Por Leandro Karnal
Eu vou fazer uma suposição
totalmente aleatória, sem nenhuma vontade de aplicá-la na prática. Vamos
imaginar uma história absurda e totalmente sem base. Vamos imaginar um país, no
século XVI, onde haja uma lei exótica. Sua Majestade – chamemos de Rei Henry -
o chefe da nação, determina que todas as carruagens tenham um kit de primeiros
socorros.
Todos os homens que possuíam
carruagens se esforçam para comprar um kit de primeiros socorros, aliás, moda
nesta época no século XVI. E, logo após todos terem comprado, Sua Majestade
Henry anuncia que não é mais necessário!
É justo e lícito que essas
pessoas reflitam pessimamente: será que esse Rei tem interesse na produção de
kits de primeiros socorros? Será que esse Rei tem ações ou o irmão dele é o
dono da fábrica?
Que coisa mais ridícula obrigar
uma nação inteira a comprar o kit para a carruagem, e logo dispensá-la pelo
motivo óbvio que eu, e todo mundo, nada sabem fazer com o kit de primeiros
socorros, diante de alguém que é atropelado por um cavalo e tivesse fratura
exposta. Como eu não tenho nenhum conhecimento médico, provavelmente eu
pioraria - não ajudaria. O que eu posso fazer é passar a mão na cabeça da
vítima e rezar junto.
Uma ideia absurda e derrubada.
Sua Majestade voltou atrás.
Sua Majestade então decide que,
em caso de incêndio das carruagens, seria seguro um extintor. Como ainda não há
extintores, um balde com água em todas as carruagens. Todas as carruagens devem
portar um balde de 10 litros para caso de incêndio. Sua Majestade obriga o país
inteiro, toda a frota de carruagens, a comprar este balde. E, assim que todos
compram, Sua Majestade diz que o mais correto é que o balde seja de 15 litros,
um modelo mais avançado. E toda a nação compra porque é obrigatório.
Terminada a compra, alguns
inclusive multados pela posse do balde errado, Sua Majestade anuncia feliz que
a posse do balde agora é optativa, não precisa mais.
Eu recomendaria a este povo:
guardem o balde porque a qualquer instante - governo é como herpes - sempre
volta, sempre volta.
Sua Majestade, já desgastado pelo
kit, e pelo balde (o extintor), tem uma ideia mais radical: vamos unificar as
tomadas do país! Vamos fazer que todos se adaptem aos mesmos buracos e da mesma
forma, com o fio terra inclusive. E o país inteiro torna adaptador de tomada mais
raro do que pérolas barrocas.
O país anda atrás de adaptadores,
que só são vendidos no mercado negro. E há prazo para as tomadas, e se gasta
uma fortuna trocando tomadas.
E, ao final de um esforço
nacional que perturba a todos, temos uma surpresa: nenhum aparelho produzido
entra naquelas tomadas. Os adaptadores não adaptam e, na verdade, não é uma
tomada obrigatória - são duas: uma para maior amperagem e outra para menor
amperagem. E mais, não há unificação das tomadas, cada um enfia onde quiser.
O que vocês diriam ao Rei
hipotético, Henry: ou você é louco, ou você ganha dinheiro com essa insanidade,
ou você está se divertindo às nossa custas. Tudo isso é possível.
Sua Majestade, Henry, apenas
perguntou uma coisa: por que é que vocês fizeram isso o tempo todo e de bom
grado, reclamaram uns para os outros em redes sociais e não fizeram nada contra
isso?
FONTE: http://eldjudio.com.br/static/pdf/2015-ed-62-dezembro.pdf
Leandro Karnal é gaúcho de São Leopoldo-RS, professor da Unicamp na
área de História da América e o texto acima foi transcrito e adaptado do
programa Café Filosófico.
Um comentário:
Excelente!
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