sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eleições: o novo reality show da televisão brasileira

Por Douglas Barraqui

Eu estava ficando orgulhoso da democracia brasileira, até esse segundo turno das eleições 2010. O nível dos discursos dos nossos candidatos à presidência chegou a tal ponto, de baixarias, insultos e infâmias que o IBOP está sendo comparado a dias de decisão em um desses reality show da televisão.

O que é isso caro eleitor? É fato que tanto Dilma quanto Serra estão preparados para governar o Brasil. O povo brasileiro tem essa percepção e o reflexo é visto nas pesquisas que apontam para um empate entre os dois candidatos. Mas, por que o nível e a animosidade, entre os dois peso pesados da política nacional, baixou tanto?

O PT, desde 2003, mama em uma teta bem gorda e não quer largar. O PSDB mamou, de 1995 a 2003, é quer sentir o gosto novamente. E a disputa pelo poder deixa o campo da democracia, um dos projetos mais ousados da história da humanidade, para partir para a “baixocracia”. Vence quem for mais baixo, arrogante, medíocre e hipócrita.

Nos debates do segundo turno eu esperava, e acredito que o povo brasileiro também, que os candidatos adotassem uma postura mais centrada em suas propostas. Mas, essa possibilidade foi descartada logo no primeiro debate eleitoral. O troca-troca de acusações foi constante e o povo brasileiro não sabe mais quem é o lobo e quem é o cordeiro.

Não estou aqui para dizer a você, meu caro leitor, que esse candidato é melhor que o outro para votar nesse e não naquele. Quero apenas que você tenha bom senso. Não se constroem países com insultos, ou ataques. Mas, sim com propostas, com projetos e principalmente com democracia.

sábado, 9 de outubro de 2010

Judeus: Demonizados e Excluídos no Medievo


Judeus rezando no Yom Kipur, de Maurycy Gottlieb


Associar judeus ao Diabo e marginalizá-lo foi uma rotina dentro do discurso cristão, inserido na realidade medieval. As condições precárias de Israel em termos de escassez de recursos naturais e a perseguição do período romano, culminram na diáspora (dispersão) judaica ou Galut. Dispersos pela Europa e depois pela América, se configuravam como um povo sem pátria, uma etnia sem nação.

Na Europa, durante o período medieval, em uma sociedade definida segundo a ótica da Igreja Católica, estamental, dividida em ordens: os que rezam, os que lutam e os que trabalham (oratores, bellatores e laboratores), os judeus não podiam ser senhores, não podiam pertencer ao clero, não podiam ser servos, nem juram vassalagem. Resumindo eram excluídos da sociedade medieval.

Excluídos no campo, a maioria dos judeus foram para as cidades passando a se dedicar ao comércio e ao artesanato. Comercializar passa a ser uma profissão tipicamente judaica. A partir do século XI a nascente burguesia cristã entrará em choque com os judeus. As Corporações de Oficio conspiraram para obter a expulsão dos judeus do comércio e do artesanato. Foi um processo paulatino fruto da ambição da burguesia cristã em dominar o comércio.

Expulsos do comércio, só restou-lhes a opção de se dedicarem à usura (empréstimo de dinheiro a juros), prática condenada veementemente pela Igreja. Contraditoriamente, embora taxados como pecadores contra Deus, os judeus eram necessários e fundamentais para a expansão econômica comercial dos negócios nas cidades, mesmo assim foram expulsos de vários países.

De fato, até antes mesmo de ser concorrente econômico do burguês cristão, o judeu já era assistido como deicida, pária, inferior e nocivo. As heresias e a questão judaica eram confundidas como facetas de uma mesma luta  dualista, entre o bem e o mal, entre Deus e o Diabo. Associar o judeu com heresia e/ou com o Demônio passa a ser algo comum.

Diversos mitos auxiliavam o discurso de demonização, a exemplo o rito do crime ritual: seria o assassinato de um cristão para obter o sangue, que seria utilizado na produção de pães ázimos para a páscoa judaica (pessach). Outro mito é o de envenenamento de poços, fruto da união entre judeus e leprosos. A bruxaria e o satanismo foram igualmente associados a eles. O Shabat (sábado judaico, dia de descanço) era confundido com o Sabá das bruxas. A própria prática do empréstimo de dinheiro a juros seria plano arquitetado pelo diabo com os judeus para por fim a sociedade cristã.

O discurso demonizador ganha terreno. A Igreja acelera as campanhas de conversão e de combate ao Diabo. Franciscanos e Dominicanos se dedicam à missão de converter os judeus e de combater os hereges e as bruxas. O Talmud, registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e a história do judaísmo, foi queimado aos montes na frente da Catedral de Notre Dame. Acusavam o livro de serem repletos de blasfêmias contra Jesus. Da queima de livros passaram a queimar seres humanos sob a alegação de heresia judaizante (inquisição ibérica, séculos XIV e XV).

Século XIX, e a aversão ao judeu reaparece sob a forma de racismo. O nazismo cooptou esse discurso, uma pseudociência do século XIX, que serviu de justificativa para a idéia anti-semita defendida por Hitler.

A queima de exemplares de Talmud é repetida, agora no século XX, quando Hitler mandou que queimassem todos os livros de autores judeus. E a queima de seres humanos se repete com as câmaras de gás e os campos de concentração, o genocídio dos judeus na Alemanha.

A crença de que os judeus são sempre hábeis comerciantes, usurentos, sovinas, e poucos generosos tem origem, portanto, no medievo em meio ao discurso cristão de demonização dos judeus. Uma imagem parcial e distorcida de uma etnia culturalmente rica.  

Bibliografias consultadas:

BEREZIN, Rifka. Caminhos do Povo Judeu. São Paulo: FIESP, V. III, 1974.

FELDMAN, Sergio Alberto. Os judeus no imaginário medieval: Diabolização de uma minoria. In: Tuiuti, Ciência e Cultura, n.º 11, 1999.

MARCCOBY, Hiam. O Judaísmo em julgamento. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O Pensamento Pedagógico em Roma

Por Douglas Barraqui

Considero a educação uma das práticas mais humanas, levando em consideração o seu significado e influência no caráter existencialista do homem. Assim sendo com base em dois autores bem didáticos, Maria Lúcia Aranha e Moacir Gadotti, tracei um esboço de como a educação era pensada em Roma e qual era o ideal de homem romano. Para tanto, preocupei-me em delimitar algum paralelo com o pensamento pedagógico dos gregos, que de certo modo e até certo grau, influenciou a educação romana.

Os romanos, bem como os gregos, não valorizavam o trabalho manual, seus estudos eram essencialmente humanistas. O que viria a ser humanistas? Roma desenvolveu a concepção de império formado de vários povos, sem discriminar os vencidos e ainda lhe dando o direito a cidadania romana, em troca do pagamento de impostos. Humanitas: é pensar uma cultura universalizada. Equivale à Paidéia grega, distingue-se dela por se tratar de uma cultura predominantemente humanística e, sobretudo cosmopolita e universal, buscando aquilo que caracteriza o homem, em todos os tempos e lugares. É uma concepção que não se restringe ao ideal de homem sábio, mas se estende à formação do homem virtuoso, como ser moral, político e literário. A humanistas, dada na escola romana, seguia as seguintes fases:

  • Ditado de um fragmento do texto, a título de exercício ortográfico;
  • Memorização do fragmento;
  • Tradução do verso em prosa e vice-verça;
  • Expressão de uma mesma idéia em diversas construções;
  • Análise das palavras nas frases;
  • Composição literária;
Assim era instruída a elite romana. Enquanto os gregos e sua pedagogia enfatizavam a visão filosófica ou o predomínio da retórica, Roma, por sua vez, adotava uma postura mais gramática, voltada para o cotidiano, para a ação política. É o domínio da retórica sobre a filosofia. A agricultura, a guerra, a política constituía o programa que um romano nobre deveria realizar. Os escravos aprendiam as artes e os ofícios nas casas onde serviam.

No apogeu do Império Romano, ou seja, no auge de suas conquistas, os enormes tentáculos do império necessitavam de escolas que viessem a preparar os futuros administradores. Quando os romanos impuseram o latim a numerosas províncias, o sistema educacional romano dividia-se em três graus:

1)     Ludi-magister: educação elementar;
2)     Gramático: que corresponde ao que hoje chamamos de ensino secundário;
3)     A educação superior romana seria a retórica, o ensino do direito e da filosofia;

Pela primeira vez na história, e isso quem vai nos dizer é Moacir Gadotti na obra História da Idéias Pedagógicas, um Estado se ocupa diretamente com a educação. Para vigiar as escolas, foram treinados os supervisores-professores, cujo regimento tinha caráter militar. Direitos e deveres, eis o que ensinavam os romanos:

  • Direito do pai sobre o filho (pater potestas). No lar o pai inflingia sobre os filhos, e nas escolas os castigos podiam ser severos, incluindo açoites;
  • Direito do marido sobre a esposa (manus);
  • Direito do senhor sobre os escravos (patestas dominica);
  • Direito do homem livre sobre um outro que a lei lhe dava por contrato ou por condenação judiciária (manus capare);
  • Direito sobre a propriedade (dominiun).

Assim a educação romana, podemos constatar, era utilitária e militarista, organizada pela disciplina e justiça. Todos as cidades e regiões conquistadas, apesar de se serem consideradas aliadas de Roma, eram submetidas aos mesmos hábitos e costumes, à mesma administração. Dessa forma os romanos conseguiram atingir um fenômeno, que é chamando por muitos autores, de “romanização”, obra que foi terminada pelo cristianismo.

Roma teve vários teóricos da educação dentre os quais podemos destacar: Catão, “o antigo” (234-149 a.C.): preconizava a formação do caráter, defendendo o retorno às raízes romanas, a tradição contra a influência helênica.

Marco Terêncio Varrão (116 - 27 a.C.): partidário de uma cultura romano-helênica, com base na “virtus”romana: pietas, honestitas, austeritas. Escreveu uma enciclopédia didática, onde discutia o ensino da gramática. Compôs sátiras, que viriam a orientar os jovens na “virtu”, com máximas edificantes.

Marco Túlio Cícero (106 - 43 a.C.): ampliou o vocabulário latino, apoiado na experiência com o mundo grego e na erudição. Valorizou a fundamentação filosófica do discurso, tornando-se um dos mais claros representantes da humanitas romana. Compreendia que a educação integral do orador requer: cultura geral, formação jurídica, aprendizagem da argumentação filosófica, bem como o desenvolvimento de habilidades literárias e até teatrais, igualmente importante para o exercício da persuasão. Cícero será inclusive um dos principais modelos dos pedagogos para os renascentistas.

Sêneca (por volta de 4 a.C. – 65): insiste na educação para a vida e para a individualidade. Concebe a filosofia como um instrumento capaz de orientar o homem para o bem viver. A filosofia teria a função de ensinar a verdadeira vida humana, que não se confunde com o gozo dos prazeres, voltada que está para o domínio das paixões, já que a felicidade consiste na tranquilidade da alma. Enfatizado a educação moral, dando menos importância à retórica, Sêneca parte da premissa que a educação deveria ser prática e vivificada pelo exemplo.
 


Plutarco (por volta de 46 – depois de 119): dava ênfase em uma educação que procurasse mostrar a biografia dos grandes homens, para que assim servissem de exemplos vivos de virtude e de caráter. Reconhece a importância da música e da beleza na educação.

Marco Fábio Quintiliano (por volta de 35 – depois de 96): Foi um dos mais respeitado pedagogo romano. Defendia que o estudo devia dar-se num espaço de alegria (schola), onde o ensino da leitura e da escrita devia ser oferecido pelo mestre do brinquedo (ludi-magister). Marco Fábio Peconizava: 

  • Distancia-se da filosofia, preferindo os aspectos técnicos da educação, sobretudo da formação do orador.
  • Valoriza a psicologia como instrumento para conhecer a individualidade do aluno.
  • Sugere, para iniciação às letras, o ensino simultâneo da leitura e da escrita, criticando as formas vigentes por dificultar a aprendizagem.
  • Recomenda alternar trabalho e recreação para que a atividade escolar seja menos árdua e mais proveitosa.
  • Considera importante que a criança aprenda em grupo, por favorecer a competição, de natureza altamente saudável e estimulante.
  • Recomenda a prática dos exercícios físicos, realizada sem exageros.
  • Valoriza a busca da clareza, a correção, a elegância e os clássicos como Homero e Virgílio no estudo de gramática, reconhecendo os aspectos estético, espiritual e ético.
"Trazido o menino para o perito na arte de ensinar, este logo perceberá a sua inteligência e o seu carácter."
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

ARANHA, Maria Lúcia. História da Educação. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1996.

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 3. ed. - São Paulo: Ática, 1995. 319p.