aos antropólogos histórias sobre seus primeiros anos na selva. “Eu costumava matar mulheres idosas. Matei minhas tias [...] As mulheres tinham medo de mim [...] Agora, aqui com os brancos, eu me tornei fraco.” Bebês nascidos sem cabelo, considerados subdesenvolvidos, eram mortos imediatamente. Uma mulher lembrou que sua primeira bebê foi morta porque os homens não queriam mais uma menina no bando. Em certa ocasião, um homem matou um garotinho porque ele estava “de mau humor e a criança estava chorando”. Outra criança foi enterrada viva porque “tinha uma aparência engraçada e as outras crianças riam dela”.

No entanto, devemos ter cuidado para não julgar os achés depressa demais. Os antropólogos que viveram com eles durante anos relatam que a violência entre adultos era muito rara. Mulheres e homens eram livres para escolher seus parceiros à vontade. Eles sorriam e riam constantemente, não tinham hierarquia e geralmente esquivavam-se de povos dominadores. Eram extremamente generosos com suas poucas posses e não eram obcecados com sucesso nem com riqueza. As coisas que mais valorizavam na vida eram boas interações sociais e boas amizades. Eles viam a morte de crianças, pessoas doentes e idosos como muitas pessoas hoje veem o aborto e a eutanásia. Também deve ser observado que os achés eram caçados e mortos sem piedade pelos fazendeiros paraguaios. É bem provável que a necessidade de escapar de seus inimigos os levasse a adotar uma atitude atipicamente cruel para com qualquer um que pudesse se tornar um fardo para o bando.

A verdade é que a sociedade aché, como toda sociedade humana, era muito complexa. Devemos tomar cuidado para não os demonizar nem idealizá-los com base em um conhecimento superficial. Os achés não eram anjos nem demônios – eram humanos. Como também eram os antigos caçadores-coletores.

FONTE:

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 11 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2016.


Kim Hill e A. Magdalena Hurtado. Aché Life History: The Ecology and Demography of a Foraging People (Nova York: Aldine de Gruyter, 1996), 164, 236.

Imagens disponíveis em: https://www.survivalinternational.org/news/10264. Acesso em 16 de dezembro de 2017.

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