sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Por uma nova Escola por uma nova Educação

Por Douglas Barraqui


Hoje a que pé anda nossas escolas? Ela é a instituição capaz de formar o sujeito ético, preparado para o exercício da cidadania, e para a vida em sociedade? A educação pode ser considerada um processo integral na formação humana? podemos considerar essas indagações como parâmetros fundamentais e universais sobre os fins da educação.

Em nossa sociedade acredita-se fielmente na Educação como o caminho necessário para a formação do sujeito cidadão. Não é por menos que o Artigo 205 da Constituição Brasileira e o artigo 22 da Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional bem como o Relatório Condorcet, aprovado na assembléia Francesa, em 1792, elencam a Educação como primordial em termos de preparação do sujeito para a vida pública, cidadão.

Considera-se como fundamentos para a formação do sujeito ético a liberdade da vontade, a autonomia para organizar os modos de existência e a responsabilidade pelas suas ações. Compreende-se assim que este deve ser o objetivo da educação.

Podemos reconhecer que ação educativa é um processo regular desenvolvido em todas as sociedades humanas,  e que seu objetivo é preparar os indivíduos em crescimento para assumirem papeis sociais relacionados à vida coletiva: à reprodução das condições de existência (trabalho); comportamento justo na vida pública; uso responsável dos conhecimentos e habilidades disponíveis no tempo e no espaço onde a vida dos indivíduos se realiza.

Ser cidadão é exercer uma função social. O texto constitucional sugere que o conceito de cidadania resulte de uma função social – a prática da cidadania – onde o seu significado emerge. O ato concreto do exercício da cidadania que dá sentido ao termo cidadão. Portanto, cidadania é o atributo aplicado ao cidadão e, mais importante ainda: recebe sua legitimidade na ação educativa.

A cidadania se constrói, então, nos fundamentos da liberdade, da autonomia e da responsabilidade. O exercício da cidadania compreende em duas ações interdependentes: a primeira refere-se à participação lúcida do individuo em todos os aspectos da organização e da condução da vida privada e coletiva; A segunda, a capacidade que estes indivíduos adquirem para operar escolhas.

Através dessas considerações podemos assistir a democracia como sendo o projeto mais completo e ambicioso de todos os tempos. Os cidadãos munidos dos instrumentos da cidadania, tornam-se construtores de formas organizativas e de ação na vida pública. Essa forma de organização social e de ação política denomina-se Democracia. Logo a democracia é o modo como seres humanos autônomos, livres e responsáveis articulam as diversas vontades e capacidades individuais e coletivas para construir um modo de viver que lhes permita o mais alto grau possível de exercício de sua liberdade, em espaço público. 

Quero então destacar a hipótese levantada por Neidson Rodrigues em seu texto, Educação: da formação humana à construção do sujeito ético: primeiro, de que devem ser tomados por cidadãos, ou estão aptos a exercerem a cidadania, todos aqueles que se encontram integrados à vida social; segundo, para que essa integração ocorra, os indivíduos precisam ser portadores de habilidades para exercício de uma função útil e reconhecida como legitima para si próprio, para a sua família e para a comunidade; por fim, devem ser considerados não cidadãos todos aqueles que se encontram afastados ou desalojados dessas condições básicas do exercício da cidadania.

Para que chegamos no ideal de cidadão como deve ser, então, a Educação? Para Kant “o homem é a única criatura que precisa ser educada”. A educação é necessária para que o ser humano seja constituído. Isso se deve ao fato de que, segundo Kant, o homem não se define como tal no próprio ato de seu nascimento, pois nasce apenas como criatura biológica que carece se transformar, se re-criar como ser humano.

A formação do ser humano, para Kant, se dá de duas maneiras: de fora para dentro, ele precisa ser educado por uma ação que lhe é externa, assim os mais velhos teriam de educar os mais novos; e de dentro para fora, onde educar compreende acionar os meios intelectuais de cada educando para que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialidades físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação.

Mas, há um problema que, Neidson Rodrigues enfatiza:  nenhum individuo isoladamente, por melhor preparo que tenha, será capaz de oferecer a outro a plenitude da formação de que ele necessita, bem como nenhuma instituição, ainda que seja definida como educativa, poderá dar conta desse papel. Essa tarefa é de responsabilidade ampla, ou pelo menos deveria assim ser. Educar como formador de sujeito humano, é, tradicionalmente, a tarefa da família a começar pelos pais; da comunidade; da religião (sem distinção de credo) e as instituições sociais como o Estado e seus aparelhos, a justiça, os partidos políticos, as organizações da sociedade civil.

O que ocorre nos últimos tempos é uma desintegração dessas unidades educativas. Os pais estão cada vez mais ausentes da vida dos filhos, desde os primeiros  dias  de suas vidas, por força de suas profissões. Igualmente, a Igreja deixou de representar uma instituição unitária e hegemônica capaz de dar direção moral, alguns consideram que a ciência roubou esse cenário. Às novas gerações e as comunidades desapareceram ou se fragmentaram em sites de relacionamentos nas páginas da internet. 

A Escola e a Educação, portanto, se encontram em um novo tempo. Mas ainda é a instituição e o fundamento que conseguem se manter presetes em termos de universalidade. Assim cada vez mais a escola exercerá ou poderá exercer um papel que a ela jamais foi atribuído em tempos passados: o de ser a instituição formadora dos seres humanos.

Isso tem acontecido na medida em que os meios e as formas tradicionais de Educação acham-se de tal modo corroídas, começam a ser direcionadas para a escola os olhares dos povos, na esperança de que esta exerça uma função educativa e não apenas a da escolarização. Assim será necessário uma outra visão da Escola, dos conteúdos escolares, do papel dos educadores e da relação da Escola com a sociedade.”

“As crianças serão enviadas para a Escola cada vez mais cedo e nela permanecerão por tempo mais extenso. E isso será porque a escola deverá exercer o tradicional papel das famílias, das comunidades, da igreja, e ainda, o que lhe era próprio: desenvolver conhecimento habilidades. Ela deverá se ocupar com a formação integral do ser humano e terá como missão suprema a formação do sujeito ético.”

A Escola e a Educação, portanto, devem ser repensadas em seu tempo. Podem ser filhas de outros tempos, mas não se pode fechar os olhos para os novos tempos. Pode até ser que não conseguiremos a melhor Educação, ou aquela que se espere como ideal, mas que consigamos repensar a melhor educação possível. Preparando o individuo para encontrar-se com “partícipe de um processo civilizatório, no qual se torna responsável com o bem estar pessoal e dos outros, e com a incessante busca da felicidade”, em uma vida em sociedade.

BIBLIOGRAFIA:

RODRIGUES, Neidson. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educação e sociedade, Campinas, V.22, n. 76, out. 2001.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fidel: Estamos em um momento excepcional da história humana

Recentes declarações do líder da revolução cubana, Fidel Castro, ao jornalista Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, foram fartamente interpretadas pela mídia capitalista como uma renúncia ao socialismo. Em sua última Reflexões, que o Vermelho reproduz abaixo, Fidel põe os pingos no i, reitera suas convicções revolucionárias e diz que o sistema capitalista, gerador de crises a cada dia mais graves, é que já não serve nem aos EUA nem ao mundo.

 

Por Fidel Castro

“O fato é que a minha resposta significava exatamente o oposto do que os dois jornalistas americanos interpretaram sobre o modelo cubano”, esclareceu.

Leia abaixo a íntegra do artigo.

Por esses dias se esgotam os prazos concedidos pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para que o Irã cumpra as exigências, ditadas pelos Estados Unidos, relacionadas ao programa nuclear e de enriquecimento de urânio para fins medicinais e a produção de energia elétrica.

É a única coisa que se pode provar. O temor de que o Irã busca a produção de armas nucleares é tão somente uma suposição. Em torno do delicado problema, Estados Unidos e seus aliados ocidentais, incluindo as potências nucleares com direito a veto no Conselho de Segurança, França e Reino Unido, apoiados pelas potências capitalistas mais ricas, tem promovido um número crescente de sanções contra o Irã, um país de religião muçulmana rico em petróleo. Hoje, as medidas aprovadas incluem a inspeção de seu comércio e duríssimas sanções econômicas que conduzem ao estrangulamento de sua economia.

Tenho acompanhado de perto os graves perigos desta situação, uma vez que a ocorrência de um surto de guerra neste momento poderá se desdobrar rapidamente num conflito nuclear de consequências legais para o resto do planeta.

Não buscava publicidade ou sensacionalismo ao sinalizar esses riscos. Simplesmente quis alertar a opinião pública mundial com a esperança de que, advertida de tão grave perigo, possa contribuir para evitá-lo.

Ao menos, consegui atrair a atenção para um problema que nem mesmo era mencionado pelos grandes veículos de comunicação e formação de opinião no mundo.

Isso me obriga a usar uma parcela de tempo dedicada ao lançamento deste livro, em cuja publicação trabalhamos com afinco. Eu não queria que [o lançamento] coincidisse com os dias 7 e 9. No primeiro, cumprem-se os 90 dias definidos pelo Conselho de Segurança para saber se o Irã cumpriu ou com a exigência de permitir a inspeção do seu comércio. Na outra data, conclui-se o período de três meses previsto na Resolução de 9 de junho.

Até agora, só temos a insólita declaração do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o japonês Yukiya Amano, um homem dos ianques. Este jogou toda a madeira ao fogo e, como Pôncio Pilatos, lavou as mãos.

Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irã comenta com merecido desprezo sua declaração. Um despacho noticioso da agência EFE assinala que sua afirmação de que "'os nossos amigos não devem se preocupar porque não acreditamos que a nossa região está em posição para novas aventuras militares" e "o Irã está plenamente preparado para responder a qualquer invasão militar foi uma referência óbvia ao líder cubano Fidel Castro", que alertou para a possibilidade de um ataque nuclear israelense sobre o Irã com o apoio dos Estados Unidos.".

As notícias sobre o tema se sucedem e se mesclam com outras de notável repercussão.

O jornalista Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, já conhecido por nosso público, publica partes de uma longa entrevista realizada comigo.

"Havia muitas coisas estranhas durante a minha recente estadia em Havana – conta –mas o mais inusitado foi o nível de autocrítica de Fidel Castro [...] Mas que Castro estava disposto a admitir que havia cometido um erro em um momento crucial da Crise dos Mísseis em Cuba parecia algo verdadeiramente surpreendente […] que se arrependeu de ter pedido Khruchev para lançar mísseis nucleares contra os Estados Unidos. É certo que abordou o tema e me fez a pergunta. Textualmente, como ele expõe na primeira parte de sua reportagem, suas palavras foram: "Eu perguntei: Em um momento, parecia lógico que você recomendaria aos soviéticos bombardear os Estados Unidos. O que você recomendou ainda parece lógico neste momento?” Fidel respondeu: Depois de ver o que vi, não valia a pena em absoluto."

Eu tinha explicado bem, e consta por escrita, o conteúdo da mensagem "... se os Estados Unidos invadirem Cuba, um país com armas nucleares russas, em tais circunstâncias não devemos deixar dar o primeiro golpe como fez com a URSS, quando no dia 22 de junho de 1941, o exército alemão e outras forças da Europa atacaram a URSS."

Pode-se notar que, neste breve alusão ao assunto, a segunda parte da distribuição ao público dessa notícia, que "se os EUA invadirem Cuba, um país com armas nucleares russas", neste caso eu recomendo impedir que o inimigo desfira o primeiro golpe. Há uma grande ironia na minha resposta "... Se eu soubesse o que sei agora ...", que é uma referência óbvia à traição cometida por um presidente da Rússia que, saturado de álcool, entregou aos Estados Unidos os segredos militares mais importantes do país.

Em outro ponto da conversa Goldberg diz: "Eu perguntei se ele acreditava que o modelo cubano foi algo que ainda valia a pena exportar." É evidente que a pergunta reproduzia implicitamente a teoria de que Cuba estava exportando a revolução. Eu respondi: "O modelo cubano não funciona mais, mesmo para nós." Não expressei nenhuma preocupação ou amargura. Eu me divirto agora ao ver como ele interpretou ao pé da letra, e consultou, pelo que disse, Julia Sweig, analista do CFR que o acompanhava, e desenvolveu a teoria que expus. Mas o fato é que a minha resposta significava exatamente o oposto do que os dois jornalistas americanos interpretaram sobre o modelo cubano.

Minha idéia, como todos sabem, é que o sistema capitalista hoje já não serve nem para os Estados Unidos nem para o mundo, pois conduz de crises a crises, que são cada vez mais graves, globais e reiteradas, das quais não se pode escape. Como tal sistema poderia servir para um país socialista como Cuba?

Muitos amigos árabes, ao saber que eu me entrevistei com Goldberg, se preocuparam e enviaram mensagens indicando-o como "o maior apoiador do sionismo".

De tudo isto, podemos deduzir a grande confusão que existe no mundo. Espero, portanto, que o que eu digo sobre o meu pensamento seja útil.

As ideias expressas por mim estão contidos em 333 Reflexões, vejam que casualidade, e as 26 últimas se referem exclusivamente aos problemas ambientais e ao perigo iminente de um conflito nuclear.

Agora eu devo adicionar um breve resumo.

Eu sempre condenei o Holocausto. Nas Reflexões sobre "O discurso de Obama no Cairo" e "A opinião de um Especialista", eu expus com toda clareza.

Nunca fui um inimigo do povo hebreu, que eu admiro pela capacidade de resistir durante dois mil anos à dispersão e à perseguição. Muitos dos mais brilhantes talentos humanos, como Karl Marx e Albert Einstein, eram judeus, porque é uma nação em que os mais inteligentes sobrevivem em virtude de uma lei natural. Em nosso país, e no mundo, foram perseguidos e caluniados. Porém, isto é só um fragmento das ideias que defendo.

Eles não foram os únicos perseguidos e caluniados por suas crenças. Os muçulmanos também foram atacados e perseguidos por bem mais de 12 séculos pelos cristãos europeus, por causa de suas crenças, assim como os primeiros cristãos na antiga Roma antes do cristianismo se tornar a religião oficial do império. A história deve ser aceita e lembrado como ela é, com suas realidades trágicas e guerras ferozes. Disto falei e, por isto, com toda razão explico os perigos que a humanidade corre hoje, que se tornaram o maior risco de suicídio para a nossa frágil espécie.

Se somarmos a tudo isto uma guerra com o Irã, ainda que de caráter convencional, mais valeria aos Estados Unidos apagar a luz e se despedir. Como poderiam resistir a uma guerra contra 1,5 bilhão de muçulmanos?

Defender a paz não significa, para um verdadeiro revolucionário, renunciar aos princípios de justiça, sem os quais a vida humana e a sociedade não teria sentido.

Eu ainda acho que Goldberg é um grande jornalista, capaz de expor com amenidade e maestia seus pontos de vista, que exigem debate. No inventa frases, las transfiere y las interpreta. Ele não inventa frases, apenas reproduz e interpreta.

Não mencionarei o conteúdo de muitos outros aspectos de nossas conversas. Respeitarei a confidencialidade das questões que abordamos, enquanto espero com interesse seu extenso artigo.

As atuais notícias que chegam em torrentes, de todas as partes, me obrigam a cumprimentar sua apresentação com estas palavras, cujos germes estão contidos no livro “A contraofensiva estratégica”, que acabo de apresentar.

Considero que todos os povos têm direito à paz e gozo da propriedade e dos recursos naturais do planeta. É uma vergonha o que está acontecendo com o povo em muitos países da África, onde vivem milhões de crianças, mulheres e homens, entre os seus habitantes esqueléticos, por falta de comida, água e remédios. São assombrosas as notícias que chegam do Oriente Médio, onde os palestinos são privados de suas terras, suas casas são demolidas por equipamentos monstruosos e homens, mulheres e crianças, bombardeadas com fósforo branco e outros meios de destruição, assim como dantescas cenas de famílias dizimadas por bombas lançadas sobre aldeias afegãs e paquistaneses, por aviões sem piloto, e os iraquianos que morrem depois de anos de guerra, e mais de um milhão de vidas sacrificadas nesta guerra imposta por um presidente dos Estados Unidos.

A última coisa que se poderia esperar era a notícia da expulsão dos ciganos franceses, vítimas da crueldade da extrema direita francesa, que eleva a sete mil as vítimas de outra espécie de holocausto racial. É fundamental o enérgico protesto dos franceses, aos quais, simultaneamente, os milionários limitam o direito à aposentadoria, reduzindo ao mesmo tempo as oportunidades de emprego.

Dos Estados Unidos chegam notícias de um pastor do estado da Flórida, que pretende queimar em sua própria igreja o livro sagrado do Alcorão. Mesmo os chefes ianques e europeus líderes militares em missão de guerra punitiva estremeceram com a notícia que eles consideraram arriscada para seus soldados.

Walter Martinez, o renomado jornalista do programa Dossier Venezolana de Televisión, foi surpreendido com tal loucura.

Ontem, quinta-feira, 9 da noite, chegaram notícias de que o pastor havia desistido. Seria necessário saber o que lhe disseram os agentes do FBI que o visitaram "para persuadi-lo." Foi um grande show de mídia, um caos, coisas próprias de um império que se afunda.

Agradeço a todos pela atenção. 


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A EDUCAÇÃO COMO UMA MERCADORIA



Por Douglas Barraqui e Jeferson da Silva Sobrinho Souza

INTRODUÇÃO

A Declaração Mundial dos Direitos Humanos assiste a temática educação como um direito universal. Mas, esse direito é usurpado, expropriado e comercializado, como uma mercadoria, visando o interesse do capital. 

É fato que nos dias atuais a educação aparece ligada às leis do mercado e as suas necessidades. À medida que a economia aumenta a qualificação profissional se torna uma exigência eminente do mercado de trabalho, bem como não se deve negar o fato de que em um mundo globalizado e em uma economia neoliberal a profissionalização tornou-se sinônimo de inserção no sistema.

No caso do Brasil, desde o plano real e sua gradativa consolidação da economia, o país tornou-se atraente para os investimentos do capital internacional. A inserção do Brasil nas políticas neoliberais trouxe consigo as necessidades de fazer uma revisão nas políticas públicas de caráter educacional. Com uma economia mais estável, demonstrando confiança aos investimentos externos, organismos unilaterais a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), atrelados às superpotências econômicas e as exigências do mercado capitalista, impuseram uma série de políticas educacionais ao Brasil.

O presente artigo pretende abordar a relação existente entre organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial, que tiveram papel ímpar nas transformações da educação brasileira nas últimas décadas, e dar enfoque ao caráter da mercantilização da educação no Brasil.
 
NEOLIBERALISMO: CONCEITO E CONTEXTO

O Neoliberalismo brotou em meio aos escombros da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação, como bem aponta Perry Anderson, teórica e política veemente e fulminante contra o Estado intervencionista e de bem-estar-social. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.

Seu propósito era combater o Keynesianismo e o solidarismo reinante e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. 

Hayek argumentava que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar-social destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. A desigualdade era um valor positivo – na realidade indispensável em si –, pois era disso que precisava a sociedade ocidental.

A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno fértil.

O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. A desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagnação e inflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social.

A oportunidade surgiria em 1979. Na Inglaterra, foi eleito o governo de Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Em 1980, Reagan chegou à presidência dos EUA. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Os anos 80 assistiram o triunfo, mais ou menos incontestado, da ideologia neoliberal nas regiões de capitalismo avançado.

Então, em todos estes itens, deflação, lucros, empregos e salários, podem ser dito que o programa neoliberal se mostrou realista e obteve êxito. 

Economicamente, o Neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Política e ideologicamente, todavia, o Neoliberalismo alcançou êxito num grau com que seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas.

O CONSENSO DE WASHINGTON

No ano de 1989, no contexto do Neoliberalismo expressado nos governos de Thatcher e Reagan, foi organizado em Washington, convocado pela entidade de caráter privado Institute for International Economics, o encontro intitulado Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened? Reunindo economistas de tendências neoliberais, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O objetivo era reavaliar as políticas econômicas então em voga na América Latina.

Como aponta Francisco José Soares Teixeira, no texto O Neoliberalismo em Debate, o discurso neoliberal patrocinado pelos organismos financeiros internacionais foi comprado e posto em prática pelas elites políticas e econômicas locais como prerrogativa básica para solucionar a crise econômica que assolava a América Latina, que no Brasil ficou conhecido como a “década perdida”. Esse conjunto de propostas ficou conhecido como Consenso de Washington que se tratava de um conjunto de práticas e políticas econômicas que foram implementadas em conjunto pelos países latino-americanos.

As propostas do Consenso de Washington para a educação, como aponta Pablo Gentili, se baseia no diagnóstico a cerca da crise educacional e suas soluções. Para os neoliberais o sistema educacional latino americano enfrenta uma crise de eficiência, eficácia e produtividade. O crescimento da demanda educacional na metade do século passado permitiu um crescimento quantitativo, mas não qualitativo. O custo desta inserção acarretou na deteriorização da qualidade da escola pública.

Os neoliberais acusaram o Estado interventor de ser incapaz de solucionar a crise. Os governos se mostraram incapazes de garantir tanto a qualidade quanto a universalização do ensino. Apesar de a universalização ser uma prerrogativa de todos os países latinos americanos os índices de exclusão e marginalização expressariam a incapacidade desses governos em promoveram uma educação includente em amplos aspectos.

Outra acusação contra o Estado interventor está na contaminação da esfera educacional pela esfera política que produz todos os males dentro da escola. A política acaba por transformar a escola como um espaço fundamentalmente público e estatal. O monopólio da educação pelo Estado não permitiria a concorrência de mercado acarretando uma baixa qualidade e eficácia do ensino. As escolas latino americanas, por não usarem idéias competitivas inseridas na lógica de mercado que dão privilégio a meritocracia ou seja ao esforço individual, apresentavam-se com dificuldades de adequarem o ensino ao sistema capitalista neoliberal. A questão primordial não seria a carência de recursos, mas sim a forma como estes recursos são empregados.

A prerrogativa neoliberal é a de fazer a transferência da educação da esfera pública para a esfera privada, embutindo as leis de mercado, descaracterizando assim a educação como direito social e transformando-a como mercadoria a ser consumido seguindo a lógica de mercado.

BANCO MUNDIAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: METAS E OBJETIVOS DO GRANDE CAPITAL

Em 2002, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) lançaram o Fast-Track Iniciative, que especialistas denominaram de Iniciativa Via Rápida (IVR). O objetivo principal, que segue o acordo com as metas do milênio, era o de acelerar o desenvolvimento educacional dos países que ganhariam o endosso.

Para poder solicitar recursos para a Iniciativa Via Rápida (IVR), os países de baixo rendimento passam por uma análise rigorosa condicionado pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Um dos pré-requisitos é que os países apresentem seus projetos de redução da pobreza, o problema principal é conseguir o parecer dos órgãos financiadores, a dificuldade econômica desses países não significa maior chance de conseguirem o empréstimo. A Iniciativa Via Rápida (IVR) se demonstra como um projeto bem amplo, que segue a proposta das metas do milênio que foram fixadas em Jontien, em 1990, que dez anos depois serviram de base para as metas propostas em Dakar, em 2000.

De fato o financiamento não é o papel mais importante do Banco Mundial em educação transformando-se na principal agência que presta assistência técnica em educação para os países em desenvolvimento. Apresenta propostas amplas e articuladas para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas escolares dando uma maior atenção ao primeiro grau.

A partir da década de 1973 o Banco Mundial, sob presidência de Robert Mcnamara, anunciou uma radical virada na política desta instituição quanto aos investimentos. A partir deste momento o Banco Mundial focalizaria suas ações nos países mais pobres atendendo principalmente suas necessidades básicas de moradia, saúde, alimentação, água e educação.

Quanto á educação o Banco Mundial aumentou seus investimentos, sem educação de primeiro grau e assistência técnica, em contra partida reduziu-se os recursos para o segundo grau. Da mesma forma a partir da década de 1990 o Banco Mundial decidiu dar maior atenção ao desenvolvimento infantil e a educação inicial. E atualmente enfatiza a necessidade de dedicar atenção especial á população indígena e ás minorias étnicas.

Na ótica do Banco Mundial os sistemas educacionais dos países em desenvolvimento enfrentam quatro problemas a serem solucionados: o acesso, que segundo a própria instituição já foi alcançado em parte pela maioria dos países em desenvolvimento, exceto na África que seus países se deparam com enormes entraves; a equidade considerada principalmente em relação aos pobres, em geral, e às meninas e às minorias étnicas, sendo a segregação da menina particularmente acentuada no Oriente Médio e no sul da Ásia; a qualidade que é observada como uma problemática generalizada que afeta todos os países em desenvolvimento; e por fim, a redução da distância entre a reforma educativa e a reforma das estruturas econômicas.

O Banco Mundial, atualmente, vem estimulando os países do Terceiro Mundo a concentrar seus recursos públicos na educação básica que é responsável comparativamente por maiores benefícios sociais e econômicos, considerada um elemento essencial para um desenvolvimento no prisma sustentável em longo prazo. Assim sendo a noção de educação básica, e porque não da educação como um todo, continua sendo centrada na educação formal e na educação infantil. E, portanto, instituições como a família, a comunidade, o trabalho, os meios de comunicação entre outros que acabam por ficar a margem de suas considerações e propostas sobre a política educacional.

Segundo Tommasi, em seu texto O Banco Mundial e as Políticas Educacionais, os projetos e propostas do Banco Mundial do modo como vem sendo reproduzido tem reforçado as tendências predominantes do sistema escolar na ideologia que o sustenta, ou seja, as condições objetivas e subjetivas que contribuem para produzir a ineficiência, a má qualidade e a desigualdade no sistema escolar, ao invés de contribuir para uma melhora da qualidade e eficiência da educação e, de maneira específica, dos aprendizados escolares na escola pública e entre os setores sociais menos favorecidos.

Na concepção do Banco Mundial a qualidade educativa seria resultado direto da presença de nove pontos fundamentais que interferem na qualidade da escola de primeiro grau. Pela ordenação de prioridades, que segundo estudos, revelam uma correlação e efeitos positivos: bibliotecas; tempo de instrução; tarefas de casa; livros didáticos; conhecimentos do professor; experiência do professor; laboratórios; salário do professor; e tamanho da classe. A infra-estrutura já não é assistida como prioridade tanto em termos de acesso quanto em termos de qualidade. Buscando economizar recursos o Banco Mundial recomenda: compartilhar custos com as famílias e comunidades; fazer múltiplo uso dos locais escolares; realizar uma manutenção adequada da infra-estrutura escolar. A descentralização assume grande prioridade sobre os aspectos financeiros e administrativos da reforma educacional. Propõem-se especificamente: a reestruturação orgânica dos ministérios das instituições intermediárias e da escola; fortalecer o sistema de informação (dados referentes à matrícula, assistência, insumos e custos); e por fim a capacitação de pessoal em assuntos administrativos. Transformando as instituições de ensino em máquinas tecnocratas, ou seja, apolitizada.  

Podemos notar, portanto, que as propostas do Banco Mundial para educação levam em conta fatores economicistas.  A relação custo benefício e a taxa de retorno constitui as categorias centrais a partir das quais se define a função da educação assim como as prioridades de investimentos, os rendimentos e a própria qualidade do ensino. Então, podemos concluir que hoje a educação não se encontra formulada por pedagogos, professores e especialistas em educação, mas sim, por profissionais vinculados a uma lógica neoliberal de mercado que acaba fazendo da educação mais um produto do sistema capitalista a ser consumido como uma mercadoria.

CONCLUSÃO

Independentemente da extensão e da compreensão, a educação consiste em última instância um produto mercadológico. Conceber a educação na ótica neoliberal é traduzir as leis do mercado aos caminhos que se chocam com uma educação de fato includente e de qualidade. A educação nesses termos intervencionistas, na visão do grande capital internacional, ou seja, na ótica de instituições como o Banco Mundial, é construir uma forma burguesa de se pensar em educação. Essas instituições capitalistas acabam por traduzir uma visão preconceituosa dos países em desenvolvimento sem levar em conta suas particularidades, elaborando planos universalizados em seus próprios objetivos dentro da ótica do grande capital.

Concordamos com Saviani quando ele afirma que nesta presente fase do capitalismo os organismos internacionais acabam exercendo um protagonismo no gerenciamento do desenvolvimento do capitalismo assim como suas crises, a exemplo do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Assim sendo os projetos, as diretrizes, pareceres e conselhos dados pelos organismos internacionais, de fato se revelam como uma servidão voluntária ao modo de produção capitalista que de fato apenas se molda ao objetivo da classe burguesa.

Referências Bibliográficas:

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir, GENTILI, Pablo. (Orgs.). Pós – neoliberalismo: as políticas e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. pp. 9 -13.  

GENTILI, Pablo. O Consenso de Washington e a crise da educação na América Latina. In: GENTILLI, Pablo. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

GENTILI, Pablo. Adeus á escola pública: a desordem neoliberal, a violência do mercado e o destino da educação das maiorias. In: GENTILI, Pablo. (Org.). Pedagogia da Exclusão: críticas ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes 2008. pp. 228-252. 

SUÀREZ, Daniel. O princípio educativo da nova direita: neoliberalismo, ética e escola pública. In: GENTILI, Pablo. (Org.).  Pedagogia da Exclusão: críticas ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes 2008. pp. 253-270.

TEIXEIRA, F.J.S. O Neoliberalismo em debate. In: TEIXEIRA, F.J.S., OLIVEIRA, M.A. de. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas determinações do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1996.

TOMMASI, Lívia de; WARDE, Miriam Jorge; HADDAD Sérgio (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: PUC: Cortez, 1995.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A nova e a velha faces da crise do capital e o labirinto dos referenciais teóricos. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Teoria e educação no labirinto ‘do capital. Petrópolis: Vozes, 2001. PP. 21-46.