Mostrando postagens com marcador Hobsbawm. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Hobsbawm. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Por um mundo duradouro: em que eu acredito


O que se segue, meus caros leitores, são trechos da Conferência proferida por Eric Hobsbawm a estudantes de uma faculdade do Leste Europeu, em 1994, logo após a desagregação do mundo socialista. Hobsbawm percebe a função social do historiador em um tempo (fim da guerra fria e início do que convencionar-se-ia a chamar de “nova ordem mundial”, bem certo, acredito que aquele era um momento de incertezas) e, mais ainda, percebe o papel do professor de uma universidade em sua plenitude, tudo que eu sempre acreditei e esperava dos meus professores. Bem como espero que eu esteja atingindo na qualidade de educador.


“Ora, a história é a matéria-prima para as ideologias nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas, tal como as papoulas são a matéria prima para o vício da heroína. O passado é um elemento essencial, talvez, o elemento essencial nessas ideologias. Se não há nenhum passado satisfatório, sempre é possível inventá-lo. [...] O passado legitima. O passado fornece um plano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito o que comemorar. Eu me lembro de ter visto em algum lugar um estudo sobre a civilização antiga da cidades do vale do Indo com o título Cinco mil anos de Paquistão. O Paquistão nem mesmo era cogitado antes de 1932-3, quando o nome foi inventado por alguns militantes estudantis. Apenas se tornou uma demanda política séria a partir de 1947. [...] Mas, de certo modo, 5 mil anos de Paquistão soam melhor do que 46 mil anos de Paquistão.”


[...] “Eu costumava pensar que a profissão de historiador, ao contrário, digamos, da de físico nuclear, não pudesse pelo menos, produzir danos. Agora sei que pode. Nossos estudos podem se converter em fábricas de bombas, como os seminários nos quais o Ira aprendeu a transformar fertilizante químico em explosivos. [...] Temos uma responsabilidade pelos fatos históricos em geral e pela crítica do abuso político ideológico da história em particular.


Pouco preciso dizer sobre a primeira dessas responsabilidades. Não teria nada a dizer, não fosse duas circunstâncias. Uma delas é o modo atual de os romancistas basearem seus enredos na realidade constatada em lugar de inventá-los, confundindo com isso a fronteira entre fato histórico e ficção. [...] Não podemos inventar nossos fatos. Ou Elvis Presley está morto ou não. [...]”


“[...] Temos de resistir a formação de mitos nacionais, étnicos e outros, no momento em que estão sendo formados. Isso não nos fará populares. [...] Mas, isso tem que ser feito, e espero que os historiadores aqui presentes o façam.


Isso é tudo o que eu queria dizer sobre o dever dos historiadores. Porém antes de terminar, quero lembrar mais uma coisa. Como estudantes dessa universidade, vocês são pessoas privilegiadas. As perspectivas são as de que, como bacharéis de um instituto conhecido e privilegiado, irão obter, se assim escolherem, uma ótima condição na sociedade, carreiras melhores e ganhos maiores que os de outras pessoas, embora não tanto quanto os de prósperos homens de negócio. O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma universidade. ‘As pessoas em função das quais você está lá’, disse meu próprio professor, ‘ não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm as melhores notas cuidaram de si mesmo, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você’.


Isso não vale apenas para a universidade, mas para o mundo. Os governos, o sistema econômico, as escolas, tudo na sociedade não se destina não se destina ao benefício das minorias privilegiadas. Nós podemos cuidar de nós mesmos. É para o benefício da grande maioria das pessoas, que não são particularmente inteligentes ou interessantes [...], não são prósperos ou realmente fadadas ao sucesso, não são nada de muito especial. É para as pessoas que, ao longo da história, fora de seu bairro, apenas têm entrado para história como indivíduos no registro de nascimento, casamento e morte. Toda a sociedade na qual valha a pena viver é uma sociedade que se destina a elas, e não aos ricos, inteligentes e excepcionais, embora toda a sociedade em que valha a pena viver deva garantir espaço e propósito para tais minorias. Mas, o mundo não é feito para nosso beneficio pessoal, e tão pouco estamos no mundo para nosso benefício pessoal. Um mundo que afirma ser esse o propósito não é bom e não deve ser duradouro.”


Bibliografia:


HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 17-21.

sábado, 4 de julho de 2009

"Vacas gordas" acabam no brejo


By Douguera

Períodos de vacas gordas são bem perceptíveis na história das sociedades, o de vacas magras então, nem se fala. A sociedade capitalista em si (aqui me refiro restritamente a países desenvolvidos) passou por trinta maravilhosos anos de graúdas vacas, que alguns gurus da economia gostam de chamar de “anos dourados”. Esse momento de pujança econômica pertenceu essencialmente aos países capitalistas desenvolvidos, aos subdesenvolvidos restaram as pastagens.

A reforma da fachada do capitalismo, no pós-guerra, “ao ponto de ficar irreconhecível” para os cegos e o avanço da internacionalização (leia-se aqui globalização) da economia, foram de fundamental importância para a engorda. Significou basicamente uma noite de núpcias, resultado do casamento entre a democracia social e o liberalismo econômico. Cerimônia presidida por governos conservadores moderados, não eram mais aqueles brucutus de outrora.

Uma revolução tecnológica, fruto da Segunda Grande Guerra, parecia alimentar o surto econômico. A consciência do consumidor foi moldada de tal maneira que as novidades tecnológicas se tornariam o principal recurso de vendas, e o que não era novidade dar-se-ia um jeito.

A conseqüência disso foi dias de vacas gordas: aumentou os financiamentos externos e de forma opulente o fluxo de comércio mercadológico; houve uma efervescência das empresas transnacionais. Malthus deve ter se remoído na sepultura quando descobriu a escalada significativa da produção de alimentos em todo o mundo e subiu também a produção de manufaturados. A classe média pode agora usufruir de muitos confortos antes restritos aos ricos.

Bem, claro que algo teria de servir de ração concentrada à crescente engorda, assim a ação antrópica foi notória. A poluição teve como responsáveis diretos e indiretos os países desenvolvidos com um forte impacto sobre as áreas urbano industrial. A concentração de dióxido de carbono, que aquecem a atmosfera, praticamente triplicou entre 1950 e 1973 (World Resources, 1986, tabela 11.1, p. 318; 11.4, p. 319; Smil, 1990 p. a, fig. 2). Foram despejados na atmosfera até 1974 uma média de 400 mil toneladas de clorofluorcarbonos, produto químico nocivo à camada de ozônio (World Resources, 1986, tabela 11.2, p. 319). Um ruminante tem que defecar.

A Europa só foi tomar sua prosperidade como coisa certa na década de 1960 e ao mesmo tempo via-se a distância, em caráter econômico, entre o capitalismo e o comunismo. E os sábios gurus da economia só foram se dar conta que o mundo, em particular capitalista desenvolvido, passava por uma fase excepcional no final da década de 1970.

A era de ouro, a vaca gorda da sociedade capitalista ocidental, necessitava cada vez mais de investimentos, cada vez menos de seres humanos a não ser consumidores. Dependia do esmagador domínio político econômico dos Estados Unidos que, muita das vezes sem pretender, atuavam como asseguradores da economia mundial.

Como nos “booms” anteriores os anos dourados acabariam em bancarrota de imóveis e bancos. A década a partir de 1973 seriam novamente períodos de vacas magras, porque a gorda foi pro brejo.

Referências Bibliográficas:

World Resources. Disponível em: http://www.wri.org/. Acessado em 04/07/2009.

HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX : 1914-1991. 2. ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 598 p.

domingo, 24 de maio de 2009

A Primeira Grande Guerra


By Douguera


A Primeira Guerra Mundial, disse François Furet[1], em nada se pareceu com a Segunda. Ninguém previa uma guerra provocada pelo afloramento de sentimentos nacionalista. O povo daquela época, assim como o de hoje, estava inserido na ótica do mercado: liberdade individual, a felicidade privada e o enriquecimento o que fez com que esses “homos economicus” estivessem espiritualmente despreparados para a guerra.


O homem econômico tem um papel central, mas não é o ator principal do conflito; o capital tem seu lugar marcado no Hall das desgraças da humanidade, todavia não deve ser o bode expiatório. A guerra só foi aceita em amplitude e plenitude por razões nacionalistas – a origem imediata parte das questões nacionalistas nos Bálcãs, perceptivo no sentimento de patriotismo que levou os homens ao fronte de batalha. Era, por assim dizer, o sentimento mais bem compartilhado naquele momento que se alastrava nação a nação. No caso da Alemanha em especial havia um forte amor pela “raça” que era expresso no movimento pan-germânico[2].


Podia si ver indo para o campo de batalha: a paixão da honra militar, o sentimento de nação e, a fé sega na ciência. A paixão da honra militar, sentida nas guerras revolucionárias, segredo do sucesso e das glórias dos exércitos de Napoleão, sobreviveu ao tempo; o sentimento de nação que vem dos séculos dos reis, anteriores até mesmo as democracias e a sociedade capitalista burguesa, também estava vivo; e a ciência, maior substituta da religião no século XIX, trouxe a justificativa para o pan-germanismo, retirando do evolucionismo darwinista a idéia de seleção natural e da espécie mais forte.


E entre o ataque de Sarajevo[3] e as decisões mobilizadoras, no mês de julho de 1914, era muito possível parar a engrenagem da máquina que levaria a matança. Ninguém o fez, todavia, então seu desencadeamento se deveu, em termos, digamos puramente técnico, pelo déficit da ação arbitrária diplomática. A guerra poderia também ser encurtada se um dos beligerantes tivesse a capacidade de se impor, no entanto quando a guerra foi parar nas lamacentas trincheiras há um prolongamento do embate, para lançar os dados de uma média de 30 mil mortes a cada 200 metros[4]. Assim podemos notar seu caráter interminável pelo infeliz equilíbrio das forças.


Em poucos meses de conflito: acabara o exército profissional e também não se via sua relação custo benefício, mesmo assim ela se arrastou por longos e sangrentos anos, inaugurando o ciclo das grandes tragédias que marcariam o século XX.


A guerra acaba e os ditos vencedores não têm uma concepção comum para a nova ordem mundial. E o Tratado de Versalhes[5], assinado em 28 de junho de 1919, fidelidigno as promessas feitas no calor do combate, tendeu a um caráter punitivo e vingativo em detrimento de ser um mediador das relações causa conseqüência, fazendo com que o terreno ficasse fértil para o totalitarismo, semente da Segunda Grande Guerra.


[1] François Furet. Historiador francês nascido em Paris, um dos principais estudiosos da Revolução Francesa

[2]O pan-germanismo foi um movimento político e sociocultural do século XIX, que
buscava a união de todos os povos germânicos.

[3]Sarajevo (por vezes Saraievo) é a capital e a maior cidade da Bósnia e Herzegovina. Palco do assassinato de Francisco Ferdinando, herdeiro do império Austro húngaro.

[4] FURET, François. O passado de uma ilusão. Pg. 62.

[5] O Tratado de Versalhes (1919) foi um tratado de paz assinado pelas potências européias que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial.



Bibliografias:

Esqueletos de soldado alemão morto durante a Primeira Guerra Mundial, encontrado em Violaines, na França. Disponível em http://www.lucianomarinho.com.br. acessado em 24/05/09.

FURET, François. O passado de uma ilusão. São Paulo: Siciliano, 1995. 599p.

HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914 - 1991. Tradução Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 20001.