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domingo, 22 de maio de 2011

O nazismo: a banalidade do mal


Por Douglas Barraqui
Regimes totalitários o Socialismo, soviético, e o Nazismo, na Alemanha, surgiram como grandes promessas de um mundo melhor – o socialismo com a promessa de fim da sociedade burguesa e o Nazismo com a promessa de um homem novo, superior e perfeito, a “raça ariana” – , todavia acabaram como marcos das grandes tragédias do mundo contemporâneo.
Meu objetivo aqui é olhar para o Nazismo e tentar explicar como a máquina que trucidou a vida de milhões de pessoas trabalhava. É possível acreditar em uma ideologia que tritura as vidas dos próprios semelhantes? É possível retirar da catástrofe algo de bom? Não seria melhor, como que com uma borracha, apagar e esquecer um passado tão dantesco?
OS JUDEUS
No século XIX os judeus gozavam de uma liberdade especial. Emancipação que significava igualdade e ao mesmo tempo privilégios. Era de interesse do Estado moderno conceder aos judeus certos privilégios em troca de tratá-los como um grupo especial.
Associar judeus ao Diabo e marginalizá-lo foi uma rotina dentro do discurso cristão, inserido na realidade medieval. Não podiam ser senhores, não podiam pertencer ao clero, não podiam ser servos, nem jurar vassalagem. Resumindo eram excluídos da sociedade medieval. Excluídos no campo, a maioria dos judeus foram para as cidades passando a se dedicar ao comércio e ao artesanato. Comercializar passa a ser uma profissão tipicamente judaica. Enriqueceram-se de certo.
No século XIX os judeus, em troca de seus privilégios como grupo a parte, atuaram como financiadores do Estado moderno Europeu. Não formavam uma classe e nem pertenciam a qualquer classe nos países onde viviam. E ao mesmo tempo evitavam serem assimilados a fim de guardarem a sua identidade cultural e religiosa. Uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo era também de interesse do Estado conservar os judeus como um grupo a parte evitando assim que fossem assimilados pela sociedade de classe.
Esse caráter privilegiado, somado a sua intensa relação com o Estado, somada a sua preferência em se manterem em um círculo fechado familiar foi que fomentou-se o mito de que os judeus controlavam o Estado, logo seus privilégios se explicam. E como grupos restritos e fechados, passaram a ser suspeitos de maquinarem. O banqueiro judeu, em uma sociedade marcada pela profunda contradição do sistema capitalista e a divisão da sociedade em classes, parecia estar explorando não só a mão-de-obra e a capacidade produtiva, mas também a infelicidade e a miséria do proletariado. Era a interpretação da aristocracia.
Os judeus eram vulneráveis e tinham uma ilusão muito grande quanto a sua segurança devido a sua forte relação com o Estado.
HITLER
Como que um homem que fora, em sua juventude, um vagabundo derrotado em Viena, soldado desconhecido da Primeira Guerra Mundial, líder um tanto quanto cômico de um golpe fracassado – Putsh da Cervejaria – , que desprezava os seus professores, queria ser pintor mas fracassara por vezes no exame de admissão da Academia de Belas Artes, repudiava o trabalho regular, evitando assim seguir os paços do pai no funcionalismo público, que não era se quer alemão, era um austríaco, aos 44 anos de idade fazia o juramento como chanceler do Reich alemão e movia as engrenagens que ceifaria milhões de vidas humanas?
Hitler não veio de uma família de história política, mas seu caminho foi marcado por um fanatismo político desenfreado. Era Hitler uma pessoa politizada ou um alienado de marca maior? O homem que fundou o Terceiro Reich, que governou implacavelmente e não raro com uma astúcia incomum como grande orador, conduziu um país e seus habitantes a tão estonteante altura e ao mesmo tempo a um fim tão triste.
Era, indubitavelmente, um gênio, embora que voltado para o mal. Seu fanatismo político na promessa de um futuro melhor, principalmente quanto a sua convicção da pureza de raça, fazia de Hitler um alienado.
O PODER PELA INSTITUCIONALIDADE
Hitler não deu um golpe e tomou a Alemanha de assalto. Chegou ao poder naquele país pelo viés da institucionalidade. A partir da frustrada tentativa de golpe, o Putsh da Cervejaria, Hitler passou a ter a concepção de que a tomada do poder, a revolução propriamente dita, só poderia ser possível pelo viés institucional.
A grande crise do sistema capitalista de 1929 teve um impacto muito forte sobre a Alemanha e Hitler soube muito bem manobrar a crise de modo colocar o povo a seu lado e o nazismo no poder. Hitler demonstrara seu dão como estratego: em 1923 o nazismo não tinha condições e apoio necessário para se chegar ao poder, contudo ao longo do tempo Hitler em suas manobras políticas conseguiu o apoio dos industriais e do exército; em 1929, a conjuntura da crise foi usada para mostrar ao povo alemão que estava sendo seguindo um modelo arruinado e decadente. Assim ao longo do tempo Hitler foi preparando o caminho para o poder pela institucionalidade. Primeiro se alcançaria o poder depois se fazia à revolução.
Uma vez no poder o passo seguinte seria consolidá-lo por um processo de nazificação. E o incêndio do Reichstag – espécie de parlamento – , serviu como um catalisador para a consolidação do poder, embora sua origem seja dúbia, o acontecimento desencadeou uma série de ações que iriam ajudar o nazismo a consolidar o poder:
  • Suspensão das liberdades individuais e civis;
  • Pretensa ameaça de uma revolução comunista;
  • Aprovação do ato que dá a Hitler poderes excepcionais por 4 anos;
  • Fim da federação.

A pesar da intensa propaganda nazista a respeito do risco eminente da tomada do poder pelos comunistas, não havia sinais de uma revolução comunista em ação naquele país. O incêndio do Reichstag demonstra que, embora a modo de se chegar ao poder tenha sido pela via institucional, após a conquista do poder, houve modificações, por vários artifícios com a finalidade de consolidar o poder. A revolução para Hitler passa por uma idéia de evolução. A revolução só se consumaria dentro de uma perspectiva de uma elite racial, é a questão da superioridade de raça ariana.

A VIDA NO TERCEIRO REICH
O povo alemão parecia não perceber ou se importar com a perda de sua liberdade pessoal, de sua cultura ter sido em grande parte destruída e substituída por uma barbárie, ou de sua vida e seu trabalho terem sido regulamentados a um ponto jamais experimentado. O povo alemão parecia não sentir a ditadura e pelo contrário, apoiavam o Reich na esperança de um futuro promissor.
O nazismo mostrou que não visava simples e puramente o controle das instituições, mas também objetivava controlar a vida das pessoas. Era a perda das liberdades individuais por um bem maior.
Os judeus além de expulsos foram transformados em animais: expulsos dos empregos públicos; foram afastados das práticas comerciais e industriais. Encontravam dificuldade e até mesmo impossibilidade de comprar alimentos e medicamentos. Tiveram seus direitos de ir e vir suspensos em estabelecimentos e em algumas cidades.
A nazificação da cultura teve seu maior exemplo quando livros foram queimados no dia 10 de maio de 1933, acusados de serem contrários ao Reich. Foram ainda proibida a venda e a circulação de diversas obras. Foram criadas câmaras com a finalidade de controlar a vida cultural; a arte, a literatura, o rádio, o cinema, e a imprensa deveriam ser controlados e deslocados para realizar propaganda nazista. A cultura alemã entrou em decadência.
A educação no Terceiro Reich, como Hitler pretendia que fosse, não devia ser restringida às salas de aulas abafadas e sim realizadas à maneira espartana: grupos juvenis treinados política e militarmente. Uma educação que não visava transmitir pura e simplesmente o conhecimento. Os jovens foram organizados e postos sob dura disciplina das organizações da juventude do Reich alemão.
As Igrejas Cristãs também foram alvo dos nazistas. Membros e dirigentes católicos foram presos bem como pastores de igrejas protestantes. A perseguição aos protestantes e aos católicos não dividiu o povo alemão. Um povo que havia facilmente perdido a liberdade cultural, política e econômica não iria arriscar sua vida pela liberdade religiosa. O nazismo tencionava substituir as igrejas cristã pelo antigo paganismo dos deuses tribais da Alemanha primitiva e pelo novo paganismo dos extremistas nazistas. Seria criada a Igreja Nacional do Reich. Que não significava apenas um controle da instituição, mas uma invasão às crenças das pessoas. Dentre os seus pontos mais importantes estavam: 1. A Igreja Nacional do Reich da Alemanha afirma categoricamente o direito e o poder exclusivos de controlar todas as igrejas na jurisdição do Reich: declara serem elas as igrejas nacionais do Reich alemão; 5. A Igreja Nacional se dispõe a exterminar irrevogavelmente (…) as crenças cristãs estranhas e estrangeiras trazidas para a Alemanha no malfadado ano de 800; 7. A Igreja Nacional não tem escribas, pastores, capelães ou padres, mas oradores do Reich para falar em seu nome; 8. O ariano Jesus, teria lutado corajosamente para destruir o Judaísmo e teria caído vítima na luta, assim os alemães agora estariam exortados a chegar a serem vencedores na própria luta de Jesus contra os judeus; 14. A Igreja Nacional declara que para ela, e consequentemente, para toda a nação alemã, ficou decidido que Minha Luta, do Führer, é o maior de todos os documentos. Ele (…) não somente contém a maior, mas incorpora a mais pura e verdadeira moral para a vida atual e futura de nossa nação; 18. A Igreja Nacional retirará de seus altares todos os crucifixos, bíblias e santos. Sobre os altares não deve haver nada além de Minha luta (para a nação germânica e, portanto, para Deus o livro mais sagrado) e à esquerda do altar uma espada; 30. No dia de sua fundação a cruz cristã deve ser removida de todas as igrejas, catedrais e capelas e deve ser substituída pelo único símbolo inconquistável – a suástica.
Em meio às condições desesperadoras dos agricultores alemães Hitler tratou de conquistar o apoio deles. A promulgação da lei da fazenda hereditária significou aos camponeses um retrocesso à época feudal. Quanto à recuperação econômica alemã o primeiro passo era fazer o desempregado trabalhar pela expansão das obras públicas. Mas a base real da recuperação econômica da Alemanha fora a indústria bélica. Houve ainda um controle rígido sobre o trabalho e sobre o lazer dos trabalhadores.
O JUDEU E SEU ALGOZ: COMO O MAL PODE SER TÃO BANAL
Primo Levi foi um desses poucos que conseguiram sobreviver à máquina nazista de matar. Em seu livro, “É isto um homem?”, Primo Levi dá muito mais que um depoimento de um sobrevivente dos campos de concentração nazista ele nos trás a tona uma questão muito mais complexa em seu todo: a banalidade do mal. Como que seres humanos, iguais em sua mesma espécie, foram capazes de cometer tal atrocidade? Uma experiência histórica tão cruel nos ajuda em que? As atrocidades foram tais que valeria a pena testemunhar e relembrar o horror de um campo de concentração? Não seria melhor esquecer?
Primo Levi argumenta que o projeto dos campos de concentração tinham por objetivo transformar homens em animais. Desumanizar, acabar com a existência humana.
Há em um todo do livro a preocupação do autor em compreender o ser humano, tanto do seu lado, como judeu, quanto do lado de seu algoz, o nazismo. Os que sobreviveram aos campos de concentração, nos diz o autor, foram aqueles que de alguma forma renunciaram os valores humanos e deixaram a moral ser corrompida. Que existiram bons e maus judeus, os que sobreviveram foram os maus; pois não existe como sobreviver a um campo de concentração sem renunciar a moral e os valores que nos insere na qualidade de seres humanos. Há no autor um sofrimento e uma vergonha por ter sobrevivido. Segundo o mesmo a verdadeira memória dos campos de concentração seria daqueles que morreram.
Hannah Arendt, em um dos clássicos da literatura sobre o nazismo também nos dá importante contribuição para compreender o lado dos nazistas. A autora faz uma análise do julgamento de Eichmann, homem responsável pela deportação dos judeus para os campos de concentração. O julgamento se dá no recém criado Estado de Israel, em 1961, e há toda uma crítica da autora sobre como o julgamento foi conduzido e as suas finalidades políticas.
Para o recém criado Estado de Israel o julgamento era a oportunidade de não somente colocar nos bancos réus um alemão nazista acusado de cometer crimes contra a humanidade, mas também era a oportunidade de fazer do julgamento um exemplo, uma lição para o mundo; uma tentativa de firmação do Estado de Israel como um Estado de justiça. Seria a oportunidade para os judeus colocarem no banco dos réus o próprio anti-semitismo. Todavia, Eichmann, não se enquadrou como o grande vilão da história, tentaram transformar essa figura trágica em um personagem que personificasse o mal, mas o mesmo não se adequou ao papel.
Qual crime Eichmann cometeu? Ele se declarava inocente, pois estava apenas cumprindo ordens, cumprindo as leis de Hitler a ordem vigente de seu país naquele contexto.
A justiça para tal atrocidade então dependeria da perspectiva moral e do ponto de vista de quem está olhando para aquele passado: para Eichmann, dentro da perspectiva e da moral do Terceiro Reich ele era inocente, estava apenas cumprindo as ordens do regime, as ordens de Hitler e o objetivo era bom, era maior.
O que há, de fato, é uma completa inversão de valores para os nazistas eles estavam fazendo o bem, para os judeus eles estavam cometendo um crime contra a humanidade.
Hannah destaca ainda a participação dos próprios judeus na máquina nazista, a exemplo das deportações. Assim quem e o lobo e quem é o cordeiro? Os judeus, eles mesmos, colaboraram – a exemplo delatando famílias em questões locais, entregando o visinho ou auxiliando mesmo na logística e organização do transporte dos seus iguais –  para o próprio extermínio quer seja pela não reação, quer seja pela participação direta e indireta das engrenagens da máquina. Sem a colaboração das próprias vítimas não teria sido possível a matança de tantas pessoas.
No final o julgamento revela uma tragédia que é a questão da inversão total de valores. Mostra que “qualquer um” ser humano pode chegar à condição de genocida em um contexto de efervescência política ideológica.  Os nazistas provocaram muito mais que o colapso na moral da respeitada sociedade europeia. Os judeus foram muito mais do que corpos empilhados, a exemplo do que vemos em fotos preto e branco. Há muito mais peças na engrenagem que move a história, que move o homem e que deve ser compreendida como um todo sem se lançar a mera contradição do maniqueísmo preto e branco; bem e mal. A história do nazismo nos revela essa contradição dos ditos valores humanos: o bem maior nos parece como o mal maior.
Bibliografia
ARENDT,  Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens  Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 (1ª ed, norte-americana 1963).
ARENDT, Hannah. O sistema totalitário. Tradução de Roberto Raposo. Lisboa: Dom Quixote, 1978 (1ª ed. Norte americana 1951).
LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi Del Re. Tio de Janeiro: rocco, 1988 (1 ed. Italiana 1947).
SHIRER, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich. Vol. 1: Triunfo e consolidação (1933 – 1939). Tradução de Pedro Pomar. Rio de Janeiro: Agir, 2008 (1ª ed. Norte-americana 1960).

sábado, 8 de janeiro de 2011

A “ciência” de Hitler: por um bem maior

Por Douglas Barraqui

INTRODUÇÃO

"A ciência se compõe de erros que, por sua vez, são os passos até a verdade."  (Julio Verne) "

Se formos pensar sobre a ótica da ética, a ciência produzida na Alemanha nazista de Hitler foi um show de monstruosidade que de nada perde para os filmes de terror hollywoodianos, repugnante aos olhos de uns, grotesco a de outros.

Os relatos e registros dos experimentos mostram que causaram dor, humilhação e mortes terríveis às pessoas. Alguns lembram somente dos judeus, mas houveram ainda os ciganos, homossexuais, anões, negros, portadores de necessidades físicas e mentais e tantos outros tidos como raça inferior ou inimigos do regime.

Quem eram os responsáveis por essas ditas “pesquisas”? Alguns os chamam de sádicos, mas eles se declaravam como cientistas e é certo que leigos não eram. Muitos dos “doutores de Hitler” se formaram nas academias mais tradicionais do mundo e, podemos dizer com exatidão, antes de o nazismo chegar ao poder na Alemanha, este país já era uma liderança em inovações científicas.

O fato é que a ciência desumana de Hitler deixou um extenso legado, que recentemente vem sendo trazido à luz por novas pesquisas historiográficas. Quais seriam as heranças de “pesquisas” que ceifaram vidas humanas em nome de uma dita ciência? O que foi e o que houve com a ciência sob a égida do nazismo? São essas algumas das perguntas que pretendo responder nas linhas que se seguem meu caro leitor.
                                                                                                    
Hitler e o entusiasmo pela ciência

"Após a guerra, a elite científica levou o país à liderança nos ramos de balística, química, aviação e construção de foguetes." (Helmut Maier, pesquisador do Instituto Max Planck)

Adolf Hitler foi veterano da Primeira Guerra. Em combate foi ferido por gás que lhe causou cegueira temporária. Conheceu na pele o poder da ciência aplicada no poder bélico. Ao alcançar o poder não mediu esforços e fez da ciência um dos sustentáculos da “nova Alemanha”.

Havia um problema: Hitler era um leigo, admirava a ciência, mas sabia pouco dela: "Hitler não era devidamente instruído em ciência. Ele apenas seguia seu instinto, seu feeling", diz o historiador alemão Joachim Fest, um dos mais importantes biógrafos do líder nazista.

No alto de seu egocentrismo Hitler se considerava um cientista de vanguarda, sendo um entusiasta quanto à teoria da “higiene racial”, uma teoria científica que defendia a eliminação dos genes não arianos do povo alemão. É claro que não podemos nos esquecer que Hitler não era alemão, mas sim austríaco.

"O povo alemão é um só corpo, mas a sua integridade está ameaçada. Para manter a saúde do povo, é preciso curar o corpo infestado de parasitas". Em seu livro intitulado Mein Kampf  (traduzido para o português como Minha Luta), de 1925, Hitler lançou as bases que seriam amplamente utilizada para o progresso da teoria da “higiene racial”. Os tais parasitas que Hitler faz menção eram os judeus. Onde esta a ciência nisso?  Em nenhum lugar. Hitler de fato acusava os judeus de serem os causadores da crise econômica que assolava a Alemanha e os mesmos deveriam se expurgados. A ciência que Hitler pregava era fruto de uma simbiose entre ideologia e ciência. E no limiar da ascensão de um dos maiores nomes da história, já estava difícil diferenciar o que era ciência e o que era ideologia, onde começava uma e terminava a outra.

Cientistas sobre a égida de Hitler

A medicina, um ramo da ciência, em especial aderiu muito bem a doutrina de limpeza dos “parasitas” judeus. Já em 1933, 44,8 % dos médicos alemães eram filiados ao partido nazista era, dizem os pesquisadores, a profissão de maior representatividade entre todas as profissões. Muito além de favoráveis a “higiene racial” os médicos eram também anti-semita. E quando em 1934 a lei de esterilização compulsória dos qualificados na época como doentes físicos e mentais foi promulgada, os médicos não hesitaram em implementá-la imediatamente.  O resultado foi à esterilização de mais de 350 mil pessoas à força entre os anos de 1934 e 1945. Resumindo era a ciência sendo utilizada como instrumento para concretização dos planos ideológicos de Hitler.

Uns podem ser culpados por se silenciarem outros ainda não tiveram dúvidas em aderir ao nazismo e ao ideário de “higiene racial”. As vésperas da Segunda Grande Guerra, em 1939, apenas os cientistas “mais fortes”, assim considerados pelo regime nazista, puderam ficar no país. Dentre eles segue abaixo alguns dos nomes que fizeram da ciência instrumento da máquina ideológica do nazismo e ao mesmo tempo conseguiram deixar um legado fundamental para a ciência de hoje:

Fritz Haber

Abril de 1915, Primeira Grande Guerra, planície de Ypres, na fronteira da Bélgica com a França. Soldados do exército francês se encontravam entrincheirados e estavam prontos a enfrentar um inimigo chamais enfrentado antes, impossível de vencê-lo. Alguns batem em retirada outros permanecem parados e estarrecidos sem saber o que fazer. Era o oponente mais mortal que enfrentavam o gás cloro.

Minutos antes da arma mortal em forma de nuvem esverdeada e amarelada varrer o ar e ceifar vidas a tropa Pionierkommando 36, batalhão formado por cientista vestindo uniformes militares e máscaras de gás abriram 730 cilindros, com cerca de 100 quilos cada de gás cloro. Essa tropa era liderada pelo Prêmio Nobel de Química Fritz Haber.

A nuvem de gás cloro demonstrou um poder devastador sobre as tropas inimigas, corroendo pulmões e causando cegueira. Quando então a nuvem letal se dissipou o saldo era de 10 mil mortos e 5 mil feridos. Nenhum comando alemão tinha conseguido tal sucesso em batalha.

O gás cloro permitiu que a Alemanha prolongasse a Primeira Grande Guerra. Mas a técnica de fixação de amônia a partir do nitrogênio do ar utilizada na criação explosivos por Haber, hoje permite que se produzam alimentos para bilhões de pessoas no desenvolvimento de fertilizantes.

Ironicamente Haber, que era um judeu, acabaria demitido pela Alemanha de Hitler e muitos de seus parentes acabariam mortos pelo mesmo gás que ele desenvolveu.

Max Karl Ernst Ludwig Planck

Max Planck pai da física quântica, foi também presidente da Kaiser Wilhelm Institute hoje Instituto Max Planck, foi até Hitler em 6 de maio de 1933. seu objetivo era evitar a demissão do amigo judeu Fritz Haber, o mesmo que comandara a primeira tropa de gás da história na Primeira Guerra. Bem recebido por Hitler, Planck argumentou que haveriam diversos tipos de judeus, alguns valiosos e outros inúteis para a Alemanha. O Führer lhe respondeu:  "Se a ciência não pode passar sem judeus, teremos de nos haver sem a ciência!"  e Haber acabou demitido, morrendo em 1934 de enfarto. Planck optou por permanecer na Alemanha, mesmo não concordando com a ideologia nazista. Todavia em meio ao clima que se seguiu, em 1937, deixou seu emprego e quando seu filho Erwin, em 1944, foi executado após se envolver em um plano frustrado para assassinato do Führer, já havia se mudado da Alemanha.

Max Planck descobriu a constante fundamental, batizada de Constante de Planck, usada para traçar cálculos da energia do fóton. Foi igualmente responsável pela descoberta da lei de radiação térmica, intitulada de Lei de Planck da Radiação, que lançaria as bases para a Teoria Quântica que surgiria anos depois com a colaboração de Niels Bohr e Albert Einstein.

Albert Einstein

"A conduta dos intelectuais alemães como grupo não foi melhor que a de uma ralé", afirmou Albert Einstein. Prêmio Nobel de Física em 1921, Einstein é responsável pelo desenvolvimento da Teoria da Relatividade. Seu trabalho teórico propiciou a utilização e o desenvolvimento da energia atômica.

Einstein era um judeu optou por sair da Alemanha em março de 1933, um mês antes da expulsão de todos os descendentes dos judeus do funcionalismo público alemão.

Julius Hallervorden

Hallervorden, em 1944, possuiu a maior coleção de cérebros humanos que qualquer outro colecionador excêntrico do planeta.  Hallervorden foi responsável por um projeto médico que diagnosticava a lebensunwertes leben, ou "vida indigna de viver". As pessoas, doentes mentais em sua grande maioria, que recebessem esse diagnóstico estavam condenados à morte por eutanásia.

"Escutem, colegas, já que vocês vão matar toda essa gente, pelo menos arranquem os cérebros deles", disse Hallervorden. E em 1944 ele contava com a coleção de 697 cérebros. Em meio a coleção seu favorito era de uma menina cuja mãe fora envenenada acidentalmente, durante a gravidez, por gás.

Foi graças à sua suntuosa coleção de cérebros que Hallervorden pode desenvolver uma série de estudos do ramo neurológico que favoreceram a medicina atual.

August Hirt

O médico da renomada Universidade de Estrasburgo, August Hirt, dava preferência a cabeças inteiras, corpos inteiros ao invés de somente cérebros. E essas cabeças tinham que ser necessariamente de judeus. Sua encomenda bizarra está devidamente documentada: 115 judeus que foram devidamente executados em junho de 1943 e enviados a Estrasburgo. Dois meses depois chegariam novos carregamentos com cerca de 80 corpos, eles seriam usados para estudos anatômicos para determinação da superioridade do povo ariano.

Os estudos promovidos pelo médico “carniceiro” August Hirt, contribuíram de forma incontestável para os estudos de anatomia humana e favoreceram direta e indiretamente a medicina atual.

Sigmund Rascher

"Sou, sem dúvida, o único que conhece por completo a fisiologia humana, porque faço experiências em homens e não em ratos". Era o que dizia com ar de orgulho Sigmund Rascher, responsável pelo campo de concentração de Dachau. Ali ele se utilizava de cobaias humanas vivas para seus experimentos.

Rascher era bem quisto e protegido por Heinrich Luitpold Himmler, outro entusiasta das pesquisas "científicas" a ponto de fazer dos terríveis experimentos em câmaras de baixa pressão, seu show de horrores particular, para os quais forneceu dezenas de prisioneiros em maio de 1941. Os resultados foram uma verdadeira carnificina: das cerca de 200 cobaias humanas que passaram pelas câmaras de pressão até maio de 1942, 80 morreram durante os testes. Outros ainda tiveram seu cérebro dissecado enquanto ainda estavam vivos para que o médico pudesse observar as bolhas de ar que se formavam nos vasos sanguíneos.

Rascher ainda fez experiências sobre hipotermia e descobriu que aquecendo o pescoço de uma vítima de naufrágio em águas geladas suas chances de sobrevivência aumentam significativamente. Foram graças a esses experimentos que os coletes salva-vidas de hoje em dia são desenhados para aquecer o pescoço.


Joseph Mengele

Joseph Mengele talvez tenha sido o “cientista” mais carniceiro de Hitler: seus experimentos custaram à vida de cerca de 400 mil pessoas em Auschwitz. Mengele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, jogou pessoas em caldeirões de água fervente, amputou membros de prisioneiros, dissecou anões vivos e coletou milhares de órgãos em seu laboratório. Após a Guerra, conseguiu escapar e viveu escondido no Brasil até sua morte, em 1979. Oficialmente, teria comprado sua fuga com anéis de casamento e dentes de ouro que retirava dos cadáveres judeus.



PESQUISAS

Tabagismo / câncer

Berlim, na década de 1940, foi a primeira cidade do mundo a adotar medidas anti-tabagismo, que serviram de base para as adotadas nos dias atuais. Na época os nazistas eram os únicos que detinha conhecimento cientifico necessário para implementá-las.

O fumo era proibido em todas as áreas públicas de Berlim, isso incluía escritórios públicos e privados e salas de espera. Se pego fumando em um dos vagões de trem para não-fumantes a pessoa seria multada.

O fato é que os nazistas foram pioneiros nos estudos estatísticos que comprovaram a relação intrínseca entre o hábito de fumar e o câncer de pulmões, é o que nos mostra Robert Proctor, historiador da ciência e professor da Universidade Stanford, nos EUA, e autor de The Nazi War on Cancer ("A Guerra Nazista contra o Câncer", sem tradução em português).

É até uma ironia pensar que a origem de uma das maiores descobertas médicas do século 20 esteja relacionada a um efeito psicológico da doutrina de higiene racial. A esse efeito Proctor chamou de paranóia homeopática. "Os nazistas tinham pavor de agentes minúsculos que poderiam corromper o corpo alemão. Eram obcecados por ar limpo, comida natural e um estilo de vida saudável." Foi o que direta e indiretamente contribuísse para que os nazistas desenvolvessem pesquisas criteriosas sobre o câncer. "O mesmo fanatismo que nos deu Mengele também nos deu a preciosa pesquisa antitabagista. A verdade é que a política científica nazista foi muito mais complexa que a maioria das pessoas imagina",  nos diz Proctor.

Frio


O médico John Hayward, da Universidade de Victoria, no Canadá, que estuda os efeitos do frio no corpo humano a fim de salvar vidas não viu outra saída a não ser utilizar os dados das pesquisas nazistas. Criticado ele se defende: “Eu não queria ter de usar os dados nazistas. Mas não existem outras opções para a minha pesquisa. Nem nunca existirão num mundo ético".

 Fosfogênio

Outro caso polêmico envolveu a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) na regulamentação da utilização do fosgnio, também chamado fosfogênio, é um gás tóxico e corrosivo de fórmula COCl2. O fosgênio é muito utilizado hoje na fabricação de plásticos e pesticidas e em 1989, os especialistas da (EPA) foram chamados a definir regras para a utilização do fosgênio. Como os únicos estudos conhecidos, detalhados e minuciosos sobre os efeitos do fosgênio em seres humanos haviam sido produzidos em experiências nazistas durante a Segunda Guerra. A EPA então decidiu por utilizar os dados nazistas ao por em risco vidas de americanos.

Química

As pesquisas químicas alemãs eram pioneiras: O país inventou a aspirina e a novocaína (anestesia usada por dentistas) e desenvolveu fertilizantes, corantes e microscópios muito mais baratos e eficientes. Foi um dos setores que mais se envolveram com o nazismo - a ponto de o maior conglomerado farmacêutico do mundo na época instalar uma fábrica dentro do campo de concentração de Auschwitz. Posteriormente esse mesmo conglomerado farmacêutico formariam as empresas Basf, Bayer e Hoechst.

Matemática

Os nazistas associaram o raciocínio matemático abstrato ao judaísmo, o que é um erro, mas assim o substituíram pela chamada “verdade empírica concreta” ou “intuição nórdica”.

Biologia

Os biólogos alemães desenvolveram pesquisas pioneiras no campo da genética, o que faz com que até hoje o campo seja visto com reservas naquele país. De 1933 e 1938, o financiamento para pesquisas aumentou em 10 vezes. Biólogos trabalhavam com relativa tranqüilidade - apenas 14% deles foram perseguidos.

Física

A mecânica quântica e a relatividade talvez tenha sido as idéias mais revolucionárias da física alemã. Todavia, 25% do total de físicos deixaram o país, entre eles 6 vencedores de prêmios Nobel. Semdo, portanto, um dos ramos da ciência mais prejudicada com a ascensão do nazismo.

Anatomia

Para muitos especialistas em anatomia o Atlas Pernkopf, produzido com base na dissecação de corpos de 1377 prisioneiros, é o melhor trabalho ilustrado sobre anatomia humana já realizado na história. Para outros é um livro controverso e póstumo que ao lado de suásticas trás a seguinte frase: "feliz conjunção de ilustradores brilhantes e corpos de criminosos executados"




Ezoteria “ciências” místicas

Nigel Pennick, em “As ciências secretas de Hitler”, mostra que o nazismo foi um fenômeno que exterminou milhões de pessoas com base em uma tentativa mágica de alterar o mundo. Seus atos de guerra e genocídio fazia na verdade parte de um ritual de preparação do mundo para uma raça superior de humanos dotados e esplendidos poderes psíquicos, trata-se de super-homens. Pennick demonstra como os princípios ocultos do conhecimento esotérico serviu de criação para uma das mais violentas doutrinas políticas da história. Demonstra ainda que as raízes do ocultismo nazista está escondida nas tradições esotéricas da chamada “ciência fronteiriça”, teosofia (um corpo de conhecimento que sintetiza Filosofia, Religião e Ciência) e nacionalismo místico.

Segundo o autor a Ahnenerbe, uma organização voltada para a preservação das antigas sociedades ocultas alemãs e o estudo das tradições mágicas, era quem patrocinava os estudos em cosmologia não-ortodoxa, crenças pagãs, habdomancia, geomancia e astronomia. O objetivo final era utilizar esse conhecimento para viabilizar a expansão do Terceiro Reich.

CONCLUSÃO

Há um dilema que envolve ética, humanidade confrontados com a luz da ciência. Michael Kater, uma das maiores autoridades em ciência alemã nazista diz: "Os dados são péssimos. Não havia livros de controle, métodos estatísticos nem repetição de experimentos em condições similares. Eles não têm uso nenhum para a ciência".

Robert Lifton, entrevistou os doutores nazistas, e diz também ter razões para duvidar da validade das experiências. "Os médicos nazistas usavam como assistentes prisioneiros do campo, gente muito mais preocupada com a própria sobrevivência do que com a acuidade das pesquisas", diz. "Mas qualquer dado que sirva para poupar sofrimento humano deve ser usado." Ambos, no entanto, defendem a utilização das pesquisas nazista pela ciência.

Alguns dizem ainda que a utilização e a exposição de tantos atos desumanos cometidos deixa a impressão de que, em pleno século 21, o nazismo arrastou a ciência para o arcabouço da idade das trevas. Essa visão esta sendo recentemente mudadas a luz de novas pesquisas historiográficas . Novos estudos revelam uma realidade muito mais complexa escondia nos porões, nos campos de concentração e nas salas de pesquisas, atrocidades e absurdos científicos do nazismo.

Concordamos então em chamar as pesquisas de Hitler de pseudociência.  Mas, se aquilo não era ciência então que essas pesquisas sejam agora, uma vez o mundo tendo superado as atrocidades nazista, utilizadas pela ciência para um bem muito maior. E para que milhões de vidas não tenham sido ceifadas em vão.

Bibliografias relacionadas e consultadas


CORNWELL, John. Os Cientistas de Hitler. Editora Imago, 2003.

LIFTON, Robert Jay. The Nazi Doctors. Basic Books, EUA, 2000.


MÜLLER-HILL, Benno. Murderous Science. Cold Spring Harbor Lab Press, EUA, 1988.

PENNICK, Nigel. As ciências secretas de Hitler. H & E Vol. 01.  1981

SPITZ, Vivien. Doctors from Hell. Sentient Publications, EUA, 2005.

PROCTOR, Robert N. The Nazi War on Cancer. Princeton University Press, EUA, 2000.

Site do United States Holocaust Memorial Museum (Museu Memorial do Holocausto dos EUA) www.ushmm.org

Super Interessante. Doutores da Agonia. Disponível em: http://super.abril.com.br/superarquivo/2006/conteudo_127934.shtml#top. Acesso em 8 de janeiro de 2011.