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sábado, 15 de janeiro de 2011

Para que serve a história: um exercício prático

Por Douglas Barraqui

Meus alunos e até mesmo alguns amigos me perguntam: por que é que se estuda o passado? Afinal de contas o passado passou é imutável; e eu respondo: por causa do presente. Mas, como isso funciona? Faremos um exercício prático para isso e primeiro preciso que você, meu caro leitor, assista o vídeo abaixo:


A caça as bruxas é um tema badalado nos estudos históricos, todavia é frequente da Idade Média e quando nos deparamos com as “crianças bruxas na África” em pleno século XXI o que devemos fazer? Aqui podemos recorrer a Marc Léopold Benjamim Block quando ele defende que problema é algo que acontece no campo da realidade, que nos incomoda, que nos estimula a buscar explicações, problemas são /estão no presente. A capacidade de analisar os fenômenos complexos da realidade a partir da sua complexidade é justamente o que distingui a História de outras disciplinas. O que acontece é que os historiadores são descompromissados com o presente. Por isso é que as pessoas se perguntam: para que serve a História?

O tema as “crianças bruxas na África” é motivo de debate para a mídia, para os direitos humanos, governos e especialista acadêmicos (os intelectuais). E como a história poderia estudar esse tema? Vejamos: a mídia, como é muito comum, transforma a notícia em espetáculo com uma postura moralista em seu fundo; acabam condenando os pastores neopentecostais (vistos nos vídeos acusando as crianças de serem bruxas) de agirem de má-fé, visando o enriquecimento particular; e o moralismo midiático nos ajuda a conceber um fenômeno complexo do presente. Resumindo a imprensa cumpre seu papel de informar, chamando nossa atenção para um problema atual. Os grupos em sua grande maioria ONGs ligadas aos direitos humanos são levados pela emergência da situação e muitas das vezes não questionam a crença em questão. A postura dos governos e a de condenação, todavia, estamos falando de África e de países que sobrevivem precariamente com a falta de recursos.

Agora se formos fazer uma analise intelectual em toda a complexidade da historicidade do caso em questão teríamos que sim fazer uma analise histórica. Pois bem: a áfrica conheceu o cristianismo a partir das cruzadas do século XI, XII e XIII que levaram consigo a cruz e a espada pela África setentrional, mas de forma mais ampla, principalmente nas regiões que correspondiam ao antigo Reino do Congo, a introdução do cristianismo ocorreu a partir do século XVI. Entre as religiões do Reino do Congo, principalmente na cosmologia barongo, era comum crianças receberem espíritos benignos para fazer o bem para suas famílias.

Pesquisando mais sobre o caso descobrimos que até pouco tempo as acusações de bruxarias para com as crianças se mantinha no seio da família, geralmente em segredo. Mais recentemente que o tema tomou ares mais problemáticos atingindo a estrutura familiar e ferindo os direitos humanos.

Então temos um problema recente, um fenômeno recente. Alguns esperavam, e até mesmo chegaram a acreditar, que com a modernidade a feitiçaria iria desaparecer. Isso não aconteceu. Pois bem, como historiador apresento uma hipótese, para explicar o fenômeno das “crianças bruxas na África”: fazendo uma análise econômica percebemos que a partir dos processos de independência, os países africanos promoveram aberturas a modernização e ao processo de globalização. Tudo foi muito rápido, concentração de renda e desemprego, não deu tempo para os essas nações se prepararem estruturalmente.

Politicamente vários países africanos estiveram por anos imersos em guerra civil que produziu mortos, mutilados e crianças órfãs.

Em termos religiosos houve crescimento das Igrejas Pentecostais e em caráter familiar, a desestruturação da família por fatores mais gerais acaba levando pais e parentes a acusarem as crianças de bruxaria. As igrejas entram na sequência trazendo a suposta cura e ao mesmo tempo alimentando essa crença.

O que proponho então é a seguinte explicação: o desenvolvimento do capitalismo em sua fase neoliberal atingiu alguns países africanos, assolados por anos de exploração colonial e guerras civis, de modo a afetar suas organizações sociais. Sem recursos para as áreas de assistência social como emprego, educação, saúde, segurança entre outros, esses países assistem a desestruturação da organização familiar que buscam refugio no apego religioso. Entram em sena as Igrejas Pentecostais atuando alimentando a crença e em muitos casos extorquindo o pouco que essas pessoas têm. As “crianças bruxas na África” são na verdade só uma parte da desgraça social que recai sobre diversos países daquele continente no contexto pós-colonialismo.

Concluindo: essa é “a explicação”? certamente que não é a única. É claro que a intervenção da História neste problema não vai resolvê-lo. Mas, não pode se negar que ajuda a discutir melhor a relação entre os fatores e sua temporalidade. Fenômenos complexos como o caso das “crianças bruxas na África” exigem abordagens múltiplas para assim encontrar qual o melhor diálogo que pode ser estabelecido entre os diversos atores (família, lideres religiosos e autoridades). O que eu quis mostrar e que sim, a História pode contribuir com as problemáticas do presente, todavia a maioria dos historiadores não se interessam pelo presente. Devemos lembrar que a história é o estudo do homem no tempo, mas quem estuda essa homem está aqui no presente.

Referencias Bibliográficas:

OLIVER, Roland Anthony. A experiência africana: da pré-história aos dias atuais. Rio de Janeiro: J. Zahar, c1994. 313p.

SARAIVA, José Flávio Sombra. Formação da África contemporânea. 3. ed. - São Paulo: Atual, c1990. 66p.

PEREIRA, André Ricardo Valle Vasco. Descompromisso do historiador com o presente. Palestra pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Semana da História. Novembro de 2010.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Uma bruxa no meu divã: Entrevista com Binha Martins

Ola meus caros amigos contemporâneos de meu tempo. Durante a Idade Média os chamados inquisidores tiveram a oportunidade de estarem frente a frente com mulheres acusadas de atos de bruxarias, as interrogaram e torturaram e por fim queimaram-nas em fogueiras. Mais de cinco séculos se passaram o mundo mudou e elas, as bruxas, ainda estão presentes, sobreviveram às torturas, as perseguições e à fogueira da inquisição.


Não tive a oportunidade de estar junto dela por motivo de incompatibilidade geográfica, mas minha cara amiga e bruxa Binha, foi de uma receptividade fantástica a minha proposta de entrevista-la. Segue abaixo algumas a entrevista feita com a bruxa Binha para complementar meu artigo especial sobre Bruxas. Desde já agradeço a minha amiga bruxa:


HiStO é HiStÓrIa: Na Idade Média ao se declarar como bruxa você seria levada a uma fogueira. Sei que os tempos mudaram, mas, por que você se intitula bruxa Binha?


Bruxa Binha: Desde criança me interesso por temas que envolvem o místico, o oculto, a Natureza, a paranormalidade… esses temas sempre me interessaram… é uma característica muito forte em mim. Hoje, sigo uma filosofia de vida pagã, a Bruxaria. Aplico e acredito em meus conhecimentos e na minha intuição. Trabalho diariamente para manter-me em equilíbrio. E sigo o que eu acredito, independente do que a Sociedade nos impoe. A forma que escolhi viver faz de mim uma Bruxa.


HiStO é HiStÓrIa: Qual o por quê, e/ou quais os motivos que a levaram a se interessar pela bruxaria?


Bruxa Binha: Meu encontro com a Bruxaria aconteceria de uma forma ou de outra. Quando me desliguei da Umbanda buscava algo como a Bruxaria… então quando conheci esse modo de vida, foi um Encontro muito feliz! Pois tudo era exatamente como eu visualizada dentro de mim. O motivo maior foi a interação que tive e tenho com minha essência.



HiStO é HiStÓrIa: Historiograficamente a Wicca é uma religião neo-paga, originada na Europa Antiga, fundamentada em cultos centrados na fertilidade. O que é a Wicca em nosso mundo contemporâneo?



Bruxa Binha: A Wicca auxiliou a popularização da Bruxaria. E isso foi um passo muito importante para todos aqueles que estudam, pesquisam e praticam algum caminho místico ou oculto. É muito comum, quando as pessoas se interessam por Bruxaria, iniciar seu caminho pela Wicca...

Conheço poucos adeptos que realmente seguem a Wicca…

A grande maioria se diz Wicca, mas não seguem suas vidas baseadas na religião e muitas vezes nem numa filosofia pagã. Apesar de muitos criticarem, eu acredito que já é um ótimo começo. Afinal de contas, essas pessoas precisam colocar em prática o que acreditam e expor que esse é seu caminho já um começo. O que impede essas pessoas de realmente ter uma prática intensa é a falta de disciplina e compromisso, a família, o pré-conceito vindo de fora ou até mesmo de dentro da pessoa…

Mas enfim…

Já é um começo para um nascimento de pensamento livre.


HiStO é HiStÓrIa: Você tem dois sites: “Grande Arte” e “Ateliê Fruto Primitivo”, qual o objetivo dessas páginas?


Bruxa Binha: O site Grande Arte tem 3 importantes funções:

*É uma Loja especializada em instrumentos para praticantes e também atende um público simpatizante pelo místico. Atende inclusive peças sob encomendas, de acordo com a prática do cliente e confeccionado de forma magicamente correta para que o mesmo alcance seu objetivo.

*O site Grande Arte tem uma seção especial para estudos. Nesta seção tem diversos textos para auxiliar o praticante, além de conter uma agenda de eventos pagãos.

*Também divulgo meus trabalhos artísticos através do site Grande Arte.

O Ateliê Futuro Primitivo tem como objetivo ser um local para minha produção interna (artística) e do artista visual Felipe Ruído. Além das produções internas, acontecem Cursos, Bazares, Eventos, Oficinas, etc.



HiStO é HiStÓrIa: O termo Bruxaria, até certo ponto, respeita as faculdades espirituais de um indivíduo que geralmente se auxilia de práticas e rituais tido como mágicos, ou magia. Assim ao produzir determinados efeitos “mágicos” sobre a realidade natural, efeitos que não se consegue explicar cientificamente, utiliza-se a terminologia sobrenatural. Até que ponto você acredita em forças sobrenaturais?




Bruxa Binha: Trabalho com forças que julgam sobrenaturais diariamente. Porém, para mim, são forças naturais que todos nós podemos ter conhecimento de como trabalhar com elas. São forças que todos nós temos como as desenvolves. O nível de desenvolvimento dependerá do histórico, conhecimento, disposição e disciplina de cada um. De forma objetiva, respondendo sua pergunta, eu acredito em forças “sobrenaturais”. Cada caso avalio isoladamente para chegar numa conclusão satisfatória.


HiStO é HiStÓrIa: Quanto à realização de rituais de bruxaria; a mentalidade comum, e a que provocou verdadeiros devaneios na Idade Média, é a de que os rituais de bruxaria interferem com as pessoas causando efeitos sobre seu estado mental ou físico, ou mesmo altera-se a percepção que essa pessoa tem da realidade. Poderia nos dizer o que de fato é um ritual de bruxaria? e qual seu objetivo?




Bruxa Binha: Existem muitos tipos de Rituais de Bruxaria e com uma infinidade de objetivos. O importante é saber que todos nós, a todo momento, temos o poder de alterar nossas vidas. Basta ter consciência e conhecimento para alterar de uma forma benéfica. Na realidade isso é um processo muito natural e um trabalho de energia. E todas as pessoas podem ter esse conhecimento, mas para isso deve começar a assumir responsabilidades por seus atos. E posteriormente pegar as rédeas da sua própria vida. Geralmente quando temos a nossa frente um caso de pessoas que forçam ou são forçadas a viver uma situação, com certeza ambas precisam trabalhar seu auto-conhecimento e sua força espiritual e serem felizes da forma que realmente são. O uso do conhecimento místico deve ser usado para harmonizar nossa essência com nossa vida e não para forçar situações.
Essa questão é bem complexa...

Espero ter esclarecido um pouco o meu ponto de vista.





Douglas,

***Que bons ventos atravessem seus caminhos e lhe traga tudo o que sinceramente desejar!!!***

Agradeço o convite para responder à esta entrevista.

Agradeço também a forma carinhosa que está conduzindo este trabalho.
Desejo-lhe sucesso
.



Binha Martins

Binha Martins trabalha com orientação de cursos e atendimentos com Tarô e atualmente está dando início a um projeto musical. Mora em Vila Mariana – São Paulo. Contatos:



Loja Virtual Grande Arte - para Brux@s e afins!!!

http://www.grandearte.art.br/loja.html



Ateliê Futuro Primitivo

http://ateliefuturoprimitivo.blogspot.com
E-mail e msn: ateliefuturoprimitivo@hotmail.com



(11) 2769 0221

sábado, 27 de fevereiro de 2010

BRUXAS






BRUXAS
Por Douglas Barraqui

Introdução

O imaginário do homem talvez nunca tenha explorado tanto um paradigma, para representação a concepção do que seria o mal, como explorou as bruxas. Velha encarquilhada, manipuladora de “magia negra”, sentada em uma vassoura voadora, com um verruga no nariz e com uma gargalhada assustadora. Um estereótipo perfeito para os filmes e desenhos animados, mas para historiografia contemporânea as bruxas não passavam de sábias mulheres que detinham farto e raro conhecimento sobre a natureza e, possivelmente, magia. Com esse artigo pretendo, com base em fatos históricos, contar a verdade empírica a mercê das bruxas. Proponho ao meu caro leitor que leia o mesmo com os olhos de um espectador curioso e não como um historiador, pois assim a leitura será mais agradável.

Origem

A nomenclatura “bruxa”, em sânscrito (língua da Índia), faz referência e quer dizer “mulher sábia” ou “sabedoria feminina”. Não se sabe a exata origem das bruxas, todavia é consenso entre a historiografia que se seguirmos a sua definição ao pé da letra elas existam desde os primórdios da humanidade. E será por intermédio do cristianismo que a bruxa tomara conta do imaginário popular como a representação do mal.

É fato que a prática de bruxaria envolve rituais dotados de grande simbologia, sendo assim podemos perceber tais rituais desde os tempos neolíticos, a aproximadamente vinte e cinco mil anos. Como sabemos isso? Através de pinturas rupestres em fundo de cavernas que indicam rituais de adoração a espécie de deuses que traziam fertilidade para os povos primitivos. É sabido que experiência visionárias, rituais de caça e cerimônias de cura sempre estiveram presentes com suas devidas simbologias, metáforas em diversas sociedades e culturas.

Na Idade Média, uma mulher que conseguisse poder (recomendo que o leitor considere todos os parâmetros semânticos da concepção de poder para compreender este caso em específico) poderia ser considerada uma bruxa em potencial e cabe salientar que o mundo nesse contexto histórico está imerso na concepção da igreja de mundo.

O fato é que, sem mito algum, as bruxas eram apenas mulheres. Mulheres que detinham vasto conhecimento sobre o emprego da natureza, como nos casos da utilização de ervas medicinais. O resto não passa de retoques do imaginário popular bem como de uma instituição religiosa que se aproveitava de todas as situações a fim de criar um discurso para se justificar frente a um homem cada vez mais racional. A própria igreja, que criou um discurso incrustado em uma sociedade patriarcal, colocou as mulheres em segundo plano, sendo consideradas fonte de pecado, utilizadas pelo diabo. Em muitos dos casos bastava à mulher perder a hora de acordar que o marido prontamente a acusava de estar sonhando com o demônio.

Pois bem, até então fiz uso da historiografia contemporânea a fim de estabelecer uma origem para as bruxas. Agora recorro, a fim de embelezar e encalçar ainda mais meu artigo, a boa e velha história da arte. Assim trago uma nova palavra para meu leito: “Wicca”. Uma palavra de origem inglesa, propriamente dito do inglês arcaico, que quer dizer bruxo. Em alguns livros talvez encontre o significado “sábio”. A palavra tem sua origem na raiz indo-européia “wikk”, que significa “magia”, “feitiçaria”. Atualmente as pessoas tem utilizado a palavra bruxaria como uma espécie de sinônimo para a palavra wicca, que para uns é uma “bruxaria neo-pagã”. De fato, a Wicca como uma espécie de “bruxaria neo-paga” teve início nos anos de 1940 e 1950 com os escritos de Gerald Brosseau Gardner.

A bruxaria


Alguns consideram a bruxaria como uma religião da natureza. O que pode ser dito com certeza, é que se trata de uma crença que antecede o cristianismo, e em minhas leituras não encontrei em nenhum momento, em termos de contexto histórico em especial, que a bruxaria se opõe aos ensinamentos de Jesus. O fato é que durante a Idade Média, a Igreja Romana, com o objetivo de justificar seu valores espirituais terrenos espreitou as bruxas como uma manifestação maléfica aos moldes dos conceitos do cristianismo, tornando-as verdadeiros “bode expiatório”. Tal fato culminou na morte de centenas de milhares de pessoas, quando a caça as bruxas tornou-se uma verdadeira histeria religiosa.

Na Idade Média em especial, envolta em todas suas práticas intituladas pelo cristianismo como pagãs, a prática da bruxaria estava muito enraizada entre a sociedade européia. “[...] a mulher representava a base fundamental da fertilidade, o corpo feminino era reverenciado como foco de força divina; doadora da vida.” Logo, quase todas as mulheres podiam ser consideradas bruxas, uma vez que sabiam mais sobre superstições, encantamentos e plantas medicinais do que muitos homens. É bem verdade que, entre as tribos de povos bárbaros, era muito comum as mulheres cuidarem das plantações enquanto os homens cuidavam do pastoreio e da pilhagem, consequêntimente as mulheres acumularam maior conhecimento sobre as forças da natureza: utilizaçõe de plantas para diversos fins incluído medicinais, também conheciam os ciclos lunares, dos ventos, das chuvas, estrelas e planetas; claro, não se compara ao conhecimento a disposição nos dias atuais, e também podemos dizer que muito se perdeu com o passar do tempo.

Phillipus Aureolus Theophrastus Bumbastes von Hohenheim, mais conhecido no meio acadêmico pelo pseudônimo “Paracelso”, considerado uma das figuras erráticas do renascimento, grande conhecedor de medicamentos disse que as bruxas tinham ensinado tudo o que ele sabia sobre cura. O carcereiro do Castelo de Canterbury (construído no século XI pelos normandos) em 1570 soltou uma bruxa tida como condenada, justificando com a opinião popular, que ela sozinha era melhor para tratar dos doentes do que qualquer padre exorcista.

O estudioso norte americano de mitologia e religião comparativa Joseph John Campbell afirma: "Não resta dúvida de que nas épocas mais remotas da História do Homem a força mágica e misteriosa da Fêmea era tão maravilhosa quanto o próprio Universo; e isto atribui à mulher um poder prodigioso, poder este que tem sido uma das principais preocupações da parte masculina da população — como quebrá-lo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins.” Campbell percebe que a ruptura na relação homem e mulher teria preponderante papel nas mitologias de diversas sociedades; em termos práticos a visão patriarcal da igreja teria contribuído para uma turbulenta relação social entre homem e mulher, bem como questionamento segundo os dogmas da bíblia do papel da mulher junto ao homem, com isso pode-se cogitar em explicar a perseguição as mulheres, tidas como bruxas, na Europa medieval.

Bruxaria segundo as bruxas



De acordo com o Altar de São Cipriano, o termo bruxaria respeita as faculdades espirituais de uma pessoa, que geralmente se auxilia da prática de rituais mágicos produzir determinados efeitos na realidade deste mundo em que habitamos, procurando assim alterar essa mesma realidade. O objetivo destes rituais mágicos é por isso interferir, ou no mundo físico, ou nas pessoas que nele existem. Quando realizados os rituais para interferir no mundo físico em que habitamos, causam-se nele certos efeitos que segundo as leis da natureza não seria normal sucederem, e que são por isso “sobre-naturais”. Quando realizados os rituais para interferir com pessoas, então causam-se efeitos sobre o estado mental, ou físico dessa pessoa, ou mesmo altera-se a percepção que essa pessoa tem da realidade.

A caça às bruxas


Diferentemente do que muitos acreditam a caça às bruxas não foi um processo perpetrado pelo famigerado Tribunal da Santa Inquisição, mas sim por Estados e tribunais civis independentes sem quaisquer relações com a inquisição. Grande maioria das vítimas foi julgada e executada, portanto, por cortes seculares e locais. As vítimas de cortes religiosas em muitos casos recebiam melhores tratamentos e até podiam ter mais chances de serem inocentadas, tendo até punições mais brandas. O fato é que, a Igreja viu na caça as bruxas um aspecto fundamental no que tange a justificar a sua existência. Uma bruxa era algo muito mais palpável e justificável do que acusados de bigamia e sodomia.

De concreto podemos dizer que a caça às bruxas foi uma perseguição tanto religiosa quanto social, tendo seu início no final da Idade Média e alcançando a apoteose na Idade Moderna quando mulheres passaram a ser queimadas vivas em fogueiras, para alguns historiadores uma espécie de paranóia social.


O Malleus Maleficarum, com o título no Brasil de “martelo das feiticeiras”, é para alguns um magnífico manual para diagnosticar bruxas. Publicado no ano de 1487, sob a autoria dos inquisidores Heinrich Kraemer e James Sprenger, é um livro dividido em três partes: a primeira ensina como reconhecer uma bruxa; a segunda expunha os tipos manifestações malignas, explicando e classificando; e a terceira regrava as ações legais contra as então bruxas, era basicamente a demonstração de como deveriam ser condenadas. A obra foi amplamente utilizada como uma espécie de manual de caça às bruxas.

Um número que caminha, segundo pesquisas, entre 50 e 100 mil mortes. Algumas das centenas de vítimas adoravam entidades pagãs, mas eram uma minoria. Outras vítimas eram parteiras ou simplesmente mulheres com um arraigado conhecimento de medicina homeopática e fitoterapia, mas também não foram um número significativo. A maioria das mulheres que acabaram mortas era cristãs ou judia. De um número os pesquisadores tem como certo, o total de execuções de bruxas na Europa, com base em documentos dos julgamentos, foram de 12 mil. A maioria foi julgada e morta entre os anos de 1550 e 1650, nos então anos de maior histeria.


Quando os historiadores passaram a estudar os documentos dos processos de julgamento, deixando de lado o “achismo”, os casos mais famosos e as mitificações, outros olhos foram lançados para o processo de caça às bruxas. No passado acreditava-se em um número de nove milhões de vítimas, hoje, com embasamento empírico de análise documental, pode-se dizer que qualquer estimativa que supere os 100 mil é falsa.

Quem eram as verdadeiras bruxas


Mulheres inocentes de quaisquer crimes em meio à tortura promovida pelos inquisidores, produziam relatos e confissões, que não apenas lhes imputavam a culpa, mas confirmava o imaginário popular produzido e alimentado por um discurso teológico. É fato que grande parte das confissões foram obtidas sob torturas cruéis e para livrar-se do suplício as torturadas acabavam, inevitavelmente, concordando com o discurso teológico dos inquisidores. Itália, Alemanha, França foram alguns países em que a tortura foi utilizada de forma ampla.

Mas, estranhamente, em casos como de Salem, Massachussets, em 1692, onde não se tem histórico de utilização de tortura para conseguir a confissão, surge o mesmo tipo de depoimento das acusadas, que confirmava as acusações, se enquadrando novamente ao mesmo discurso teológico. Como explicar isso? Seriam verdadeiramente bruxas?

Em janeiro de 1692, na vila de Salem, colônia da Baía de Massachussets (Nova Inglaterra, atual cidade de Danvers nos EUA), Elizabeth Parris, de nove anos, e Abigail Willams, de onze, passaram a demonstrar estranhos comportamentos que iam desde gritos, ataques convulsivos passando por estados de transe. Outras meninas da vila também começaram a demonstrar mesmo comportamento. Sem uma resposta para o comportamento das meninas a saída foi apelar para o discurso teológico de que em Salem havia manifestações de bruxaria. Orações foram realizadas e para descobrir a identidade das bruxas um índio de nome Jonh teria assado um bolo feito com centeio e urina das garotas supostamente enfeitiçadas. Pressionadas para confessarem a fonte da bruxaria as meninas nomearam três mulheres, dentre elas a índia escrava de nome Tibuta. Sem qualquer tortura ela confessou ver o diabo, que aparecia para ela em forma de porco e às vezes em forma de um grande cão, e que em Salem havia um grande número de bruxas.

Para esse caso em especial alguém pode dizer que há algo de errado. Porque entre o confessar sob tortura, pura e simplesmente, e a assimilação de uma culpa dentro de moldes precisos existe uma disparidade. Seria Tibuta uma bruxa? Ou ela era simplesmente louca?


Carlo Ginzburg afirma que a resignificação das confissões das acusadas de feitiçaria por parte do inquisidor, fazendo com que elas se adequassem ao discurso teológico e, dessa forma, se enquadrassem às exigências legais que permitiriam a condenação, somente era possível devido à peculiaridade das crenças das acusadas. Essas acusadas estavam direta ou indiretamente inseridas no meio social da época e interpretaram o discurso teológico da época segundo os moldes que melhor as favorecia. Portanto a meu ver a escrava Tibuta poderia ter visto na acusação e em sua confissão a oportunidade de, talvez, punir as mulheres da vila que lhe haviam feito mal. Mas isso é “achismo” de mais, e não aponto um fato empírico que evidencie isso. O fato é que uma confissão frente ao inquisidor carregava não só o discurso teológico da época como também o peso da condição social da acusada.

Conclusão


A final de contas, bruxas existem? Em termos conceituais e etimológicos da palavra, como já vimos, sim. Mas dentro da mentalidade medieval podemos admitir uma ressalva: elas parecem ter existido apenas no imaginário popular em uma época em que a realidade, quando não explicada, era distorcida em forma de um discurso de medo, um discurso religioso.

Para os ditos intelectuais a existência de bruxas não passa de um devaneio da mente humana sujeita as diversas formas de “corruptibilidade”. Todavia, entre muitas culturas a crença se demonstrava fervorosa em poderes de feitiçaria.


A concepção de práticas de magia, heresias e bruxarias acabavam se confundindo no julgo popular pela falta das luzes da razão, graças à ignorância. Espetacularmente foi a partir da primeira inquisição, século XIII, que o cristianismo e sua representação iconográfica passou a representar o arcanjo decaído não mais com a figura de um anjo corrompido, mas com a aparência de deuses pagãos a exemplo de Pã e Cernunnos. Curiosamente tal fato levou a suposição de que bruxas eram adoradoras do demônio e é justamente aqui que encontramos a grande contradição desse tipo de discurso: se a figura do demônio faz parte do dogmatismo cristão, não pertence portanto a crença pagã e além do mais não se tem um personagem equivalente ao diabo em qualquer panteão pagão.

Sabemos que distorções da realidade são feitas em vários contextos da história e, por mais gritantes que sejam, cabe lembrar que o homem está sempre presente em seu curso, logo a realidade está sujeita a transformações e adaptações da mente humana constantemente sujeita a corrupção. As bruxas da idade média, portanto, é nada mais nada menos do que a ciência de hoje; que não podia ser explicada naquele contexto de paranóia religiosa.

Bibliografia:

KRAMER, Heinrich e SPRENGER, Jacobus. Malleus Malleficarum:Manual da Caça às Bruxas, Ed.Três, São Paulo, 194pp, formato 17x20cm, 1976. (Edição especial em língua portuguesa)

CAMPBELL, Joseph. Sítio oficial da Fundação Joseph Campbell, em inglês. Disponível em: http://www.jcf.org/new/index.php. Acessado em 25 de janeiro de 2010.

Mistéiros Antigos. Bruxas. Disponível em: www.misteriosantigos.com. Acesso em 25 de janeiro de 2010.


TOPFFER, Pierre. As missas negras. Lisboa: Europa-América, 1980.

Altar de São Cipriano. Magia negra e magia branca. Disponível em: http://www.magianegra.com.pt/bruxaria.htm. Acessado em 25 de janeiro de 2010.

GARDNER, Gerald. A Bruxaria Hoje: Madras, 2003.

MURRAY, Margaret. O Culto das Bruxas na Europa Ocidental: Madras, 2003.

GONZAGA, João Bernadino. A inquisição em seu mundo, Editora Saraiva, 1994.

VEKENE, Emil Van der. La Inquisición en grabados originales. Exposición realizada con fondos de la colección Emile van der Vekene de la Universidad San Pablo-CEU, Aranjuez, 4-26 de Mayo de 2005, Madrid: Universidad Rey Juan Carlos, 2005.

KAMEN, Henry. The Spanish Inquisition: A Historical Revision. Yale University Press, 1999.

COELHO, António Borges. Inquisição de Évora (1533 – 1668). Editora Caminho, 2002.