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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

PARA FILOSOFAR NUMA TARDE CHUVOSA

Por Leandro Karnal

Eu vou fazer uma suposição totalmente aleatória, sem nenhuma vontade de aplicá-la na prática. Vamos imaginar uma história absurda e totalmente sem base. Vamos imaginar um país, no século XVI, onde haja uma lei exótica. Sua Majestade – chamemos de Rei Henry - o chefe da nação, determina que todas as carruagens tenham um kit de primeiros socorros.

Todos os homens que possuíam carruagens se esforçam para comprar um kit de primeiros socorros, aliás, moda nesta época no século XVI. E, logo após todos terem comprado, Sua Majestade Henry anuncia que não é mais necessário!

É justo e lícito que essas pessoas reflitam pessimamente: será que esse Rei tem interesse na produção de kits de primeiros socorros? Será que esse Rei tem ações ou o irmão dele é o dono da fábrica?

Que coisa mais ridícula obrigar uma nação inteira a comprar o kit para a carruagem, e logo dispensá-la pelo motivo óbvio que eu, e todo mundo, nada sabem fazer com o kit de primeiros socorros, diante de alguém que é atropelado por um cavalo e tivesse fratura exposta. Como eu não tenho nenhum conhecimento médico, provavelmente eu pioraria - não ajudaria. O que eu posso fazer é passar a mão na cabeça da vítima e rezar junto.

Uma ideia absurda e derrubada. Sua Majestade voltou atrás.

Sua Majestade então decide que, em caso de incêndio das carruagens, seria seguro um extintor. Como ainda não há extintores, um balde com água em todas as carruagens. Todas as carruagens devem portar um balde de 10 litros para caso de incêndio. Sua Majestade obriga o país inteiro, toda a frota de carruagens, a comprar este balde. E, assim que todos compram, Sua Majestade diz que o mais correto é que o balde seja de 15 litros, um modelo mais avançado. E toda a nação compra porque é obrigatório.
Terminada a compra, alguns inclusive multados pela posse do balde errado, Sua Majestade anuncia feliz que a posse do balde agora é optativa, não precisa mais.

Eu recomendaria a este povo: guardem o balde porque a qualquer instante - governo é como herpes - sempre volta, sempre volta.

Sua Majestade, já desgastado pelo kit, e pelo balde (o extintor), tem uma ideia mais radical: vamos unificar as tomadas do país! Vamos fazer que todos se adaptem aos mesmos buracos e da mesma forma, com o fio terra inclusive. E o país inteiro torna adaptador de tomada mais raro do que pérolas barrocas.

O país anda atrás de adaptadores, que só são vendidos no mercado negro. E há prazo para as tomadas, e se gasta uma fortuna trocando tomadas.

E, ao final de um esforço nacional que perturba a todos, temos uma surpresa: nenhum aparelho produzido entra naquelas tomadas. Os adaptadores não adaptam e, na verdade, não é uma tomada obrigatória - são duas: uma para maior amperagem e outra para menor amperagem. E mais, não há unificação das tomadas, cada um enfia onde quiser.

O que vocês diriam ao Rei hipotético, Henry: ou você é louco, ou você ganha dinheiro com essa insanidade, ou você está se divertindo às nossa custas. Tudo isso é possível.

Sua Majestade, Henry, apenas perguntou uma coisa: por que é que vocês fizeram isso o tempo todo e de bom grado, reclamaram uns para os outros em redes sociais e não fizeram nada contra isso?

FONTE: http://eldjudio.com.br/static/pdf/2015-ed-62-dezembro.pdf


Leandro Karnal é gaúcho de São Leopoldo-RS, professor da Unicamp na área de História da América e o texto acima foi transcrito e adaptado do programa Café Filosófico.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

CARTA A UM JOVEM TOMANDO DECISÕES

Há algum tempo, recebi uma carta algo aflita de um jovem de 16 anos, que chamarei pela inicial G. Ele dizia ter optado por fazer História e ser professor.A família fazia oposição.Respondi com esta carta Por que divulgo? Porque muita gente tem perguntado a mesma coisa e pode servir a outros.

Caro G. : como eu lhe prometi ontem, sento-me para lhe dar uma resposta mais complexa. Você tem 16 anos e pensa em seguir a carreira de professor e historiador. Tem dúvidas e sua família torce contra esta opção de vida.

Sartre nos diz que escolhemos a resposta ao escolher quem responderá nossa dúvida. Ao perguntar a um historiador /professor se você deve seguir este rumo, é lógico supor que você queira um reforço da sua decisão. Vivo da minha escolha há mais de 32 anos e seria estranho que eu desse outra resposta a não ser um voto de entusiasmo. Mas o mundo é mais complexo...

Vamos começar pelo item “oposições familiares”. Seus pais e parentes próximos o amam e, sendo você novo e dependente deles, tem a preocupação aumentada. Você deve entender esta “oposição” como um gesto de amor e nunca como um combate a sua liberdade. Seus pais o conhecem muito e conhecem uma parte importante do mundo e da sociedade. Eles dizem estas coisas com absoluta convicção de ajudá-lo. 

De fato, como é muito noticiado, a carreira de professor tem percalços e é, de uma maneira geral, pouco atrativa financeiramente. A média da sociedade indicará carreiras com maior valor simbólico agregado, como Direito, Engenharia, Medicina etc. Seus pais refletem este senso geral. 
Há uma coisa importante a ser dita: quando temos 16 anos e ainda não gerenciamos nossa vida material de forma autônoma, desconsideramos o dinheiro como mola das coisas e, na generosidade da juventude, falamos de valores como vocação, desprendimento etc. Quase todas as pessoas aumentam a importância que dão ao dinheiro com o tempo.

Envelhecemos mais materialistas, em geral. Até eu diria que isto é envelhecer para a maioria: medir o mundo a partir de coisas muito concretas. Além dos seus pais, você deve levar em conta que o G. de 50 anos talvez não tenha este desprendimento, mas, naquela altura, uma mudança de rumo será difícil.

Há duas observações contraditórias com tudo o que eu disse. Seus pais o amam e querem o melhor para você. Levará alguns anos para você ter consciência da extensão deste amor. Porém, seus pais expressam a consciência possível do mundo e das escolhas que eles fizeram, dentro de circunstâncias deles, que não são as suas. Mais importante: quando você chegar ao fim da sua vida e tiver de responder se a vida valeu a pena, é provável que eles não estejam mais neste mundo e que gestos de aprovação ou desaprovação, feitos meio século antes, não tenham mais nenhuma relevância. Em outras palavras: a resposta sobre sua vida será sua, sempre sua, e solitariamente sua. Seus pais o amam e você deve ouvi-los; mas seus pais não são você.

O segundo ponto é que, de fato, há dificuldades na carreira que você cogita. Mas ...todas as carreiras apresentam problemas. O popular curso de medicina, que obteria aprovação de quase qualquer pai do mundo, é o que registra o mais alto índice de suicídios e alcoolismo entre os alunos na faculdade, segundo eu soube por pesquisa recente. Aparentemente, o glamour de algumas escolhas está no âmbito das conversas familiares e não na realidade das universidade. Meu pai era advogado e reclamava, sem cessar, dos problemas da profissão. A questão é que não existe carreira perfeita, mas ela deve estar adequada aos seus desejos, ao seu caráter e a sua ambição neste momento. Mas como saber como você será daqui a 20 anos? Não existe resposta. Ninguém sabe o futuro. Talvez até você tenha que fazer mudanças na sua escolha, mas, se for coerente consigo, continuará a busca pelo que é importante.

Se você, aos 16, pensou numa carreira de humanas e com magistério, você pensa fora da curva e deve ser original entre seus colegas de ensino médio. Se você cogitou esta ideia, parabéns, você não segue o pensamento coletivo e isto já indica um traço interessante. Há um preço a pagar por ser mais original, inclusive certa solidão. Mas, meu caro G., você já é assim e será mesmo que faça curso de História, de Educação Física ou de Engenharia Mecatrônica.

Você gosta da ideia de dar aula? Pode fazê-lo em quase todas as formações que tiver. Pode fazer o curso de Direito e ser professor. Você não está limitado a uma escolha. Pode também dar aula de História e fazer este lindo curso, como pode fazer Filosofia ou até Administração: todas estas carreiras podem ter sua contribuição como professor. São estudos desafiadores e interessantes. O estudo da História também é fascinante. Dar aula é uma paixão que me encanta mais a cada ano que passa.

Uma revelação: quando fiz a opção por História, minha mãe profetizou que eu passaria fome. Isto não ocorreu. Minha carreira tem sido prazerosa e materialmente eficaz. Eu decidi que queria mais e , após o curso, fiz pós graduação. Doutorei-me e comecei a dar aula numa universidade pública. Escrevo textos, dou palestras e organizo diversas atividades que me garantem muito prazer pessoal e boa retribuição material. Não sou a regra, mas demonstro que é possível viver muito bem como historiador.

Meu caro G. , o futuro é absolutamente imponderável. Os rumos que seguiremos são fruto de interações muito complexas que ninguém pode prever. O importante é você se conhecer, seguir sua reflexão, constituir uma meta e mantê-la enquanto ela lhe trouxer as respostas que você procurava. O magistério é um mundo difícil, mas possível. Seja sempre honesto com você e diga o que você realmente quer. Siga seu sonho com intensidade e faça um esforço gigantesco para chegar aos pontos que você traçou hoje ou aos que traçará no futuro. Saiba mudar de ideia quando perceber que o rumo mudou e saiba ouvir a todos que te cercam, mas consciente de que as escolhas finais são suas. Como advertia O. Wilde, viver é muito importante, porque a maioria das pessoas apenas existe.

Talvez lhe ajude mais ler meu livro “Conversas com um jovem professor” que faz reflexões sobre esta escolha. Mas, mesmo lendo muito ou ouvindo pessoas como eu, lembre-se sempre de que você tem de tomar uma decisão sua, exclusivamente sua e só você responderá por ela.


Um abraço : Leandro Karnal

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

DEZ MANDAMENTOS DO PROFESSOR

Prof. Leandro Karnal


A sabedoria do mais influente legislador do Ocidente, Moisés, sintetizou uma concepção de mundo em Dez Mandamentos. Como bom educador, o ex-príncipe do Egito sabia que longos códigos são de difícil acesso. Curioso notar que constituições muito breves, como a norte-americana, passam dos dois séculos e constituições prolixas, como todas as brasileiras , caducam em prazos muito curtos.

Inspirados neste exemplo, elaboramos os Dez Mandamentos do Professor. Estes dez mandamentos são fruto de uma experiência particular e não se pretendem eternos ou válidos em qualquer ocasião. Gostaria apenas de fornecer a colegas, como você leitor, uma reflexão particular, que possa ser aprofundada, reinterpretada ou rejeitada de acordo com a sua experiência.

O que me levou a pensar nestes princípios é a mesma angústia que assola qualquer educador: como ser um bom profissional, ensinar, transformar meu aluno e fazer parte desta transformação? Como superar o tédio dos meus alunos, a indisciplina, a irrelevância de algumas coisas que faço e meu próprio cansaço? Como não considerar a sala um fardo e o relógio um inimigo? Como parar de achar que só vivo a partir do fim-de-semana? A partir destes questionamentos, você está permanentemente convidado a adensar ou criticar, fazer seus outros dez ou sintetizar a dois ou três, pois, quem acha que pode melhorar a aula que dá, já começou a viver educação. E quem não acha que pode? Bem, deixa para lá! Ensinar não é a única profissão do mundo…

PRIMEIRO MANDAMENTO: CORTAR O PROGRAMA!

Quase todas as disciplinas foram perdendo aulas ao longo das décadas anteriores. Não obstante, os programas nem sempre acompanharam estes cortes. Pergunte-se: isto é realmente importante? Este conteúdo é essencial? Não seria melhor aprofundar mais tais tópicos e menos outros? Se a justificativa é a pressão do vestibular, ela não pode ocupar 11 anos de Ensino Médio e Fundamental. Se a justificativa é uma regra da escola ou um coordenador obsessivo, lembre-se: o Diário de Classe sempre foi o documento por excelência do estelionato. A coragem da grande tesoura é essencial. Dar tudo equivale a dar nada. Ensinar a pensar não implica esgotar o conhecimento humano.

-SEGUNDO MANDAMENTO: SEMPRE PARTIR DO ALUNO!

Chega de lamentar o aluno que não temos! Chega de lamentar que eles não lêem, a partir de uma nebulosa memória do aluno perfeito que teríamos sido (nebulosa e duvidosa). Este é o meu aluno real. Se, para ele, Paulo Coelho é superior a Machado de Assis e baile Funk é superior a Mozart, eu preciso saber desta realidade para transformá-la. Se ele é analfabeto devo começar a alfabetizá-lo. Se ele está no Ensino Médio e ainda não domina soma de frações de denominadores diferentes devo estar atento: esta é minha realidade. A partir do zero eu posso sonhar com o cinco ou seis. A partir do imaginário da perfeição é difícil produzir algo. A Utopia, desde Platão e Thomas Morus, tem a finalidade de transformar o real, nunca de impossibilitá-lo.

-TERCEIRO MANDAMENTO: PERDER O FETICHE DO TEXTO!

Em todas as áreas, em especial nas humanas, os alunos são instigados quase que exclusivamente ao texto. Num mundo imerso na imagem e dominado por sons e cores, tornamos o texto central na sala de aula. Devemos estar atentos ao uso de imagens, música, sensorialidades variadas. O texto é muito importante, nunca deve ser abandonado. Porém, se o objetivo é fazer pensar, o texto é apenas um instrumento deste objetivo maior. Há pessoas que pensam e nunca leram Camões e há quem saiba Os Lusíadas de cor e não pense. Lembre-se de que há outros instrumentos. A sedução das imagens deve ser uma alavanca a nosso favor, nunca contra. Usar filmes, propagandas, caricaturas, desenhos, mapas: tudo pode servir ao único grande objetivo da escola: ajudar a ler o mundo, não apenas a ler letras.

-QUARTO MANDAMENTO: POSSIBILITAR O CAOS CRIATIVO.

Fomos educados a um ideal de ordem com carteiras emparelhadas e, mesmo no fundo do nosso inconsciente, este ideal persiste. Qual professor já não teve o pesadelo de perder o controle total de uma sala, especialmente na noite mal dormida que antecede o primeiro dia de aula? Devemos estar preparados para o caos criador e para o lúdico. Alunos andando pela sala, trocando fragmentos de textos ou imagens dados pelo professor, discussões, encenações, o professor recitando uma poesia ou mandando realizar um desenho: tudo pode ser canal deste lúdico que detona o caos criativo. Surpreenda seus alunos com uma encenação, com um silêncio, com um grito, com uma máscara. Uma sala pode estar em ordem e ninguém aprendendo e pode estar com muitas vozes e criando ambiente de aprendizado. Lembre-se o silêncio absoluto é mais importante para nós do que para os alunos. É difícil vencer a resistência dos colegas e da própria escola a isto. Lógico que o silêncio também deve ser um espaço de reflexão, mas é possível pensar que há valor num solo gentil de flauta, numa pausa ou num toque retumbante de 200 instrumentos.

-QUINTO MANDAMENTO: INTERDISCIPLINAR!

Assim mesmo, entendido o princípio como um verbo, como uma ação deliberada. É fundamental fazer trabalhos com todas as áreas. Elaborar temas transversais como o MEC pede e, ao mesmo tempo, libertar o aluno da idéia didática das gavetas de conhecimento. Não apenas áreas afins (como História e Geografia), mas também Literatura e Educação Física, Matemática e Artes, Química e Filosofia. É preciso restaurar o sentido original de conhecimento, que nasceu único e foi sendo fragmentado até perder a noção de todo. O profissional do futuro é muito mais holístico do que nós temos sido até hoje.

-SEXTO MANDAMENTO: PROBLEMATIZAR O CONHECIMENTO.

Oferecer ao aluno o cerne da ciência e da arte: o problema. Não o problema artificial clássico na área de exatas, mas os problemas que geraram a inquietude que produziu este mesmo conhecimento. A chama que vivou os cientistas e artistas é transmitida como um monumento inerte e petrificado. Mostrem as incoerências, as dúvidas, as questões estruturais de cada matéria. Mostrem textos opostos, visões distintas, críticas de um autor ao outro. Nunca fazer um trabalho como: “O Feudalismo” ou “O Relevo do Amapá”; mas problemas para serem resolvidos. Todo animal (e, por extensão, o aluno) é curioso. Porém, é difícil ser curioso com o que está pronto. Sejamos francos: se é tedioso ler um trabalho destes, qual terá sido o tédio em fazê-lo?

-SÉTIMO MANDAMENTO: VARIAR AVALIAÇÕES.

Provas escritas são válidas, como a vitamina A é válida para o corpo humano. Porém, avaliações variadas ampliam a chance de explorar outros tipos de inteligência na sala. As outras avaliações não devem ser vistas como um trabalhinho para dar nota e ajudar na prova, mas como um processo orgânico de diminuir um pouco a eterna subjetividade da avaliação.

-OITAVO MANDAMENTO: USAR O MUNDO NA SALA DE AULA!

O mundo está permeado pela televisão, pela Internet, pelos jornais, pelas revistas, pelas músicas de sucesso. A escola e a sala de aula precisam dialogar com este mundo. Os alunos em geral não gostam do espaço da sala porque ele tem muito de artificial, de deslocado, de fora do seu interesse. Usar o mundo da comunicação contemporânea não significa repetir o mundo da comunicação contemporânea; mas estabelecer um gancho com a percepção do meu aluno.

-NONO MANDAMENTO: ANALISAR-SE PESSOALMENTE!

A primeira pessoa que deve responder aos questionamentos da educação é o professor. Somos nós que devemos saber qual o motivo de dar tal coisa, qual a relevância, qual a utilidade de tal leitura. O professor é o primeiro que deve saber como tal ciência transformou a sua vida. Isto implica fazer toda espécie de questão, mesmo as incômodas. Se eu não fico lendo tal autor por prazer e nem o levo aos meus passeios como posso exigir que um jovem ou uma criança o façam? Qual a coerência do meu trabalho? Minha irritação com a turma indisciplinada é uma espécie de raiva por saber que eles estão certos? Minha formação permanente me indica novos caminhos? Estou repetindo fórmulas que deram certo quando eu era aluno há 20 ou mais anos? É necessário um exercício analítico-crítico muito denso para que eu enfrente o mais duro olhar do planeta: o do meu aluno.

-DÉCIMO MANDAMENTO: SER PACIENTE!

Hoje eu acho que ser paciente é a maior virtude do professor. Não a clássica paciência de não esganar um adolescente numa última aula de sexta-feira, mas a paciência de saber que, como dizia Rubem Alves, plantamos carvalhos e não eucaliptos. Nossa tarefa é constante, difícil, com resultados pouco visíveis a médio prazo. Porém, se você está lendo este texto, lembre-se: houve uma professora ou um professor que o alfabetizou, que pegou na sua mão e ensinou, dezenas de vezes, a fazer a simples curva da letra O. Graças a estas paciências, somos o que somos. O modelo da paciência pedagógica é a recomendação materna para escovar os dentes: foi repetida quatro vezes ao dia, durante mais de uma década, com erros diários e recaídas diárias. As mães poderiam dizer: já que vocês não querem nada com o que é melhor para vocês, permaneçam do jeito que estão que eu não vou mais gritar sobre isto (típica frase de sala de aula…).

Sem estas paciências, seríamos analfabetos e banguelas. Não devamos oferecer menos ao nosso aluno, especialmente ao aluno que não merece nem quer esta paciência este é o que necessita urgentemente dela. O doente precisa do médico, não o sadio. O aluno-problema precisa de nós, não o brilhante e limpo discípulo da primeira carteira. Há alguns anos eu falava de alguns destes princípios e uma senhora redargüiu dizendo que ela fazia tudo isto e muito mais e, mesmo assim, os alunos estavam cada vez piores e com menos resultados. Olhei para esta professora e senti nela o reflexo de meus cansaços também. A única coisa que me ocorreu lembrar é uma alegoria, com a qual encerro este texto:

Na nossa cultura há um modelo de professor: Jesus. A maioria absoluta das pessoas no Brasil é cristã, mas a alegoria serve também para os que não são. Tomemos a história de Jesus independente da nossa orientação religiosa. Comparemos: Jesus teve 12 alunos escolhidos por ele! Eu tenho 30, 60, 100, escolhidos por um rigoroso processo de seleção: inscreveu, pagou, entrou. Jesus teve alunos em tempo integral por três anos: eu tenho por duas ou quatro aulas semanais, por um período mais curto. Os alunos de Jesus deixaram tudo para segui-lo, o meu não deixa quase nada e não quer acompanhar nem meu pensamento, quanto mais minhas propostas existenciais. Fiel aos novos ditames do MEC, Jesus deu um curso superior em três anos. Para quem acredita, Ele fazia milagres, coisa que nós certamente não fazemos naquele sentido. A aula, de Jesus, assim, era reforçada por work-shops. A auto estima e a confiança de Jesus era enorme: o cara simplesmente dizia que era o Filho de Deus, que ressuscitava mortos, andava sobre as águas, passava quarenta dias sem comer e não tinha medo de ninguém.

Eu não tenho esta convicção. Melhor: as aulas eram ao ar livre, sem coordenação, sem direção, sem colegas e os pais dos alunos não apareciam para reclamar! Bem, após 3 anos de curso intenso com todos estes reforços, chegou a prova final. Na agonia do Horto os três melhores alunos dormiram, quando o Mestre estava chorando sangue. O tesoureiro da turma denunciou o professor à Delegacia de Educação por 30 moedas. O líder da classe, Pedro, negou que tivesse tido aula por três vezes diante da supervisora de ensino: nunca vi este cara antes… Outros nove fugiram sem dar notícia e não compareceram à prova final: o Calvário. O mais novo e bobinho, João, foi até lá, mas não fez nada para impedir que os guardas matassem o professor. Se considerarmos João, com boa vontade, o único aprovado, teremos uma média de êxito de 8.33%, baixa demais para os padrões das Delegacias de Ensino e alvo de demissão sumária por justa causa.

O professor morreu e, para quem acredita, voltou para uma recuperação de férias. Reuniu os reprovados e disse: mais uma chance. Um dos alunos, Tomé, pediu para colocar o dedo no diploma do professor para ver se era de verdade. Primeira pergunta do líder da turma, Pedro: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?” Ou seja, o melhor aluno não aprendeu nada!

Esta pergunta mostra o oposto da aula dada, pois ele achou que o curso tinha sido sobre política e, na verdade, tinha sido sobre Teologia… Objetivos não atingidos: 100% ! Novos milagres, mais 40 dias defeedback, apostilas, recuperação, reforço de férias. Final de curso pirotécnico: subiu ao céu entre nuvens e anjos assistentes-pedagógicos disseram que o mestre tinha ido para a sala dos professores eterna e não mais voltaria. O curso estava encerrado, todas as lições tinham sido dadas para aquela nata de 11 homens. O que eles fizeram? Foram se esconder numa casa, todos apavorados.

O mestre mandou um módulo auto-instrucional de reforço, o Espírito Santo, um anabolizante. Só então, com uma força externa, eles começaram a entender, e finalmente tiveram aquela famosa reação bovina: HUMMMM…

Bem, eu disse à professora que me questionava: se Jesus teve tantos insucessos apesar de condições tão boas, a senhora quer ser mais do que Ele? Hoje eu diria para qualquer profissional: faça o máximo, mas apenas o máximo, e deixem o resto por conta do resto. A frase parece autista, mas é muito importante. Nós temos um limite: a vontade do aluno, da instituição e da sociedade como um todo. Não transformamos nada sozinhos, mas transformamos. O primeiro passo é a vontade. O segundo começa daqui a pouco, naquela sala difícil, com aquela turma sentada no fundo e naqueles angustiantes dez minutos que você vai levar para conseguir fazer a chamada… Vamos lá?


FONTE: http://docslide.com.br/documents/dez-mandamentos-do-professor.html

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um pouco da história dos Estados Unidos


Por Douglas Barraqui

Como nasce um grande império? Como um povo, uma nação dita trás-oceânica, pode levar sua hegemonia econômica, política e cultural aos quatro cantos do planeta? Oras quem não conhece a Coca Cola? Como pode um país ser considerada anticristo e, contraditoriamente, suas escolas negarem o evolucionismo e pregarem a fé obediente a Deus? E “Deus salve a América”. Como explicar um país conseguir despertar tanto ódio ao ponto da hecatombe de 11 de setembro de 2001 ser comemorada por vários povos? 


Eis os Estados Unidos da América meus caros leitores. Amando ou odiando espalhou sua hegemonia pelo mundo: seja na defesa da suposta democracia, do liberalismo, do neoliberalismo. Seja pelo cinema Hollywoodiano, pelo jazz ou rock n’roll, pelas milhares de redes de  Fast-food, pela calça jeans, ou pelo padrão de beleza tipo anoréxica. Os EUA exportaram para o mundo, para quem quis e para quem não quis, o American way of life. Um país que caçou as bruxas comunistas, lançou as bombas atômicas e se lançou ao espaço.


Eis uma obra prima sobre a história dos Estados Unidos da América. Um livro que foge das amarras dualistas e maniqueístas. Os autores não falaram dos EUA como um grande Satã nem de como um grande império civilizador do mundo. Mas, Falaram sim de sua História. 

REFERÊNCIA:
KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2007. 288 p.