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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fidel: Estamos em um momento excepcional da história humana

Recentes declarações do líder da revolução cubana, Fidel Castro, ao jornalista Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, foram fartamente interpretadas pela mídia capitalista como uma renúncia ao socialismo. Em sua última Reflexões, que o Vermelho reproduz abaixo, Fidel põe os pingos no i, reitera suas convicções revolucionárias e diz que o sistema capitalista, gerador de crises a cada dia mais graves, é que já não serve nem aos EUA nem ao mundo.

 

Por Fidel Castro

“O fato é que a minha resposta significava exatamente o oposto do que os dois jornalistas americanos interpretaram sobre o modelo cubano”, esclareceu.

Leia abaixo a íntegra do artigo.

Por esses dias se esgotam os prazos concedidos pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para que o Irã cumpra as exigências, ditadas pelos Estados Unidos, relacionadas ao programa nuclear e de enriquecimento de urânio para fins medicinais e a produção de energia elétrica.

É a única coisa que se pode provar. O temor de que o Irã busca a produção de armas nucleares é tão somente uma suposição. Em torno do delicado problema, Estados Unidos e seus aliados ocidentais, incluindo as potências nucleares com direito a veto no Conselho de Segurança, França e Reino Unido, apoiados pelas potências capitalistas mais ricas, tem promovido um número crescente de sanções contra o Irã, um país de religião muçulmana rico em petróleo. Hoje, as medidas aprovadas incluem a inspeção de seu comércio e duríssimas sanções econômicas que conduzem ao estrangulamento de sua economia.

Tenho acompanhado de perto os graves perigos desta situação, uma vez que a ocorrência de um surto de guerra neste momento poderá se desdobrar rapidamente num conflito nuclear de consequências legais para o resto do planeta.

Não buscava publicidade ou sensacionalismo ao sinalizar esses riscos. Simplesmente quis alertar a opinião pública mundial com a esperança de que, advertida de tão grave perigo, possa contribuir para evitá-lo.

Ao menos, consegui atrair a atenção para um problema que nem mesmo era mencionado pelos grandes veículos de comunicação e formação de opinião no mundo.

Isso me obriga a usar uma parcela de tempo dedicada ao lançamento deste livro, em cuja publicação trabalhamos com afinco. Eu não queria que [o lançamento] coincidisse com os dias 7 e 9. No primeiro, cumprem-se os 90 dias definidos pelo Conselho de Segurança para saber se o Irã cumpriu ou com a exigência de permitir a inspeção do seu comércio. Na outra data, conclui-se o período de três meses previsto na Resolução de 9 de junho.

Até agora, só temos a insólita declaração do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o japonês Yukiya Amano, um homem dos ianques. Este jogou toda a madeira ao fogo e, como Pôncio Pilatos, lavou as mãos.

Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irã comenta com merecido desprezo sua declaração. Um despacho noticioso da agência EFE assinala que sua afirmação de que "'os nossos amigos não devem se preocupar porque não acreditamos que a nossa região está em posição para novas aventuras militares" e "o Irã está plenamente preparado para responder a qualquer invasão militar foi uma referência óbvia ao líder cubano Fidel Castro", que alertou para a possibilidade de um ataque nuclear israelense sobre o Irã com o apoio dos Estados Unidos.".

As notícias sobre o tema se sucedem e se mesclam com outras de notável repercussão.

O jornalista Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, já conhecido por nosso público, publica partes de uma longa entrevista realizada comigo.

"Havia muitas coisas estranhas durante a minha recente estadia em Havana – conta –mas o mais inusitado foi o nível de autocrítica de Fidel Castro [...] Mas que Castro estava disposto a admitir que havia cometido um erro em um momento crucial da Crise dos Mísseis em Cuba parecia algo verdadeiramente surpreendente […] que se arrependeu de ter pedido Khruchev para lançar mísseis nucleares contra os Estados Unidos. É certo que abordou o tema e me fez a pergunta. Textualmente, como ele expõe na primeira parte de sua reportagem, suas palavras foram: "Eu perguntei: Em um momento, parecia lógico que você recomendaria aos soviéticos bombardear os Estados Unidos. O que você recomendou ainda parece lógico neste momento?” Fidel respondeu: Depois de ver o que vi, não valia a pena em absoluto."

Eu tinha explicado bem, e consta por escrita, o conteúdo da mensagem "... se os Estados Unidos invadirem Cuba, um país com armas nucleares russas, em tais circunstâncias não devemos deixar dar o primeiro golpe como fez com a URSS, quando no dia 22 de junho de 1941, o exército alemão e outras forças da Europa atacaram a URSS."

Pode-se notar que, neste breve alusão ao assunto, a segunda parte da distribuição ao público dessa notícia, que "se os EUA invadirem Cuba, um país com armas nucleares russas", neste caso eu recomendo impedir que o inimigo desfira o primeiro golpe. Há uma grande ironia na minha resposta "... Se eu soubesse o que sei agora ...", que é uma referência óbvia à traição cometida por um presidente da Rússia que, saturado de álcool, entregou aos Estados Unidos os segredos militares mais importantes do país.

Em outro ponto da conversa Goldberg diz: "Eu perguntei se ele acreditava que o modelo cubano foi algo que ainda valia a pena exportar." É evidente que a pergunta reproduzia implicitamente a teoria de que Cuba estava exportando a revolução. Eu respondi: "O modelo cubano não funciona mais, mesmo para nós." Não expressei nenhuma preocupação ou amargura. Eu me divirto agora ao ver como ele interpretou ao pé da letra, e consultou, pelo que disse, Julia Sweig, analista do CFR que o acompanhava, e desenvolveu a teoria que expus. Mas o fato é que a minha resposta significava exatamente o oposto do que os dois jornalistas americanos interpretaram sobre o modelo cubano.

Minha idéia, como todos sabem, é que o sistema capitalista hoje já não serve nem para os Estados Unidos nem para o mundo, pois conduz de crises a crises, que são cada vez mais graves, globais e reiteradas, das quais não se pode escape. Como tal sistema poderia servir para um país socialista como Cuba?

Muitos amigos árabes, ao saber que eu me entrevistei com Goldberg, se preocuparam e enviaram mensagens indicando-o como "o maior apoiador do sionismo".

De tudo isto, podemos deduzir a grande confusão que existe no mundo. Espero, portanto, que o que eu digo sobre o meu pensamento seja útil.

As ideias expressas por mim estão contidos em 333 Reflexões, vejam que casualidade, e as 26 últimas se referem exclusivamente aos problemas ambientais e ao perigo iminente de um conflito nuclear.

Agora eu devo adicionar um breve resumo.

Eu sempre condenei o Holocausto. Nas Reflexões sobre "O discurso de Obama no Cairo" e "A opinião de um Especialista", eu expus com toda clareza.

Nunca fui um inimigo do povo hebreu, que eu admiro pela capacidade de resistir durante dois mil anos à dispersão e à perseguição. Muitos dos mais brilhantes talentos humanos, como Karl Marx e Albert Einstein, eram judeus, porque é uma nação em que os mais inteligentes sobrevivem em virtude de uma lei natural. Em nosso país, e no mundo, foram perseguidos e caluniados. Porém, isto é só um fragmento das ideias que defendo.

Eles não foram os únicos perseguidos e caluniados por suas crenças. Os muçulmanos também foram atacados e perseguidos por bem mais de 12 séculos pelos cristãos europeus, por causa de suas crenças, assim como os primeiros cristãos na antiga Roma antes do cristianismo se tornar a religião oficial do império. A história deve ser aceita e lembrado como ela é, com suas realidades trágicas e guerras ferozes. Disto falei e, por isto, com toda razão explico os perigos que a humanidade corre hoje, que se tornaram o maior risco de suicídio para a nossa frágil espécie.

Se somarmos a tudo isto uma guerra com o Irã, ainda que de caráter convencional, mais valeria aos Estados Unidos apagar a luz e se despedir. Como poderiam resistir a uma guerra contra 1,5 bilhão de muçulmanos?

Defender a paz não significa, para um verdadeiro revolucionário, renunciar aos princípios de justiça, sem os quais a vida humana e a sociedade não teria sentido.

Eu ainda acho que Goldberg é um grande jornalista, capaz de expor com amenidade e maestia seus pontos de vista, que exigem debate. No inventa frases, las transfiere y las interpreta. Ele não inventa frases, apenas reproduz e interpreta.

Não mencionarei o conteúdo de muitos outros aspectos de nossas conversas. Respeitarei a confidencialidade das questões que abordamos, enquanto espero com interesse seu extenso artigo.

As atuais notícias que chegam em torrentes, de todas as partes, me obrigam a cumprimentar sua apresentação com estas palavras, cujos germes estão contidos no livro “A contraofensiva estratégica”, que acabo de apresentar.

Considero que todos os povos têm direito à paz e gozo da propriedade e dos recursos naturais do planeta. É uma vergonha o que está acontecendo com o povo em muitos países da África, onde vivem milhões de crianças, mulheres e homens, entre os seus habitantes esqueléticos, por falta de comida, água e remédios. São assombrosas as notícias que chegam do Oriente Médio, onde os palestinos são privados de suas terras, suas casas são demolidas por equipamentos monstruosos e homens, mulheres e crianças, bombardeadas com fósforo branco e outros meios de destruição, assim como dantescas cenas de famílias dizimadas por bombas lançadas sobre aldeias afegãs e paquistaneses, por aviões sem piloto, e os iraquianos que morrem depois de anos de guerra, e mais de um milhão de vidas sacrificadas nesta guerra imposta por um presidente dos Estados Unidos.

A última coisa que se poderia esperar era a notícia da expulsão dos ciganos franceses, vítimas da crueldade da extrema direita francesa, que eleva a sete mil as vítimas de outra espécie de holocausto racial. É fundamental o enérgico protesto dos franceses, aos quais, simultaneamente, os milionários limitam o direito à aposentadoria, reduzindo ao mesmo tempo as oportunidades de emprego.

Dos Estados Unidos chegam notícias de um pastor do estado da Flórida, que pretende queimar em sua própria igreja o livro sagrado do Alcorão. Mesmo os chefes ianques e europeus líderes militares em missão de guerra punitiva estremeceram com a notícia que eles consideraram arriscada para seus soldados.

Walter Martinez, o renomado jornalista do programa Dossier Venezolana de Televisión, foi surpreendido com tal loucura.

Ontem, quinta-feira, 9 da noite, chegaram notícias de que o pastor havia desistido. Seria necessário saber o que lhe disseram os agentes do FBI que o visitaram "para persuadi-lo." Foi um grande show de mídia, um caos, coisas próprias de um império que se afunda.

Agradeço a todos pela atenção. 


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Uma bruxa no meu divã: Entrevista com Binha Martins

Ola meus caros amigos contemporâneos de meu tempo. Durante a Idade Média os chamados inquisidores tiveram a oportunidade de estarem frente a frente com mulheres acusadas de atos de bruxarias, as interrogaram e torturaram e por fim queimaram-nas em fogueiras. Mais de cinco séculos se passaram o mundo mudou e elas, as bruxas, ainda estão presentes, sobreviveram às torturas, as perseguições e à fogueira da inquisição.


Não tive a oportunidade de estar junto dela por motivo de incompatibilidade geográfica, mas minha cara amiga e bruxa Binha, foi de uma receptividade fantástica a minha proposta de entrevista-la. Segue abaixo algumas a entrevista feita com a bruxa Binha para complementar meu artigo especial sobre Bruxas. Desde já agradeço a minha amiga bruxa:


HiStO é HiStÓrIa: Na Idade Média ao se declarar como bruxa você seria levada a uma fogueira. Sei que os tempos mudaram, mas, por que você se intitula bruxa Binha?


Bruxa Binha: Desde criança me interesso por temas que envolvem o místico, o oculto, a Natureza, a paranormalidade… esses temas sempre me interessaram… é uma característica muito forte em mim. Hoje, sigo uma filosofia de vida pagã, a Bruxaria. Aplico e acredito em meus conhecimentos e na minha intuição. Trabalho diariamente para manter-me em equilíbrio. E sigo o que eu acredito, independente do que a Sociedade nos impoe. A forma que escolhi viver faz de mim uma Bruxa.


HiStO é HiStÓrIa: Qual o por quê, e/ou quais os motivos que a levaram a se interessar pela bruxaria?


Bruxa Binha: Meu encontro com a Bruxaria aconteceria de uma forma ou de outra. Quando me desliguei da Umbanda buscava algo como a Bruxaria… então quando conheci esse modo de vida, foi um Encontro muito feliz! Pois tudo era exatamente como eu visualizada dentro de mim. O motivo maior foi a interação que tive e tenho com minha essência.



HiStO é HiStÓrIa: Historiograficamente a Wicca é uma religião neo-paga, originada na Europa Antiga, fundamentada em cultos centrados na fertilidade. O que é a Wicca em nosso mundo contemporâneo?



Bruxa Binha: A Wicca auxiliou a popularização da Bruxaria. E isso foi um passo muito importante para todos aqueles que estudam, pesquisam e praticam algum caminho místico ou oculto. É muito comum, quando as pessoas se interessam por Bruxaria, iniciar seu caminho pela Wicca...

Conheço poucos adeptos que realmente seguem a Wicca…

A grande maioria se diz Wicca, mas não seguem suas vidas baseadas na religião e muitas vezes nem numa filosofia pagã. Apesar de muitos criticarem, eu acredito que já é um ótimo começo. Afinal de contas, essas pessoas precisam colocar em prática o que acreditam e expor que esse é seu caminho já um começo. O que impede essas pessoas de realmente ter uma prática intensa é a falta de disciplina e compromisso, a família, o pré-conceito vindo de fora ou até mesmo de dentro da pessoa…

Mas enfim…

Já é um começo para um nascimento de pensamento livre.


HiStO é HiStÓrIa: Você tem dois sites: “Grande Arte” e “Ateliê Fruto Primitivo”, qual o objetivo dessas páginas?


Bruxa Binha: O site Grande Arte tem 3 importantes funções:

*É uma Loja especializada em instrumentos para praticantes e também atende um público simpatizante pelo místico. Atende inclusive peças sob encomendas, de acordo com a prática do cliente e confeccionado de forma magicamente correta para que o mesmo alcance seu objetivo.

*O site Grande Arte tem uma seção especial para estudos. Nesta seção tem diversos textos para auxiliar o praticante, além de conter uma agenda de eventos pagãos.

*Também divulgo meus trabalhos artísticos através do site Grande Arte.

O Ateliê Futuro Primitivo tem como objetivo ser um local para minha produção interna (artística) e do artista visual Felipe Ruído. Além das produções internas, acontecem Cursos, Bazares, Eventos, Oficinas, etc.



HiStO é HiStÓrIa: O termo Bruxaria, até certo ponto, respeita as faculdades espirituais de um indivíduo que geralmente se auxilia de práticas e rituais tido como mágicos, ou magia. Assim ao produzir determinados efeitos “mágicos” sobre a realidade natural, efeitos que não se consegue explicar cientificamente, utiliza-se a terminologia sobrenatural. Até que ponto você acredita em forças sobrenaturais?




Bruxa Binha: Trabalho com forças que julgam sobrenaturais diariamente. Porém, para mim, são forças naturais que todos nós podemos ter conhecimento de como trabalhar com elas. São forças que todos nós temos como as desenvolves. O nível de desenvolvimento dependerá do histórico, conhecimento, disposição e disciplina de cada um. De forma objetiva, respondendo sua pergunta, eu acredito em forças “sobrenaturais”. Cada caso avalio isoladamente para chegar numa conclusão satisfatória.


HiStO é HiStÓrIa: Quanto à realização de rituais de bruxaria; a mentalidade comum, e a que provocou verdadeiros devaneios na Idade Média, é a de que os rituais de bruxaria interferem com as pessoas causando efeitos sobre seu estado mental ou físico, ou mesmo altera-se a percepção que essa pessoa tem da realidade. Poderia nos dizer o que de fato é um ritual de bruxaria? e qual seu objetivo?




Bruxa Binha: Existem muitos tipos de Rituais de Bruxaria e com uma infinidade de objetivos. O importante é saber que todos nós, a todo momento, temos o poder de alterar nossas vidas. Basta ter consciência e conhecimento para alterar de uma forma benéfica. Na realidade isso é um processo muito natural e um trabalho de energia. E todas as pessoas podem ter esse conhecimento, mas para isso deve começar a assumir responsabilidades por seus atos. E posteriormente pegar as rédeas da sua própria vida. Geralmente quando temos a nossa frente um caso de pessoas que forçam ou são forçadas a viver uma situação, com certeza ambas precisam trabalhar seu auto-conhecimento e sua força espiritual e serem felizes da forma que realmente são. O uso do conhecimento místico deve ser usado para harmonizar nossa essência com nossa vida e não para forçar situações.
Essa questão é bem complexa...

Espero ter esclarecido um pouco o meu ponto de vista.





Douglas,

***Que bons ventos atravessem seus caminhos e lhe traga tudo o que sinceramente desejar!!!***

Agradeço o convite para responder à esta entrevista.

Agradeço também a forma carinhosa que está conduzindo este trabalho.
Desejo-lhe sucesso
.



Binha Martins

Binha Martins trabalha com orientação de cursos e atendimentos com Tarô e atualmente está dando início a um projeto musical. Mora em Vila Mariana – São Paulo. Contatos:



Loja Virtual Grande Arte - para Brux@s e afins!!!

http://www.grandearte.art.br/loja.html



Ateliê Futuro Primitivo

http://ateliefuturoprimitivo.blogspot.com
E-mail e msn: ateliefuturoprimitivo@hotmail.com



(11) 2769 0221

domingo, 8 de março de 2009

Radicalização e crise do segundo governo Vargas


O segundo governo Vargas não era um governo subserviente ao imperialismo norte-americano. Por outro lado, não era também um governo de caráter essencialmente antiimperialista. Aqui está um excelente artigo do historiador Augusto C. Buonicore, acerca do governo de Vargas, que gostaria de compartilhar com meus amigos leitores.


A posição assumida pelos comunistas brasileiros em relação ao segundo governo Vargas causa perplexidade em grande parte dos estudiosos brasileiros. A sua definição como "títere do imperialismo norte-americano" soa estranha aos nossos ouvidos, que já se acostumaram com a caracterização deste como antiimperialista e até mesmo como democrático e popular.

Um estudo mais profundo do conjunto das medidas implementadas durante este governo nos conduz a afirmar terem existido graves limitações na análise dos comunistas. O segundo governo Vargas não era um governo subserviente ao imperialismo norte-americano. Mas, não era também um governo de caráter essencialmente antiimperialista. Era, na verdade, um governo burguês permeado por inúmeras contradições e em permanente disputa entre as correntes entreguistas e nacionalistas. No entanto, no decorrer do tempo, a correlação de forças entre as duas tendências se deslocou num sentido favorável ao nacionalismo.

O importante é constatar que este resultado não estava dado desde o início do processo. Em alguns momentos a luta pareceu perdida para as correntes que defendiam um projeto de desenvolvimento nacional autônomo. A correlação de forças pró-nacionalismo foi sendo construída através de acirrada luta política – que se traduziu também numa luta de idéias entre os defensores de programas econômicos distintos e contrapostos. Foi sendo redefinida também nos choques permanentes entre os interesses do país e os interesses do imperialismo norte-americano, que se colocava contra qualquer tipo de alternativa industrialista.

Tendo em vista as etapas desta luta podemos, grosso modo, dividir o governo Vargas em duas fases distintas. Uma primeira – entre 1951 e 1953 –, marcada pela política de conciliação com as correntes entreguistas e com os interesses geopolíticos norte-americanos; e uma segunda – entre 1953 e 1954 – na qual predominou uma atitude mais decidida no sentido de dar curso à construção de um modelo de desenvolvimento nacional autônomo. Justamente neste momento entrou em conflito aberto com o projeto do imperialismo, e de seus aliados no país, e acabou sendo derrubado por um golpe de Estado. Trataremos neste artigo apenas sobre esta segunda fase.

A luta operária e a radicalização do governo

No dia 26 de março de 1953 eclodiu uma das maiores greves operárias da história brasileira que durou cerca de um mês, envolvendo 300 mil trabalhadores paulistas. O Partido Comunista teve um papel destacado neste movimento. A greve teve um forte impacto na vida política nacional. Conflitos violentos ocorreram durante todo o movimento. Milhares de trabalhadores foram presos e espancados pela polícia. Poucas semanas depois entraram em greve nacional mais de 100 mil marítimos. Estas greves criaram as condições para que se constituísse um embrião de central sindical, o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), sob hegemonia comunista.

Em meio ao movimento grevista realizou-se uma reunião do Comitê Nacional do PCB. O informe de Prestes manteve a visão negativa em relação à presidência Vargas que continuou sendo definida como “um governo de traição nacional, um governo de guerra, de fome e de reação (...) que procura levar o país ao fascismo” e concluía conclamando a necessidade de “desencadear contra o atual governo a luta firme e sistemática que o desmascare e o isole das massas”.

Em 15 de junho de 1953, visando recobrar o terreno perdido para os comunistas no movimento operário e sindical, Vargas indicou João Goulart para o Ministério do Trabalho. A reforma ministerial, no entanto, foi mais abrangente e alterou seis dos sete ministros civis. Vargas trouxe para o ministério os seus velhos companheiros do movimento de 1930, como Osvaldo Aranha, José Américo de Almeida e Vicente Rao, e Tancredo Neves. A reforma derrubou o americanófilo João Neves da Fontoura do Ministério das Relações Exteriores e o neoliberal Horácio Lafer do Ministério da Fazenda. Neste mesmo processo houve o fortalecimento da Assessoria Econômica da Presidência da República, comandada pelo nacionalista Rômulo de Almeida. Estava aberto o caminho para a radicalização da política nacionalista.

Em outubro de 1953 Vargas sancionou a lei que estabelecia o monopólio estatal do petróleo. Em 20 de dezembro, Vargas denunciou os excessos na remessa de lucro das empresas estrangeiras instaladas no Brasil e em janeiro de 1954 assinou decreto em que estabeleceu um limite de 10% para remessas de lucros e dividendos para o exterior. Neste período foi criada a Eletrobras e aprovado um ousado plano de eletrificação.

A resposta conservadora não esperou. Em pleno processo de reestruturação ministerial a oposição udenista denunciou o financiamento feito pelo Banco do Brasil ao jornal Última Hora, único órgão de imprensa favorável ao governo.

Diante do crescimento do movimento grevista, no início de fevereiro de 1954, Goulart apresentou a proposta de reajuste de 100% no salário mínimo. Um valor 54% acima da inflação acumulada desde o último reajuste. Levantou-se uma onda de protesto da burguesia e dos setores conservadores da sociedade. A UDN lançou um manifesto denunciando Goulart como subversivo. No dia 8 de fevereiro, oficiais das forças armadas lançaram o documento conhecido como “Memorial dos Coronéis”. Surgiram acusações de que Vargas e Jango queriam instaurar uma República Sindicalista no Brasil.

Diante da pressão conservadora o governo ensaiou um recuo e, no dia 22, destituiu Goulart. No entanto, a destituição não aplacou a oposição de direita, apoiada pelo imperialismo norte-americano. Em abril de 1954 João Neves da Fontoura, ex-ministro de Vargas, denunciou uma suposta articulação de um pacto entre os governos brasileiro, chileno e argentino para se oporem aos interesses dos Estados Unidos na região – que seria o Pacto ABC. Em 16 de junho de 1954 a UDN solicitou impedimento de Vargas, que foi derrotado por uma ampla margem de votos.

Vargas decidiu manter a radicalização do regime, visando aproximá-lo das classes populares. No primeiro de maio de 1954, num ato inesperado, fez um discurso no qual afirmou: “Hoje vocês estão com o governo. Amanhã vocês serão o governo” e apresentou o decreto de reajuste de 100% do salário mínimo, índice que havia sido o motivo para a destituição de Goulart poucos meses antes.

O governo fazia uma inflexão significativa na sua estratégia e apontava para uma aliança preferencial com as classes populares. Era o fim da política de conciliação. O PCB não compreendeu este movimento ocorrido em meados de 1953, após a reforma ministerial, mas a burguesia brasileira sim e iniciou uma oposição sistemática ao governo, que acabou acarretando a sua destituição.

No seu projeto de programa publicado em dezembro de 1953, quando Vargas já havia avançado em sua guinada à esquerda, o PCB erroneamente ainda afirmava: “O governo Vargas tudo faz para facilitar a penetração do capital americano em nossa terra, a crescente dominação dos imperialistas norte-americanos e a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos (...) A política externa do governo Vargas é ostensivamente ditada pelo Departamento de Estado norte-americano, sendo a delegação brasileira na ONU mundialmente conhecida por sua atuação subserviente ao governo dos Estados Unidos”.

Segundo os comunistas brasileiros, o governo de Vargas continuaria sendo “um governo de preparação de guerra e de traição nacional, um governo inimigo do povo. O governo Vargas é um instrumento útil e necessário aos imperialistas americanos e que facilita a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos”. E concluiu: “O povo brasileiro levantar-se-á contra o atual estado de coisas, não admitirá que o governo de Vargas reduza o Brasil a colônia dos Estados Unidos. O atual regime de exploração e opressão a serviço dos imperialistas americanos deve ser destruído e substituído por um novo regime, o regime democrático e popular”. Isto era escrito quando o imperialismo já estava em franca ofensiva visando derrubar o governo e substituí-lo por um governo títere.

O golpe contra Vargas

A tentativa de assassinato do jornalista oposicionista Carlos Lacerda e a morte de um major da aeronáutica, ocorridas em 5 de agosto de 1954, seriam os pretextos encontrados para que um golpe fosse dado contra Getúlio. Apesar do envolvimento do chefe da guarda pessoal do presidente, as investigações feitas pelos próprios inimigos do governo não comprovaram qualquer envolvimento direto de Vargas no atentado.

No dia 9 de agosto o jornal Correio da Manhã pediu que Vargas renunciasse. “A renúncia do Presidente da República, afirmou o jornal, não significa uma derrota, nem uma humilhação. Deixará o governo sem ser deposto ou vencido (...) Um regime não é um homem, e está nas mãos do Senhor Getúlio Vargas o gesto patriótico de um sacrifício pessoal para que se mantenha de pé o regime e íntegra a Constituição, juntamente com a ordem pública e a tranqüilidade dos espíritos”. A mesma conclamação era feita pelo conjunto da grande imprensa brasileira – a exceção do jornal Última Hora. A oficialidade das Forças Armadas, dirigida pelos setores entreguistas, já se movimentava para derrubar o governo constitucional.

Em 24 de agosto, diante do golpe militar em curso, o presidente se suicidou. As condições de sua morte, e especialmente o forte teor nacionalista de sua carta-testamento, levaram a uma verdadeira rebelião popular nas grandes cidades brasileiras. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas foram atacadas pela multidão enfurecida. A massa tentou atacar a embaixada norte-americana, encarada como principal articuladora do golpe de Estado. O líder civil da campanha contra Getúlio, e pivô da crise que levou ao golpe e ao suicídio, Carlos Lacerda, foi obrigado a se esconder e depois deixou o país.

Até o dia do golpe os comunistas se aferraram na sua postura de oposição sistemática ao governo. Em 6 de março, pelas páginas do jornal Voz Operária, Diógenes Arruda reafirmou a opinião de que Vargas era “um instrumento servil dos imperialistas norte-americanos”. No dia 12 de agosto o jornal comunista paulista Notícias de Hoje afirmou que o conflito político de Vargas com a oposição entreguista, encabeçada pela UDN, era “uma luta entre dois bandos perfeitamente idênticos”, pois os dois grupos defenderiam “uma política de submissão completa aos monopólios norte-americanos e ao governo de Washington”.

Ainda no dia 24 de agosto, dia do golpe e suicídio de Vargas, o jornal comunista Imprensa Popular publicou uma longa entrevista de primeira página com Luís Carlos Prestes, na qual ele afirmava: “O sr. Vargas já confessou repetidamente que não se sente bem nas suas roupagens de presidente constitucional, mas falta-lhe ainda a força indispensável para realizar o golpe de Estado, liquidar os últimos vestígios constitucionais implantar a ditadura terrorista que almeja. Neste sentido, a ameaça maior vem da UDN, que cinicamente ainda pretende passar por oposicionista e que tem a frente um grupelho de generais fascistas (...) procuram apresentar-se como salvadores da pátria e pensam ainda poder enganar o povo, criar um ‘novo governo’ (...) que lhe permita, melhor que Vargas, realizar a política de traição nacional, de fome e reação impostas pelos trustes norte-americanos e pelo governo dos Estados Unidos”. Prestes concluiu que era necessário “defender a Constituição e impedir qualquer golpe de Estado e militar, venha de onde vier”. Em meio ao golpe das forças entreguistas, ligadas à UDN, Prestes ainda tinha dúvida de onde ele viria.

No mesmo jornal um outro artigo afirmava: “Os patrões norte-americanos que não estão contentes com Vargas, cuja desmoralização cresce dia a dia, tramam, através de seus agentes substituí-lo por outro títere ainda mais dócil e menos desmoralizado”. Os comunistas brasileiros, mesmo diante da ofensiva reacionária pró-americana contra Vargas, não conseguiram ver diferenças entre os programas político e econômico dos dois grupos conflitantes. Vargas continuava a ser, no plano interno, o principal inimigo. A oposição udenista era criticada por ser uma falsa oposição que em nada diferia de Vargas. Por esta posição anti-Vargas os comunistas também acabaram sendo alvos da fúria popular. No Rio Grande do Sul o jornal comunista Tribuna Gaúcha teve sua sede depredada, juntamente com outros jornais liberal-conservadores.

Dando uma guinada abrupta na sua tática os comunistas tentaram se aproximar das massas e dos políticos getulistas. Um documento publicado logo após a morte de Vargas afirmava: “O momento exige que trabalhistas e comunistas se dêem fraternalmente as mãos e que juntos lutem em defesa das leis sociais conquistadas” e apelava para que os “operários e operárias, camaradas trabalhistas” reforçassem “as fileiras do Partido Comunista”. O Partido, à época, não faria nenhuma autocrítica das posições equivocadas assumidas diante do governo Vargas, especialmente nos seus últimos meses, quando ele era alvo de uma sórdida campanha de desestabilização.

No entanto, sob o impacto da morte de Vargas e redução das tensões internacionais a tática comunista se tornou mais flexível e menos sectária. O Partido passou a propor uma política de alianças que envolvessem outros partidos como o PTB e o PSB e mesmo de setores de partidos conservadores como o PSD e o PSP. Infelizmente as lições daquele trágico 24 de agosto não foram suficientes para impedir que os mesmos erros fossem comedidos às vésperas do fatídico 31 de março de 1964.

Augusto C. Buonicore é historiador e doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

"O Brasil e a Segunda Guerra Mundial": A Participação Tupiniquim


"O Brasil e a Segunda Guerra Mundial"

Historiador comenta sobre a participação brasileira nesse conflito.

Sua posição geográfica e a extensão de seu litoral foram algumas características que fizeram com que nosso país não ficasse neutro durante a Segunda Guerra Mundial por muito tempo. No início de 1942, o governo brasileiro rompeu com o Eixo — Alemanha, Itália e Japão — e se posicionou a favor dos Aliados. Mas, em agosto desse mesmo ano, após navios brasileiros serem torpedeados supostamente por submarinos alemães e por causa da pressão dos EUA, o Brasil decidiu participar da guerra, contra a Alemanha e a Itália.

Mais de 25 mil homens fizeram parte da Força Expedicionária Brasileira — FEB — e desembarcaram em Nápoles, Itália. Eles tiveram conquistas importantes, mas também sofreram preconceitos durante a guerra e quando voltaram para casa.

Leia a seguir a entrevista com Dennison de Oliveira e entenda mais sobre a participação brasileira nesse fato histórico que mudou o mundo.

Por que o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial?
A posição geográfica do país — que ocupa a parte mais estreita do Atlântico próximo à África —, seu tamanho e população tornavam, no mínimo, difícil a manutenção da neutralidade do Brasil. Desde 1940, os EUA nos pressionavam para que fizessem uma ocupação "preventiva" do território nordestino e a instalação, ali, de bases aéreas que permitissem escala para os vôos rumo à África e ao Oriente. Ao mesmo tempo, pretendiam impedir que essa rota aérea e esses locais para bases fossem ocupados por países do Eixo. Em meados de 1941, seis meses antes da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, essas bases e rotas aéreas já eram uma realidade. Por aqui, passaram dezenas de milhares de aeronaves armadas e municiadas para combate, rumo aos campos de batalha africano e asiático. Simultaneamente, o Brasil passou a fornecer importantes materiais estratégicos aos Aliados, como minerais, borracha, etc. Diante desses fatos, os alemães perceberam que a neutralidade do Brasil era apenas teórica e passaram a atacar maciçamente nossos navios mercantes. Os sucessivos torpedeamentos de nossos navios é que levaram nosso país a declarar guerra aos países do Eixo.

Qual era o perfil de nossos soldados e como foi seu treinamento?
Pouquíssimos soldados profissionais, com longo tempo de serviço, foram aproveitados. Metade dos oficiais subalternos eram reservistas, e também cerca de metade dos efetivos eram recém-recrutados (a maioria oriunda da zona rural e com baixos níveis de saúde e educação). A maior parte do oficialato da ativa conseguiu escapar do envio para a guerra. Justamente os mais pobres e menos instruídos, com poucos contatos sociais influentes que lhes permitissem se evadir, é que foram recrutados. Como admitiu o chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Brasileira (FEB) ao embarcar no navio que levaria nosso primeiro escalão de combatentes para a Europa: "A bordo, só estavam os que não conseguiram escapar". Dos 25 mil homens enviados para a luta, menos de 1.500 eram voluntários. A artilharia teve oportunidade de treinar aqui no Brasil usando o mesmo tipo de material que seria empregado na linha de frente, mas a infantaria não teve a mesma sorte. Dos três regimentos de infantaria enviados, apenas um recebeu treinamento condizente com a realidade da luta que seria travada (treino esse quase todo feito por instrutores norte-americanos). Os outros, como admitiu o próprio comandante da FEB, partiram do Brasil "praticamente sem instrução". Pior ainda, a FEB jamais realizou um treino em conjunto, que permitisse detectar falhas na sincronização das manobras.

Sabe-se que a maior parte das tropas aliadas que participaram da Segunda Guerra era segregada, isto é, os negros ficavam de um lado; e os brancos, de outro. Como era a situação das tropas brasileiras?
A 1.ª Divisão de Infantaria da FEB que lutou nos campos da batalha da Itália na Segunda Guerra Mundial foi a única tropa racialmente integrada que foi empregada em combate naquele front e em qualquer outro. Naquela mesma frente, lutaram divisões de infantaria das mais diversas nacionalidades, como norte-americana, inglesa e francesa. Entre os primeiros, cabe destacar a política oficial de segregação que apresentavam: brancos e negros jamais lutavam juntos, havendo uma unidade específica para os negros (a 92.ª Divisão de Infantaria) e um regimento inteiramente composto por descendentes de japoneses (o 442.º Regimental Combat Team). Nessas formações, os cargos de oficial superior eram preenchidos predominantemente ou totalmente por brancos, cabendo às outras etnias integrar “o grosso” do efetivo da tropa. No caso da FEB, está confirmada a recorrência das ordens para se excluírem os soldados que não fossem brancos dos desfiles e demonstrações públicas ou, no caso de isso não ser possível, colocá-los no interior das fileiras, onde seriam menos vistos. Havia ainda total exclusão dos negros na formação de guardas de honra, em particular aquelas que se destinassem à recepção de autoridades estrangeiras. Enfim, apesar da integração, a FEB padecia do mesmo tipo de racismo que era típico da sociedade brasileira naquela época.

Com relação às operações, sabe-se que as tropas brasileiras davam apoio ao exército norte-americano. Nas campanhas de que nosso exército participou, qual foi a participação brasileira e a americana?
Responder a essa pergunta exigiria uma descrição detalhada da campanha toda, o que não é possível porque tomaria muito espaço. Resumindo ao máximo, pode-se afirmar que, das cinco tentativas de tomar o famoso Monte Castelo, as três últimas foram feitas exclusivamente com tropa e comando brasileiros. A tomada de Montese e a captura da 148.ª Divisão de Infantaria alemã também foram efetuadas exclusivamente por tropa brasileira. Na fase final da campanha da Itália, a FEB agia conjuntamente com a 10.ª Divisão de Montanha norte-americana, levada para esse front justamente para precipitar o fim da guerra na Itália.

As enfermeiras brasileiras tiveram participação fundamental durante a Segunda Guerra, e as que participaram do conflito ganharam a patente de oficial. Por quê?
Era um procedimento comum no exército norte-americano que o comando brasileiro achou válido imitar.

Em Natal (RN), estava instalada a maior base militar americana fora dos EUA. Qual foi a importância dela e como era o cotidiano naquele lugar? Existiram outras bases aliadas no Brasil?
Originalmente, os EUA pretendiam construir bases por todo o nosso continente para impedir a invasão da região por parte do Eixo. Posteriormente, decidiram concentrar seus esforços no Nordeste do país porque por ali poderiam enviar aeronaves diretamente para as frentes de luta. Com o inverno rigoroso no Atlântico Norte, os aviões que faziam a rota da Groelândia rumo à Grã-Bretanha tiveram, por causa das horríveis condições climáticas, que realizar a rota do Brasil. Enfim, a região teve uma importância fundamental na vitória dos Aliados na guerra.

Qual foi o grande feito do Brasil durante a Segunda Guerra?
Houve vários. Por ordem de importância, eu cito os seguintes: ter servido como ponte aérea para o envio de grandes aeronaves dos EUA para todas as frentes de batalha; fornecer alimentos e matérias-primas para o esforço industrial norte-americano; cooperar com o patrulhamento do Atlântico e ajudar a impedir o tráfego de navios e submarinos do Eixo naquela área; e disponibilizar uma divisão de infantaria para lutar na Itália. No contexto italiano de operações, gostaria de destacar dois grandes feitos da FEB. O primeiro é a tomada de Montese, em 14 de abril de 1945, que praticamente salvou o dia. Tratava-se do primeiro dia da Ofensiva da Primavera, o esforço final para acabar com a guerra na Itália. A tomada de Montese atraiu para a área da FEB a maior parte do fogo defensivo de artilharia do inimigo, aliviando consideravelmente a pressão sobre a 10.ª Divisão de Montanha, que liderava a ofensiva. O segundo é a captura em combate da 148.ª Divisão de Infantaria alemã e dos remanescentes das Divisões Itália e Monte Rosa (que constituíam o chamado Exército da Ligúria, última formação importante ainda em condições de combater na Itália). A captura dessas formações ajudou a apressar o fim da guerra na Itália, que se deu poucos dias depois.

O Brasil sofreu muitas baixas durante a guerra?
A FEB teve 443 mortos, uns 1.500 feridos e aproximadamente 8 mil doentes — a maioria vítima do clima pavoroso (até 20 graus negativos) nas montanhas dos Apeninos durante o inverno. No mar, morreram certa de 900 pessoas em decorrência de torpedeamentos. São baixas pouco expressivas se comparadas às que os outros combatentes sofreram. De longe, quem sofreu as maiores perdas foram os russos, que tiveram aproximadamente 20 milhões de cidadãos e 5 milhões de combatentes mortos.

E qual foi o papel da Força Aérea Brasileira (FAB) no conflito?
Foi enviado um único esquadrão de caça, que foi inteiramente equipado e treinado pelos norte-americanos e estava subordinado a um de seus grupos de caça. Composto de cerca de 60 pilotos, usava aviões de caça monomotores, os famosos P-47. A inexistência de aeronaves alemãs naquele front limitou os pilotos às missões de ataque ao solo, ação muito mais perigosa que o combate entre aeronaves.

A contribuição desse esquadrão para o esforço de guerra na Itália foi notável. Com menos de 6% das aeronaves desse grupo, os brasileiros destruíram mais de 12% dos alvos. Esse desempenho colocou o grupo brasileiro entre os melhores de toda a Segunda Guerra Mundial.

Como foi o retorno dos pracinhas brasileiros? Como eles foram recebidos em nosso país?
A recepção foi eufórica, fazendo dos veteranos da FEB pessoas muito prestigiadas. Contudo, essa euforia durou pouco, e aos ex-combatentes restou uma rotina penosa de readaptação à realidade da vida civil, nem sempre possível para muitos. Traumas psicológicos de todo tipo e a rotina da luta pela sobrevivência no mercado de trabalho dificultaram o retorno de milhares de brasileiros que estiveram nos campos de batalha à vida normal. As primeiras leis de amparo aos ex-combatentes só foram aprovadas em 1947. Além disso, na ânsia de se livrarem da FEB, tida como politicamente não-confiável pelo presidente Vargas, os pracinhas foram rapidamente desmobilizados sem que tivessem se submetido a exames médicos, que mais tarde seriam fundamentais para que obtivessem pensões e auxílios no caso de doenças ou ferimentos adquiridos no front. Para provar incapacidade decorrente do serviço na linha de frente e, assim, receber as pensões, os pracinhas tiveram de se submeter a todo tipo de vexames e sacrifícios, os quais seriam dispensáveis se sua desmobilização tivesse ocorrido de forma racional e planejada. Ao longo do tempo, várias leis de apoio aos ex-combatentes foram sendo promulgadas, até chegarmos à famigerada Lei da Praia, criada nos anos 60. De acordo com essa lei, qualquer pessoa que tivesse sido enviada à "zona de guerra" teria direito aos auxílios, pensões e promoções que estavam sendo reservados para aqueles que, de fato, foram à Itália. Mas acontece que, em todo o litoral do Brasil, vias navegáveis e cidades economicamente importantes se encontravam dentro dessa "zona de guerra". Dessa forma, o sujeito que estava de sentinela num fox hole (abrigo individual) nos Montes Apeninos, suportando temperaturas subárticas e todos os riscos de morte e invalidez, estava na "zona de guerra" tanto quanto o bancário ou o PM que havia sido transferido para uma cidade litorânea do Brasil. Ou seja, se essa lei auxiliou de fato os ex-combatentes, beneficiou também um enorme conjunto de servidores públicos, civis e militares que, ainda hoje, gozam de polpudas pensões, que fazem deles autênticos "marajás" entre os aposentados do serviço público.

Houve mudanças no Exército brasileiro em decorrência da guerra?
Não. O Exército fez o possível para marginalizar e desconsiderar quem esteve na linha de frente. Havia enorme preconceito e inveja daqueles que estiveram com a FEB e que, com seu sacrifício e dedicação, conquistaram numerosas glórias militares. Também o “varguismo” fez o possível para erradicar a FEB e suas memórias, justamente por causa do papel que seus membros exerceram na luta contra o nazi-fascismo. Toda experiência militar adquirida na luta contra o Eixo foi desprezada, esquecida e inutilizada, contrariando até mesmo o conselho dos EUA de que se visse a FEB como núcleo de um esforço de renovação e modernização de nosso Exército.

Por Gizáh Szewczak

Dennison de Oliveira é bacharel e licenciado em História (UFPR, 1987), mestre em Ciência Política (Unicamp, 1990) e doutor em Sociologia (Unicamp, 1995).