domingo, 22 de novembro de 2009

Empobrecimento Urbano: o caso da Grande Vitória


Com a obra, Industrialização e Empobrecimento Urbano: o caso da Grande Vitória, 1950-1980, a autora Maria da Penha Smarzaro Siqueira, conseguiu mostrar ao ávido apaixonado por história do Espírito Santo, á luz da história econômica, as transformações ocorridas na estrutura econômica capixaba, mais precisamente na década de 1960, e as implicações sociais desse processo.


INTRODUÇÃO


O trabalho de Maria da Penha vai detectar, de forma mais profunda, as questões fundamentais do processo de modernização econômica por que passou o Espírito Santo, no período de 20 anos (1960 – 1980), diretamente relacionadas às transformações ocorridas na Grande Vitória.


A autora propõe que a partir de 1960 houve um processo de mudança estrutural/conjuntural por que passou o Espírito Santo. Mudanças que foram acompanhadas por um amplo processo de industrialização e pela expansão urbana, que marcaria a década de 1970.


MUDANÇAS ESTRUTURAIS DA ECONOMIA DO ESPÍRITO SANTO


Conjuntura político-econômica nacional: o modelo de crescimento urbano


A autora nos mostra que até 1930, o crescimento da economia nacional dependia basicamente da produção agrícola. O Brasil exportava produtos primários e importava grande variedade de bens de consumo. A Primeira Guerra mundial, a crise econômica de 1929 e a Revolução de 1930 criaram então as condições para o início do processo de ruptura com o passado colonial. Assim nos anos de 1930 e 1950 há um desenvolvimento de um setor industrial. Surge um novo modelo de crescimento, significando um passo na maturidade do capitalismo brasileiro, com a chegada das empresas multinacionais.


A autora nos mostra que a partir de 1964 adentramos no contexto do capitalismo monopolista. Os militares têm a sua intervenção, na defesa da “ideologia nacionalista”, centrada na lógica da acumulação nacional, viabilizada pelo capital monopolista.


A partir de 1968, então, a economia brasileira dá início a uma acelerada expansão, caracterizando o “milagre brasileiro”. E que a partir de 1973 esse ritmo do crescimento começa a declinar.


Espíritos Santos e a realidade conjuntural


Maria da Penha nos mostra que embora o Espírito Santo estivesse situado na área geoeconômica do país (região sudeste) não acompanhou o mesmo dinamismo econômico regional, mantendo um caráter de subdesenvolvido. A isso a autora aponto como uma das causas a falta de expressividade política dentre as demais unidades do país.


O Estado ficou excluído, e a base agrária que caracterizava a economia capixaba não permitia ampliar os limites da dependência da economia cafeeira, geradora predominante da renda estadual. A estagnação econômica, portanto, mostrava-se nítida em dois pontos: na dependência do café e na falta de capital interno.


Na segunda metade da década de 1950 mudanças econômicas ocorreriam. Em função da queda do preço do café em âmbito nacional e internacional, dar-se-ia início a um a um novo ciclo de expansão de investimentos industriais, em nível nacional, que iriam causar impactos positivos no setor industrial capixaba. O Plano de Metas acabou incentivando a instalação da industria siderúrgica e da industria de cimento no Estado.


A crise do café, vai nos dizer Maria da Penha, será um fator decisivo nesse processo de mudança, a partir de 1968, serão nítidas as conseqüências do processo de erradicação dos cafezais. É a partir da segunda metade da década de 1960, que se inicia uma nova fase da vida econômica do Espírito Santo. Os governos marcariam sua gestão priorizando o trabalho por uma melhor integração Espírito Santo/Brasil.


Década de 1970, e o Espírito Santo é, finalmente, incluído como área de atenção alocando-se recursos na produção de bens intermediários destinados ao mercado externo. A autora faz referência ao setor de metalurgia e celulose. Os lucros gerados por essas empresas, todavia, não seriam investidos no Estado.


Simultaneamente a esse processo ocorrera a desruralização e urbanização, houve uma incapacidade aguda dos setores urbanos absorverem todo o contingente de pessoas, acarretando em empobrecimento social. A região da capital transformou-se em centro de concentração das camadas mais desfavorecidas.


Declínio do setor cafeeiro e reorientação da economia estadual


No fim da décadas de 1940 e durante a década de 1950 a importância da cafeicultura na economia estadual foi acentuada devido a alta dos preços internacionais. Durante o período da segunda Guerra a produção de café brasileira havia decrescido em função da redução da exportação. A partir de 1957 iniciou-se um ciclo de superprodução no mercado internacional.


A fim de controlar essa super produção foram criados mecanismos de redução da supersafras: em 1961 foi criado o Gerca – Grupo Executivo da Recuperação Econômica da Cafeicultura – que elaborou o plano da erradicação dos cafezais com direito a indenizações.


A indenização foi um meio encontrado pelos proprietários dos velhos cafezais para quitar suas dívidas e terem perspectivas de novos investimentos. Os efeitos do plano foram mais sensíveis nos pequenos e médios agricultores e o objetivo principal, que era forçar a diversificação agrícola, foi pouco significativo. A pecuária bovina, nos diz a autora, ganhou extraordinário dinamismo e acelerou-se a migração para as cidades.


O programa de erradicação dos cafezais desestruturou a economia capixaba, por outro lado, ajudou a promover recursos permitindo incremento de projetos agroindustriais – indústrias de madeira e de produtos alimentícios (cana de açúcar e carne). Até 1975, a expansão industrial no Espírito Santo foi comandada por pequenos capitais locais favorecidos pelos incentivos fiscais.


Através das ações conjugadas entre Governo Estadual e Governo Federal o Espírito Santo, a partir de 1975, Modernizou-se. Essa fase dependeu do financiamento do grande capital privado (nacional e estrangeiro).


A QUESTÃO REGIONAL E A POSIÇÃO MARGINAL DO ESPÍRITO SANTO NO ESPAÇO ECONÔMICO BRASILEIRO


Desigualdade regional do desenvolvimento – um enfoque histórico


A partida da década de 1960, grandes transformações ocorreram ao passo que a atividade econômica se deslocou do setor cafeeiro para o setor industrial.


Estruturalmente no país existiam três regiões importantes, como núcleos econômicos: o nordeste, do açúcar, do gado e do algodão; o sul, da pecuária e agricultura alimentar; e o sudeste, do café e da pecuária. De fato o sudeste, das três regiões, foi a mais dinâmica em razão de sua íntima ligação com o capital internacional que fez através do comércio do café.


Todavia dentro do sudeste encontra-se o Espírito Santo que não acompanhou o nível de desenvolvimento regional. Maria da Penha aponta para esse problema como sendo resultado da falta de acumulação de capital, ao isolamento e devido a sua falta de infra-estrutura manteve grande dependência do Rio de Janeiro, sem contar que o Espírito Santo permaneceu marginalizado pela política centralista imperial. O que ocorrera com o Espírito Santo é que houve um predomínio de uma economia cafeeira familiar e o capital acumulado pelo Estado não fora suficiente para fomentar investimentos de vulto. Concluindo: embora o estado estivesse inserido no contexto da dinâmica econômica cafeeira, situou-se entre as regiões consideradas mais atrasadas.


Esse processo sé começou a ser alterado a partir da década de 1960, quando, por iniciativa do Governo Federal, aplica-se a política de erradicação dos cafezais. Dando ao estado novas perspectivas de desenvolvimento econômico.


Espírito Santo e a integração nacional


Existiam três barreiras que deveriam ser vencidas para dinamizar o processo de integração: a da concorrência, a representada pelos impostos interestaduais e a referente ao sistema de transporte.


Até o início dos anos de 1950, o Espírito Santo permaneceu em condições de quase total isolamento das demais regiões do país. Sendo o Porto de Vitória e a Estrada de Ferro Leopoldina seus principais veículos de integração. Assim a partir de 1960 ocorrerá uma expansão dos transportes do Espírito Santo com a construção da estrada litorânea BR 101, com a construção da BR 262 e da BR 259. foram, deste modo, criadas as condições necessárias para o novo ciclo de expansão da economia capixaba em âmbito nacional e internacional.


Assim, no final da década de 1960, começaram a ser viabilizados no Espírito Santo grandes projetos industriais dos setores siderúrgicos e paraquímico que receberam especial destaque nas prioridades do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 1975 - 1979. O eixo central do corredor seria a linha da E.F.V.M. (Estrada de Ferro Vitória a Minas).


As mudanças estruturais caracterizadas pelo acelerado crescimento do setor industrial acarretou em uma série de distorções comuns no estado, tais como: fluxo intenso de migração campo/cidade; alto nível de desemprego nos centros urbanos; baixo nível de renda para uma grande parcela da população, por consequência, baixo padrão de vida para extrato menos favorecido.


A INDUSTRIALIZAÇÃO ACELERADA


Os Grandes Projetos Industriais: dinamismo de uma indústria urbana


Maria da Penha nos diz que o processo de modernização econômica configurou-se de forma brusca ocorrendo grande mudanças na estrutura da produção econômica: decadência das atividades tradicionais, crescimento acelerado da pecuária bovina, intensificação do processo e industrialização e o desenvolvimento de atividades ligadas ao turismo.


Na década de 1970 tem início a uma outra etapa do processo econômico, quando se concretiza as decisões de se implantarem no Estado os “Grandes Projetos Industriais”. Novo perfil que viabilizara investimentos em outros segmentos, identificados principalmente pelo setor de prestação de serviços.


O vulto desses investimentos elevou de modo considerável a economia do Espírito Santo e a aglomeração urbana sem levar em consideração seus efeitos. Evidenciando assim um acentuado desequilíbrio espacial na economia do estado.


O advento dos Grandes Projetos Industriais acelerou o fluxo migratório e a região da Grande Vitória não possuía infra-estrutura para receber o grande fluxo. Provocando efeitos negativos, como a marginalização dos trabalhadores menos qualificados, acentuando as desigualdades regionais e sociais. O desenvolvimento econômico transmutou-se em um estado de miséria e desemprego urbano, evidenciando um estado de “caos urbano” na região da Grande Vitória a partir da década de 1970. Havia um sério déficit com setores primordiais como: saúde, educação, habitação, segurança, transporte coletivo, lazer e etc.


Os municípios da Grande Vitória


A grande vitória era constituída por cinco municípios. De fato, nos mostra Maria da Penha, devido ao efeito de expansão da aglomeração, regiões foram gradativamente incorporadas.


Vitória


Vitória é uma ilha montanhosa o que acarretou em um congestionamento nas áreas de encosta de morros. Foi na década de 1960 que o processo de ocupação da ilha se intensificou, iniciando a descaracterização do espaço geofísico da cidade com a ocupação de áreas de mangues, morros e de periferias. A nova configuração espacial teve reflexos negativos na qualidade de vida da população como um todo.


Vitória recebeu migrantes do sul da Bahia, norte de Minas, Zona da Mata Mineira, norte do Rio de Janeiro e interior do próprio Estado, esses migrante buscavam trabalho e melhores condições de vida.


Cariacica


Teve sua ocupação urbana integrada ao processo de consolidação do pólo de Vitória, a partir da década de 1960.


Viana


O município de Viana repete, em linhas gerais, o perfil de ocupação de Cariacica.


Serra


Como Viana e Cariacica, o município da Serra possui características semelhantes em termos de ocupação e estrutura socioeconômica. A região abrigou também algumas atividades de apoio ao porto exportador de minério da Companhia Vale do Rio Doce.


Vila Velha


Apresentou um crescimento lento que se intensificou a partir do início da década de 1960, estimulado, nos diz a autora, pela conclusão e pavimentação da rodovia Carlos Lindenberg. O município não se destacou como centro industrial, até o final da década de 1970 possuía poucas indústrias, a maioria de produtos alimentícios. A ocupação de morros e mangues no centro e na periferia do município gerou favelas e contribuiu para evidenciar a falta de infra-estrutura urbana de Vila Velha.


O crescimento econômico e a hegemonia do grande capital


Apesar do crescimento apresentado pelo setor industrial, até 1975 ainda predominavam no Estado os pequenos e médios estabelecimentos industriais.


O crescimento desse setor, nos diz Maria da Penha, se apresentou com duplo aspecto: criou condições de trabalho para uma parcela da população com baixa qualificação e deu oportunidades a pequenas atividades autônomas de trabalho relacionadas a prestação de serviços – constitui o chamado setor informal. A crescente urbanização estimulou, consequentemente, a indústria da construção civil.


A partir de 1975 daria início a segunda fase de desenvolvimento capixaba, caracterizado por uma nova dinâmica do processo de acumulação. Há uma intensificação do processo de diversificação econômica e modernização capitalista com a implantação de várias atividades não tradicionais, que, sobre a forma de grandes projetos de impactos, modificaram radicalmente a estrutura industrial do Estado.


Essa mudança foi comandada pelo “grande capital”, composto, em sua maioria, de grandes grupos estatais privados, tanto nacionais como estrangeiros.


DESENVOLVIMENTO ESTADUAL E EXPLOSÃO DEMOGRAFICA URBANA


A dinâmica da população


Ao analisar a dinâmica da população do Espírito Santo Maria da Penha revela dois grandes desequilíbrios na sua história demográfica: um deles situa-se no contraste entre povoamento da região sue e região norte, que apresentavam grandes disparidades em termos de concentração populacional.


A explicação, nos diz a autora, está na própria história. A partir da metade do século XIX a lavoura cafeeira que ganhou fôlego com a vinda de imigrantes europeus a população rural ganhou força.


O outro ponto reside na proporção do número de habitantes da região da Grande Vitória que já em 1940 se destacava como a região de maior concentração urbana estadual. Os anos de 1960 marcam justamente o período que inicia o grande esvaziamento das zonas rurais, e continuo aumento da população urbana.


BIBLIOGRAFIA:


SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro. Industrialização e empobrecimento urbano: o caso da Grande Vitória, 1950-1980. Vitória: EDUFES, 2001. 179 p.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo


O objetivo central do livro de Mintaha Alcuri, Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo (1910/1940), é fomentar um estudo da formação e do desenvolvimento da comunidade de imigrantes libaneses no Espírito Santo, no período de 1910 e 1940. A análise está centrada nos contingentes de libaneses que se estabeleceram nos municípios de Alegre, Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. Sendo este um dos melhores trabalhos que trata da imigração turca no Brasil.


O auto nos mostra que no Espírito Santo, o imigrante libanês, embora não buscasse a propriedade agrícola, estabeleceu-se em pontos estratégicos ligados à economia cafeeira, desenvolvendo atividades paralelas à produção do café.


O objetivo portanto, nos diz Mintaha Alcuri, é compreender as questões básicas que fundamentaram o processo de integração do imigrante à sociedade brasileira e de permitir, no caso específico da imigração de libaneses, o conhecimento dos conflitos socioeconômicos e culturais por eles enfrentados.


O autor nos dá marcos cronológicos referente a este processo migratório: 1) início da grande corrente migratória de libaneses para o Brasil, processo que se acelerou em 1914, com o desenrolar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). 2) estagnação do surto imigratório relativo a grupos libaneses no Brasil e de estabilidade econômica e política do Líbano.


No Espírito Santo, nos mostra o autor, esses imigrantes que aqui chegaram não formaram aglomerados, mas distribuíram-se aleatoriamente, de acordo com seu poder aquisitivo. Não buscavam fábricas ou as propriedades agrícolas. Dedicando-se especificamente ao comércio e às pequenas industrias.


LIBANES NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XIX E NAS PRIMEIRAS DO SÉCULO XX


No primeiro capítulo o autor vai nos apresentar uma síntese da história do Líbano nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, até 1945, com a independência do país.


O autor nos mostra um Líbano com uma diversidade confessional composto por: xiitas, sunitas e drusos componentes do islamismo e grupos de cristãos maronitas e os greco-católicos.


O libanês esteve subjugado ao Império Otomano até meados do século XX. Algumas das razões que impeliram os libaneses ao primeiro grande surto imigratório encontram-se nas condições desse domínio e nas diversas formas de espoliação que estiveram sujeitos: um regime fundiário de herdeiros privilegiados, o fracionamento extremo de terras, a exploração fiscal e a ineficiência administrativa eram fatores que conduziam à pobreza. O cultivo de pequenos lotes, em toda a região não bastava para sustentar as famílias, em sua maioria muito numerosas.


Servir o exercito do inimigo, do opressor, era condição insuportável para a maioria daqueles imigrantes. Assim durante a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o libanês realizou uma grande diáspora, que abalou toda a vida social e econômica do Líbano. A maioria era composta por cristãos, os mais perseguidos no domínio turco. O libanês imigrado, forneciam meios e incentivos aos parentes e amigos para que fizessem o mesmo. Havia entre eles uma forte crença num “Eldorado”, de que na América era possível fazer fortuna fácil. Após a guerra de 1914, as imigrações foram determinadas por razões de ordem econômica. O autor nos mostra ainda que em 1914, uma epidemia de tifo matava uma média de 40 pessoas por dia e, como se não bastasse, uma onda de gafanhotos assolou o pais.


Mintaha Alcuri enfatiza que duas causas principais se interpenetravam: o imigrante, possuindo um parente no pais receptor e necessitando melhor de vida, emigrar com maior segurança. É necessário considerar ainda: o espírito aventureiro e a busca de perspectivas; a guerra de 1914, que provocou fome e gerou recusa em prestar o serviço militar ao país usurpador; o acesso a propriedade fundiária de um novo país aparece como agente propulsor; amores frustrados, prepotência familiar, perseguição política e religiosa contribuíram para engrossar o rol de motivações.


A maior parte dos que foram entrevistados entre os municípios de Alegre, Cachoeiro de Itapemirim e Vitória, nos dia Mintaha Alcuri, não chegaram ao Brasil em idade útil produtiva.


POR QUE O BRASIL?


O governo brasileiro incentivou e, algumas vezes, subsidiou a imigração. De início, a busca de trabalhadores rurais foi a razão primordial desses incentivos. Posteriormente, a necessidade de mão de obra para a indústria passou a ser o fator determinante para o incremento dos fluxos imigratórios.


Os libanês vindos ao Brasil, nos diz Mintaha Alcuri, não buscavam as fábricas ou as propriedades agrícolas. Dedicando-se, preferencialmente, ao comércio e as pequenas indústrias. A imigração foi espontânea, quer dizer, nunca houve um acordo entre os dois países para a vinda desses imigrantes. O Brasil teria sido escolhido pela possibilidade de acompanhar parentes ou unir-se com aqueles que já encontravam aqui.


Os libaneses não só aportaram em São Paulo, como também chegaram em outros estados da União, atraídos pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira e, principalmente, pelo seu parque industrial, onde marcavam presença.


O ESPÍRITO SANTO COMO DESTINO


Mintaha Alcuri, nos mostra que a marcha do café é que propiciou, efetivamente, a ocupação das terras capixabas. A imigração libanesa, porém, não obedeceu a padrões tão favoráveis: sua penetração, principalmente no Espírito Santo, não esteve subvencionada pelo seu governo ou pelo governo brasileiro. Sempre se instalaram por conta própria, ainda que ajudados por parentes já estabelecidos nas diversas regiões do estado. Não chegavam a levas determinadas.


O início dessa presença registrou-se na região de Itapemirim. Penetraram pelo interior até alcançar a Serra do Caparaó. Outros, ainda, vinham diretamente para Vitória, por via marítima, ou por fronteiras com Minas Gerais.


Trabalhadores não qualificados, biscateiros e ambulantes, nessas atividades envolveram-se os primeiros imigrantes libaneses, no interior do Espírito Santo. Eram moços solteiros, vindos de zonas rurais e vilas. Vitória, Cachoeiro de Itapemirim e Alegre, receberam os imigrantes libaneses que, antes de tudo, estavam dispostos a agruparem junto a familiares. A escolha pelo Espírito Santo, Mintaha Alcuri aponta para o fato de que já possuíam parentes já estabelecidos aqui.


O maior contingente de imigrantes libaneses chegou ao Espírito Santo pelo Rio de Janeiro. Embarcava-se de navio até a Barra de Itapemirim; de lá, utilizava-se uma barcaça que percorria o rio até Cachoeiro de Itapemirim, atingindo ainda, Castelo, Guaçui, em lombos de burros.


Solteiros e jovens, em sua maioria, os primeiros imigrantes libaneses que chegaram no Espírito Santo não possuíam dinheiro. Por isso, tornavam-se mascates, já que tal ocupação não requeria capital. No interior, abriam lojas e armazéns em pontos estratégicos e, na capital, lojinhas e armarinhos. A falta de transportes e as enormes distâncias entre os grandes centros e as pequenas vilas favoreceram a proliferação desses mascates e a sua permanência no interior do estado.


Em vitória, os ambulantes comerciam com fazendeiros, ovos, leite, frutas, bilhetes de loteria, cigarro, confecções, pão, sorvete, armarinhos, tapetes, quadros, espelhos, gravatas, amendoim. Da mulher libanesa, nos diz Mintaha Alcuri, cadastrada como ambulante, vendia doces, amendoim e fazendas. Mintaha Alcuri conclui que o mascate libanês esteve em todo o território capixaba.


Foram cadastradas as seguintes categorias ocupacionais: comerciantes de fazendas, donos de quitanda, secos e molhados, gêneros alimentícios, confeitaria, donos de botequim, depósitos e charutaria, ourivesaria, donos de pensão, fábrica de bebidas, sapateiro, entre outros. Muito deles, nos diz o autor, prosperaram de tal forma que se tornaram grandes atacadistas ou senhores de indústrias.


Em entrevistas realizadas Mintaha Alcuri descobriu que existia um grande número de libaneses ligados à agricultura, nos anos de 1920. Alguns deles ocupavam terras devolutas do Estado e, naturalmente, o processo de legalização era muito difícil e moroso, principalmente para estrangeiros. É certo que a agricultura não foi a atividade preferencial. No entanto, a maioria do que a eles se incorporaram tornaram-se grandes proprietários.


A década de 1920, nos mostra o autor, foi o período de consolidação do comércio libanês de Cachoeiro de Itapemirim. A mobilidade dos libaneses em Cachoeiro foi favorecida, em certo modo, exatamente por sua condição de cruzamento de vias férreas e como escoadouro de produtos da região. Como centro convergente, foi também cidade dormitório. Nesta cidade, nos diz Mintaha Alcuri, os libaneses não se fixaram apenas na sede do município. Estabeleceram-se, também nos distritos.


Ocuparam prédios localizados no centro da cidade e em zonas comerciais, já que serviam ao mesmo tempo de comércio e residência. A medida que prosperavam no comércio ou na pequena indústria, aplicavam o seu capital na compra de imóveis.


Em alegre os libaneses que ali se instalavam se incorporavam a todos os ramos de atividades. É possível constatar, argumenta Mintaha Alcuri, que, desde o inicio do século XX, o ritmo de penetração e envolvimento dos libaneses na região era bastante expressivo.


A BUSCA PERMANENTE DA IDENTIDADE


O imigrante libanês, portanto, como nos mostrou o autor, inseriu-se na sociedade capixaba através do exercício de determinadas atividade econômicas. Ocupou, portanto, posições definidas no quadro geral da economia. Sendo capaz desse modo de superar as dificuldades de adaptação e, ao mesmo tempo, de preservar os valores e tradições que asseguravam sua própria identidade nacional e social. Esse ideário, manifesto na manutenção e/ou criação de modalidades diversas de comportamento social, seria a base de uma “ideologia étnica” transmitida no discurso centrado na trajetória “turco, sírio, libanês”.


A consciência de que sua legitimidade social e sua conseqüente ascensão estavam totalmente dependentes de sua situação econômica e dos êxitos que pudessem alcançar. O desejo de enriquecer permeou todos os movimentos de adaptação e todos os passos da construção de suas vidas neste país. Esse imigrante despendeu-se de esforços possíveis para se livrar da situação de “turco”, apelido que, antes de tudo, lembrava sua condição de oprimido.


Três momentos de suas vidas no Brasil, a saber: a chegada com o passaporte turco, o momento de adaptação econômica e o estabelecimento de um negocio próprio ou afirmação em torno de uma atividade econômica específica.


Um fato que deve ser mencionado é que o libanês sempre sentiu-se ligado à sua comunidade de origem.


As dificuldades dos primeiros momentos foram superadas à medida em que se adaptavam e se firmavam economicamente. Sem dúvida, o imigrante libanês teve como propósito o anseio pelo sucesso fácil e de retorno ao Líbano. Para a maioria dos libaneses a sua estada no Brasil era transitória.


Os depoentes sempre ressaltaram as saudades que sentiam de sua terra e dos parentes que haviam deixado lá. Muitos, entretanto, nunca puderam retornar porque seus negócios ou seus recursos não o permitiam.


Quanto ao casamento misto o imigrante ressaltava a dificuldade da língua e dos costumes. Os brasileiros, além disso, viam no “turco” o déspota, o polígamo, que escravizava mulheres – influências das lendas do oriente, nos diz Mintaha Alcuri. Os imigrantes não só alegavam as diferenças culturais como também criavam um estereótipo negativo da mulher brasileira, alegando que eram “indolentes e gastadeiras”. O casamento ainda obedecia o padrão tradicional, da escolha dos noivos e de um acordo estabelecido entre os próprios pais.


A mulher exercia um papel preponderante na vida do imigrante libanês. No lar, na educação dos filhos, nas atividades comerciais, a sua presença foi marcante. Havendo casos, nos mostra Mintaha Alcuri, de mulheres que, após o falecimento do marido, assumiram os negócios. Muitas chegaram a formar grandes empresas.


A diversidade religiosa foi um grande obstáculo para o casamento dos libaneses. Os maronitas eram os maiores discriminadores dos drusos, por motivos históricos. Mintaha Alcuri enfatiza que, não foram transportados para o Brasil as rivalidades religiosas. Mas, de certa forma, foram mantido grande distanciamento entre os grupos.


Os libaneses do Espírito Santo também ergueram seu clube, situado no município de Vila Velha, o melhor do estado, chamado de Palácio de Mármore. O clube libanês do Espírito Santo foi fundado em 7 de março de 1937, ma cidade de Vitória, posteriormente foi construído o libanês da Praia da Costa, em Vila Velha.


CONCLUSÃO


O autor nos mostra, portanto, que o processo de inserção do imigrante libanês na economia e na sociedade capixaba está diretamente relacionada ao quadro mais amplo da vinda dos europeus para o Brasil e daqueles que chegaram ao Espírito Santo entre 1910 e 1940. Ao mesmo tempo, esse processo esteve afetado pelas inúmeras alterações que ocorriam na vida social e política brasileira.


Fatores determinantes e dominantes da imigração tais como: as pressões demográficas, o desemprego e as diversas crises ocorridas. Esses fatores vieram de encontro às necessidades básicas da economia brasileira, especialmente no que se refere à carência de mão de obra decorrente do desenvolvimento da lavoura cafeeira e do desenrolar dos primeiros momentos da afirmação do setor industrial de produção. Uma das características específicas da imigração libanesa no Brasil, que fugiu ao padrão de imigração dirigida, em massa.


O comércio foi sua opção natural. No Espírito Santo, os imigrantes libaneses monopolizaram as pequenas empresas comerciais e indústrias. Assim gradativamente, nos diz Mintaha Alcuri, o imigrante libanês foi penetrando na economia local.


Quando a sua inserção na sociedade brasileira, o libanês apresentou peculiaridades que distinguiram seu processo e definiram, de forma definitiva, sua fixação no Brasil. Sinais de incorporação definitiva à sociedade brasileira podem ser observados nos casamentos mistos a partir da terceira geração de libaneses.


O mais importante, porém, foi observar que o processo de adaptação e de inserção do imigrante libanês à sociedade brasileira, com base nos estudos no Espírito Santo, significou antes de tudo um processo de libertação. O Brasil, para o imigrante libanês, representou a recuperação de sua identidade, comprometida enquanto povo oprimido, expulso de sua terra. O que se podia conquistar, mais do que a riqueza, era a liberdade.


Bibliografia:


CAMPOS, Mintaha Alcuri.. INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo (1910/1940). Vitoria: Instituto Jones dos Santos Neves, 1987. 159p.

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domingo, 1 de novembro de 2009

Espírito Santo um Estado "Satélite"


Meus caríssimos amigos leitores, recentemente tive a oportunidade de assistir uma palestra ministrada por José Cândido Rifan Sueth, mestre em história social das relações políticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e autor do livro “Espírito Santo, um estado ‘satélite’ na Primeira República: de Muniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912)”. Eu já havia lido o livro, todavia, não havia tido a oportunidade de conhecer e conversar pessoalmente com José Cândido. Pois bem, tive essa oportunidade e tive o prazer incomensurável de assistir um exemplo de pesquisador a ser seguido, de uma humanidade e humildade que poucos conseguem confeccionar, um historiador que ama o que faz. Assim não poderia deixar de fazer uma breve análise de seu livro.


José Cândido estudou o Espírito Santo enquanto um estado sem autonomia, focando o período que vai do primeiro governo de Moniz Freire até o termino do mandato de Jerônimo Monteiro, 1892 a 1912. Trata-se de um estudo que procura verificar os mecanismos pelos quais se dava a posição secundária do estado, sem autonomia plena. A hipótese, portanto, que se pretende trabalhar é a de que existiu efetivamente, nesse período, uma heteronomia, dependência e subordinação do Espírito Santo. Uma condição que não começou na Primeira República, mas vem certamente do período colonial e do Império. O autor utiliza o conceito de estado “satélite” que esta associado, justamente, a carência, pouca autonomia, ser influenciado, ser dependente. Trata-se, portanto, de uma pesquisa que visa a contribuir com a lenta, mas continua, reabilitação da história política que vem se dando a partir da década de 1970. Aplicando assim o conceito de Nova História Política.


A pesquisa teve como principal corpus documental as mensagens, discursos e relatórios oficiais dos presidentes do estado, desde 1892 até 1912. Que possibilitaram comprovar a idéia de um Espírito Santo deixado para segundo plano e periférico.


O BRASIL REPUBLICANO E A POLÍTICA DOS GOVERNADORES


Objetivando desvendar teoricamente as relações de poder e seu jogo político na Primeira República o autor parte para uma analise do federalismo no Brasil no século XIX.


O FEDERALISMO NO BRASIL DO SÉCULO XIX


José Cândido aponta para o Ato Adicional de 1934, como um evento descentralizado ao passo que adotou alguns elementos do federalismo, como as assembléias provinciais. Já o segundo reinado (1840-1889) é verificado o retorno da centralismo monárquico, favorecido, também, pela economia cafeeira. O federalismo voltaria a pleno vapor com a propaganda republicana.


O autor mostra que dentre as duas tradições federalistas: a hamiltoniana, preocupada com o fortalecimento do governo central, e a jeffersoniana, que dava ênfase ao self-government. O Brasil copiou a segunda tradição , o que fez co que entre nós federalismo significasse descentralização.


A POLITICA DOS GOVERNADORES


José Cândido diz que no Brasil o sistema político funciona na base de forças exercidas por lideranças, partidos e elites. A esse exemplo durante a Primeira República, uma grande parcela do poder passou a ser exercida pelas oligarquias. O idealizador de tal política foi o presidente da República Campos Salles (1898-1902), política que ficou conhecida como política dos governadotes: política que se resumia a um acordo pelo qual, em troca de apoio dado ao presidente da República, os estados tinham garantidos uma total autonomia e o direito de intervir na composição do Congresso, o qeu significava um fortalecimento do poder dos governadores, os quais eram a nova expressão das oligarquias regionais. Era, assim, um acordo, um compromisso que unia chefes locais, governadores de estado e presidente da República. Entre as conseqüências dessa política, o autor aponta para a consolidação do predomínio dos estados mais fortes, o que deu origem à política do café com leite. O autor aponta que, é em função de todo esse jogo de influências, poderes, alianças e sujeições, resultante da “política dos estados”, que vai se colocar a dependência do espírito Santo, nesse período.


O COTIDIANO CAPIXABA EM FINS DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX


José Cândido nos mostra que quando proclamada a República em novembro de 1889, no mesmo dia 15, a notícia, por meio de um telegrama, chegou a Vitória, onde não houve qualquer tipo de manifestação favorável ou contrária ao regime. em Cachoeiro, porém, onde o movimento anti-monarquista sempre foi mais forte, os republicanos promoveram passeatas em comemoração. No dia 16, tendo sido dissolvida a Assembléia Legislativa, os lideres republicanos escolheram Afonso Claudio como chefe do governo provisório.


Os primeiros anos de República, nos diz o autor, não foram fáceis. Em nível local predominava o “coronelismo” e importantes figuras revezavam-se no poder até a revolução de 1930. Em meio a esse ambiente a economia capixaba notabilizou-se pela produção de café, sendo, no século XIX, um dos principais produtos da Província. Em meio a necessidade de escoar a produção que, no final do século XIX e início do século XX, forças foram direcionadas a melhorias nas vias de transporte: abertura de estradas, construção de portos, construção de ferrovias e a introdução de embarcações a vapor. Que gerou despesas ao estado forçando a requisitar empréstimos estrangeiros.


Na Primeira República, nos mostra o autor, foi iniciado um processo de remodelação de Vitória, que ganhou novos aspectos perdendo parte de suas características coloniais. Vitória recebeu iluminação pública, monumentos, jardins, arborização. Mesmo assim eram poucas as opções de lazer.


A sociedade capixaba na Primeira República dividia-se em três segmentos: a elite, composta por lideranças políticas, altos funcionários do estado, juristas, grandes comerciantes, grandes proprietários de terra. Um grupo intermediário, constituído por, profissionais liberais, médicos, pequeno funcionariado publico, pequenos comerciantes, professores, pequenos proprietários e, por fim, o último segmento, os menos favorecidos, com artesão meeiros, vendedores, empregadas domesticas, entre outros. O autor nos mostra ainda que, foi com a entrada de imigrantes a partir da segunda metade do século XIX que o número de habitantes do estado aumentou significativamente. E foi em um estado com todas essas características que assim desenvolveram-se as relações de dependência e falta de autonomia.


ESPÍRITO SANTO, ESTADO “SATÉLITE” NA PRIMEIRA REPÚBLICA: DE 1892 A 1912.


AS CONDIÇÕES DO FEDERALISMO BRASILEIRO


Hegemonia de alguns e dependência, da parte de outros, constituem realidades em oposição ao princípio federal. As referências ao Espírito Santo como estado “satélite” opõem São Paulo, Minas Gerais ou quaisquer outros estados como “planetas”. O autor no mostra que, devemos refletir a respeito da heteronomia do Espírito Santo como, ora dependente do poder econômico, ora dependente do poder político. Conclui que: o federalismo impunha a autonomia dos estados, enquanto a parte não constitucional – política dos governadores – dava origem ao domínio de uns estados sobre outros.


O CASO DO ESPÍRITO SANTO NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA


Citando Maria da Penha Smarzaro Siqueira, José Cândido nos mostra que, assim como as demais regiões brasileiras o Espírito Santo estava inserido na conjuntura política econômica nacional e que embora integrado na região sudeste centro produtor de café, não acompanhou o nível de desenvolvimento regional, resumindo-se a uma região de pouca expressividade dentro do contexto nacional.


A ASCENSÃO DE MONIZ FREIRE


José de Melo Carvalho Moniz Freire, nos diz o autor, ocupa um papel especial, não só por ter comandado duas administrações estaduais, mas também por ter estabelecido um plano que visava a aparelhar o Espírito Santo com uma infra-estrutura que o levasse a uma posição de menor dependência no cenário nacional. Em seu programa de governo tinha o objetivo de construir linhas férreas, povoar o solo e transformar Vitória em um grande centro comercial. Todavia, para levar esse programa a bom termo, o estado contraiu o primeiro empréstimo externo, de 17 milhões e quinhentos mil francos franceses, que foram aplicados na construção da estrada de ferro Sul do Espírito Santo, que faria ligação de Vitória e Cachoeiro de Itapemirim. em 13 julho de 1895 seria inaugurado o primeiro trecho, ligando Porto de Argolas – no continente então fronteira com a capital – à Viana, então vila.


Também promoveu a introdução de 20 mil italianos na lavoura capixaba e implantou a navegação a vapor no Rio Doce. Projetou a expansão de Vitória através do projeto Novo Arrabalde. Todavia, a pouca autonomia do Espírito Santo impediu a continuidade de planos tão esperançosos, o estado não tinha a mesma atenção do Governo Federal como São Paulo, nos diz José Cândido.

O Espírito Santo encontrava-se entre os seis estados sem nenhuma representação nos ministérios. Neste caso, Minas Gerais, São Paulo e Bahia eram os três grandes com maior número de cadeiras ministeriais.


Apesar de o estado ter a nona renda do país, era considerado sem importância, o que vai ser agravado ainda mais, após o termino do primeiro mandato de Moniz Freire, que foi sucedido por Graciano dos Santos Neves.


OS PLANOS DE MONIZ FREIRE COMPROMETIDOS NA SUCESSÃO


Graciano dos Santos Neves governou o estado em situação bastante difícil, uma vez que o café sofreu enorme queda de preços, abalando a economia capixaba. Teve que suspender quase todas as obras planejadas por Moniz Freire. Recusou-se, também, a promover o melhoramento do porto de Vitória, alegando ser essa uma “[...] obra que dependia inteiramente da boa vontade do Governo Federal [...]. Em 1897, foi publicado, em Paris, um texto repleto de críticas ao empréstimo adquirido por Moniz Freire em seu primeiro mandato, para a construção da estrada de ferro Sul do Espírito Santo.


De 1894 a 1898, assumiu a presidência da república Prudente de Morais, que foi sucedido por Campos Salles, conhecido pelo funding loan. Campos Salles trata das vias férreas e defende abertamente a privatização das estradas de ferro da União alegando os prejuízos que davam. José Cândido aponta: a redução do preço de transporte a favor de certos produtos agrícolas, que muito iria favorecer a linha capixaba, não foi posta em prática nas estradas de ferro do Espírito Santo. O que não beneficiou, portanto, o café que fosse transportado para o porto de Vitória. Desse modo, era o Espírito Santo vítima de uma orientação política geral.


MONIZ FREIRE EM SEU SEGUNDO MANDATO


Em 23 de maio de 1900, iniciou-se o segundo mandato de Moniz Freire, que governaria até 1904. Neste contexto a crise do café se prolongava e a seca acabava por agravar a situação produzida pela baixa dos preços. Assim o Espírito Santo viu-se obrigado a pedir moratória aos credores estrangeiros em 1902.


Para enfrentas a crise, Moniz Freire determinou cortes em gastos públicos. Nasce a possibilidade da exploração de areia monazítica no litoral capixaba, surgindo então um problema jurídico relacionado com o estabelecido na constituinte brasileira de 1891, quando à posse de terras devolutas pelo estado e pela União.


Mais tarde seria realizado um acordo com o americano John Gordon, para a exploração e exportação dessas areias. Mas Moniz Freire queixar-se do governo federal: “a execução desse contrato tem sido dificultado por atritos entre a União e o estado, devido a falta de delimitação da área de marinhas na zona onde a exploração teve começo.”


Preocupado com a crise do café Moniz Freire tomou a iniciativa de procurar o presidente do estado de São Paulo, a fim de, juntos, mandarem uma carta aos governadores de Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, convidando-os a uma ação conjunta entre os cinco estados principais produtores de café, para um trabalho de propaganda dirigido à Europa, com intuito de conquistar novos mercados de consumo. Entre as propostas, estavam a de distribuição de café nas fábricas européias, liceus, exércitos e marinha, bem como a organização de estatísticas que permitisse um plano bem elaborado, juntamente com o estabelecimento de relações diretas entre o nosso comércio e os mercados consumidores. Nada, todavia, foi levado a diante, o que motivou Moniz Freire, a mais queixas que novamente sinalizam o Espírito Santo como um estado sem autonomia.


Moniz Freire aponta para o estado como “o menor de todos”, “o menos populoso”, “o mais pobre”, o “desprovido”, “privado”. Demonstrava ainda que não era possível ao Espírito Santo aumentar os impostos, como uma das vias para ajudar na solução da crise como fizeram outros estados. Há portanto uma situação de fragilidade infringida ao Espírito Santo, em que o pessimismo das palavras de Moniz apontam para a falta de autonomia de seu estado. Foi nesse ambiente de dependência que ele terminara seu segundo mandato.


O MOMENTO DA RUPTURA


De 1904 a 1908, o estado foi governado pelo Coronel Henrique da Silva Coutinho. A falta de autonomia era claramente reconhecida por ele: “continua o estado a sofrer o enorme prejuízo do rendimento que lhe é devido pelo imposto sobre as areias monazíticas, e de que a União se assenhoreou.”


A dívida do estado era alta, provocando a situação que se agravava desde 1901 com a falta de pagamento dos encargos, especialmente assumidos na Europa. A fim de solucionar esse problema foi promovida a venda da estrada de ferro Sul do Espírito Santo à Leopoldina Railway, que foi conduzida por Jerônimo Monteiro. O dinheiro foi exclusivamente aplicado no pagamento de dívidas. Simultaneamente, também com a assinatura de Jerônimo Monteiro, o estado vendeu a Estrada de Ferro Caravelas à mesma companhia. Com as duas estradas de ferro nas mãos dos ingleses, jazia por terra o plano de Moniz Freire de desenvolver o estado e a falta de autonomia era progressivamente agravada pela elevada dívida externa e pela falta de apoio do governo central.


Moniz Freire qualificou de “estelionato” a venda das linhas férreas. José Cândido nos diz que, girando em torno da orientação política do momento e/ou da exigência de certo capital internacional, caíram por terra as idéias de Moniz.


Durante o governo do presidente Afonso Pena, onde, nos diz o autor, pela primeira vez a economia brasileira foi vista de forma global, fomentou-se a ligação do Rio a Vitória e pensou-se no prolongamento da via férrea da Bahia até o Espírito Santo, como também a Pernambuco. Para essa realização o seria preciso ter nas mãos a oligarquia capixaba.


Assim é sintomático notar a escolha de João Luiz Alves para senador, e Jerônimo Monteiro para presidência do estado suscitava à interferência da bancada mineira e do próprio presidente Afonso Pena. Então, replica Moniz Freire quanto à escolha desse político mineiro para candidato a senador pelo Espírito Santo: “renunciamos por isso ao direito e à satisfação de pleitear o triunfo de uma candidatura nossa.” Todavia, as obras do porto de Vitória estavam dependendo justamente do apoio que viria de Minas.


JERÔNIMO MONTEIRO NO GOVERNO DO ESTADO


Jerônimo Monteiro assumiu a presidência do estado no dia 23 de maio de 1908, governando até 23 de maio de 1912. Enquanto presidente de um estado “satélite”, formou seu caráter em áreas “planetas” e buscou neles os nomes que o ajudaram a orientar a política capixaba. Como divisa do estado escolheu a frase “trabalha e confia” que aprendeu com os jesuítas do Colégio São Luís, em Itu.


Entre os incentivos que Jerônimo recebeu, destaca-se a verba de cem mil francos anuais consignada, durante quatro anos, pelo governo de Minas Gerais, para auxílio nas obras do porto de Vitória. Clara relação de dependência financeira, enfatiza José Cândido.


TRÊS MANDATOS, DUAS POLÍTICAS E UMA SÓ DEPENDÊNCIA: MONIZ FREIRE E JERÔNIMO MONTEIRO


Neste capítulo o autor pretende comparar Moniz Freire e Jerônimo Monteiro a fim de se entender o jogo político que, para tanto, é necessário ter em mente duas realidades interligadas: a) a composição da estrutura social capixaba; b) as composição partidária capixaba. Quanto a primeira é necessário entender em âmbito regionais suas particularidades:1) a região sul, centralizada em Cachoeiro de Itapemirim, onde as classes sociais dominantes eram os fazendeiros e latifundiários, produtores de café e açúcar. 2) a região central, girava em torno de Vitória, onde as classes mercantis-exportadoras exerciam grade representatividade, também tinha grande influência dos fazendeiros e latifundiários. 3) a região norte, as classes agro-fundiárias produtoras de farinha de mandioca e café tinham fundamental participação.


No que diz respeito à composição partidária, Marta Zorzal e Silva divide a história dos partidos republicanos no Espírito Santo em três etapas:


1) A situação em 1891

O Partido União Republicana Espírito Santense, representava o interesse agro-fundiário; o Partido Republicano Construto, representava sobretudo os interesses mercantis-exportadores.


2) A situação entre 1892 e 1907

O Partido Republicano Federal reunia antigos membros do partido União Republicana Espírito Santense; Partido da Lavoura foi fundado por Jerônimo Monteiro, membro do Partido Republicano Construto.


3) A situação entre 1908 e 1912

Após uma dissidência ocorrida no seio do Partido Republicano Construtor surge, assim, o Partido Republicano Espírito-santense (PRES). Que acabou sendo incorporado ao Partido Republicano Construto em 1911.


O período estudado, nos diz José Cândido, foi marcado especialmente por dois partidos políticos: o Partido Republicano Construto, no qual fazia parte Moniz Freire, representava os interesses dos agro-fundiários da região sul, centro e norte do estado e; o Partido Republicano Espírito-santense, no qual fazia parte Jerônimo Monteiro, representava os interesses mercantis-exportador, embora também tivesse em seu quadro alguns poucos representantes do interesse agro-fundiário. O partido dirigido por Moniz Freire pleiteava o progresso centrado no comércio; enquanto Jerônimo Monteiro levantava a bandeira da lavoura.


DUAS FORÇAS ORIENTAM A POLÍTICA CAPIXABA


Dentre os temas mais abordados pelas duas frentes políticas destacaram-se os que estão relacionados com a construção da estrada de ferro, obras pública e imigração. Moniz Freire foi dos que mais se preocuparam com estradas – tando de ferro, quanto de rodagem – e imigração. O tema agricultura passa a ocupar grande destaque a partir de seu segundo mandato.

Por parte de Jerônimo Monteiro houve grande preocupação com as questões referente a educação, indústrias e obras públicas. Tais diferenças de interesses indicam, portanto diversidade política, melhor, seriam antagônicos.


As propostas de Moniz Freire voltavam-se para tornar Vitória o grande centro comercial do estado. Daí a principal ação de seu primeiro mandato foi o de construir uma estrada de ferro que ligasse o sul do estado à Vitória. Povoar vitória seria fundamental para torná-la um importante centro comercial. Imbuído desse idéia, Moniz, dedicou-se a elaborar um plano de ocupação e urbanização de Vitória que ficou conhecido como Novo Arrabalde. Portanto, denota-se que nas administrações de Moniz Freire os recursos do estado eram dirigidos para a promoção de um grande centro comercial, Vitória, ao invés de atender diretamente às necessidades da produção cafeeira.


Com a ascensão de Jerônimo Monteiro, mantiveram-se as diferenças com relação aos planos de Moniz Freire. O Novo Arrabalde e o crescimento passaram a ser direcionados para a ocupação e urbanização dos espaços centrais da ilha de Vitória. Foi o primeiro governante do estado a trazer para o debate público a voz dos fazendeiros. Para cumprir suas metas, Jerônimo Monteiro utilizou os recursos da venda da ferrovia Sul do Espírito Santo e da Estrada de Ferro Caravelas.


Desenvolvendo uma orientação política conforme os interesses do capital mercantil-exportador ou dos fazendeiros do sul do estado, de um modo ou de outro os presidentes capixabas não conseguiram, porém, colocar o Espírito Santo na mesma categoria dos outros membros da federação. Sua condição de “satélite”, nos diz José Cândido, permaneceu inalterável.


MONIZISMO, JEONIMISMO E FEDERAÇÃO


Compreende-se que, em 1821, apesar de a política do café com leite estar em plena vigência, também Moniz Freire destacava-se por ir contra a onda centralizadora. Lamentava-se da organização política brasileira, na “[...] qual os estados de maior poder exercem hegemonia sobre outros”. Por sua vez Jerônimo Monteiro, tomou posição que indicava certa independência pessoal com relação ao esquema político dos governadores.


O federalismo de Moniz Freire e o de Jerônimo Monteiro eram diferentes daquele posto em prática pela Política dos Governadores. De qualquer forma, entre 1892 e 1912, permaneceu-se inalterável a falta de autonomia do Espírito Santo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A presente pesquisa evidenciou que durante a primeira republica o federalismo brasileiro foi em sua origem descentralizador, mas tornou-se depois profundamente centralizador. A política dos governadores reforçava o poder das oligarquias estaduais, numa contradição apenas aparente, já que as elites regionais achavam-se ligadas ou até subordinadas ao poder central.


Moniz Freire e Jerônimo Monteiro podem, assim, ser considerados frutos das possibilidades conjunturais do período em que viveram e quando olhamos para o século XXI, nos propõe o autor, também se verifica a heteronomia e a exclusão aqui focalizada está ainda presentes. Por exemplo: nos primeiros meses de 2004, o Espírito Santo ocupa o 25º lugar no ranking dos que mais receberam investimentos do governo federal; neste mesmo ano o Espírito Santo esteve entre os cinco estados que menos receberam verbas do Governo Federal nos últimos três anos.


Não são poucas às vezes em que os jornais capixabas fornecem notícias que, de uma maneira ou de outra, sugerem a existência do mesmo jogo que conduz ao processo de dependência, esquecimento e falta de autonomia que formam analisados por José Cândido, a autonomia do estado acha-se ausente pelo menos a quase um século.


Buscar praticidade numa pesquisa desse gênero não significa se posicionar favoravelmente a idéia de história como uma coleção de exemplos e mestre de vida. Oferecendo ao futuro, exemplos a evitar ou a imitar. A disciplina histórica não visa ressuscitar o passado, nem a cultuar tal personagem ou acontecimento. Seu objetivo é tornar compreensivo as relações que unem, ou dividem os seres humanos os grupos sociais, os governantes e os governados sem deixar de analisar as complexidades e as dificuldades de tal relacionamento colaborando desse modo para que cada geração receba a herança do passado e altere em função das necessidades do presente.


Bibliografia:


SUETH, José Cândido Rifan. Espírito Santo, um estado “satélite” na Primeira República: de Muniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912). Vitória: flor e cultura, 2006.