sábado, 22 de agosto de 2009

História Política (discutindo René Remond)




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Prof. Douglas Barraqui
Eis que a história política experimenta uma espantosa volta à fortuna, cuja importância os historiadores nem sempre tem percebido. Essa é a razão de existir da obra, Por Uma História Política, de René Remond, historiador francês, especializado em história da política e das idéias da Europa contemporânea, tendo sido um dos últimos de uma sólida linhagem de intelectuais católicos.

Registrar o fenômeno de retorno da história política, medir suas causas, seu alcance e o significado, para tanto, compreender mudanças ocorridas na própria política e no espírito do historiador, é a razão de meu artigo.

Durante séculos a história política desfrutou de prestígio: no Antigo Regime, com a glória do soberano e a exaltação da monarquia; com as revoluções, a história política tinha suas atenções voltadas para o Estado e a nação, consagrando as lutas por emancipação política; chegando à democracia, as lutas partidárias e os confrontos entre ideologias políticas eram seu enfoque.

Então, eis que surge em nome de uma história total, uma geração que fez revolução na distribuição dos interesses e a primeira vítima foi à história política.

A nova história apontava para a história política e encontrava nela uma série de defeitos, acusando ela inclusive de ser uma história factual. Essa nova história viria como uma nova abordagem: dando mais ênfase as estruturas duráveis e mais reais em oposto aos acidentes de conjuntura; analisando o comportamento coletivo em contraposição das iniciativas individuais; e na longa duração em detrimento dos movimentos de fraca amplitude.

Ao privilegiar o particular, o nacional, a história política privava-se ao mesmo tempo da comparação no espaço e no tempo, limitando-se deste modo a uma síntese. Enquanto o historiador deveria interrogar o sentido dos fatos, formular hipóteses explicativas, a história política permanecia uniformemente narrativa, escrava ao relato linear. Assim suas produções se aparentavam mais com a literatura que com conhecimento científico.

Essa história caia ainda no erro do idealismo, imaginando que as vontades pessoais dirigiam o curso das coisas, levando a cegueira aos que acreditavam que as idéias conduziam o mundo, quando, de fato, as idéias não passam da expressão do interesse de grupos que se defrontam.

Factual, subjetivista, psicologizante, idealista, a história política reunia então todos os defeitos, e uma geração almejava por fim a isso, passando a história dos tronos e das dominações para a dos povos e das sociedades. A história política tradicional, ao isolar arbitrariamente os protagonistas das multidões, travestia a realidade e enganava o leitor. Marx e Freud contribuíram, cada um a sua maneira, para por fim ao prestígio da história política: Marx, fazendo a luta de classes; e Freud, pondo em plena luz o papel do inconsciente.


Uma convergência de fatores, portanto, fez com que a história política fosse lançada pela evolução das realidades e a revolução do espírito dos historiadores, ao descrédito.

Eis que ela ressurge reintroduzindo a dimensão política dos fatos coletivos. É justamente dessa ressurreição que René Remond aponta os principais aspectos, explicitar os postulados, descrever os componentes e prolongamentos. Seria esse retorno fruto do modismo? Indaga o autor. Ou uma reflexão a mercê do conhecimento histórico?

Para compreender as razões de sua volta com plena força é necessário perceber as iniciativas que são obras de historiadores. Uma história como realidade tomada no sentido dos acontecimentos, teve papel preponderante nesse retorno da história política.

As guerras não podem ser explicadas somente pelos dados econômicos; a própria intervenção do Estado frente a uma economia liberal abre espaço e um leque de opções para a renascida história política; o desenvolvimento de políticas públicas e a relação política economia não eram de mão única; e percebeu-se que uma decisão política, quer seja para pior ou para a melhor, tem sim seu papel na modificação de um curso. A evolução, portanto, se fez no sentido da extensão, fazendo o universo político se expandir.

À medida que o poder público é levado a legislar, regulamentar, subvencionar, controlar, a produção, a exemplo de construção de moradias, do assistencialismo social da saúde pública e a difusão da cultura, setores passaram, um após o outro, para os domínios da história política. O próprio René, pela sua experiência pessoal, diz denotar uma elevação no nível de compreensão política, os cidadãos passaram a se sentirem mais membros do corpo político. O próprio desenvolvimento de um jornal político e do livro político apontam para isso. A uma constatação, nos diz o autor, de que a política está em toda a parte, responsável por tudo, o que leva a crer que detem a solução de todos os problemas.

O movimento de 1968, nos diz o autor, teve importante contribuição para conduzir o político ao primeiro plano de reflexão. Nos convém a análise de dois fatores, conjugados, que ajudam a explicar o fato de a história política ser hoje na França um dos ramos mais ativos da produção historiográfica: fator exógeno, já mencionado linhas acima e fatores internos, que seria a própria renovação causada pela discussão dos conceitos e das práticas. A história política encontrava também em seu próprio passado o que deveria se tornar.

René nos fala que, bem antes, já havia autores produzindo essa nova história política, os pré-cursores: Charles Seignobos, historiador francês, autor do livro História Sincera da Nação Francesa, já elencava problemas como a importância da sociologia eleitoral, divisões políticas, mudanças de regime, flutuação da opinião publica. André Siegfried, francês considerado o pai da geografia eleitoral, desenvolveu pesquisas para a compreensão do comportamento eleitoral. Outros nomes ainda como: Franções Goguel, Alain Lancelot, Albert Thibaudet (responsável por unir a cultura a sensibilidade), Georges Weill (esboçou antecipadamente as principais direções que a história política viria a tomar), Marcel Prélot (sugere estudar os partidos conjugando o estudo das instituições), Jean-Jacques Chevallier (contribuiu para o renascimento da história das idéias políticas harmoniosamente ao estudo das instituições). Esses autores, e outros, nos diz René, ajudam a demonstrar que a história política, até certo ponto, fora injustiçada pelas críticas.

Essa renovação também será estimulada pelo contato com outras ciências sociais e pela troca com outras disciplinas – pluridisciplinaridade. Historia política viria a beber na fonte do direito público, sociologia, psicologia social e psanálise, lingüística, matemática, informática, Cartografia e entre outras. Com a colaboração de outras disciplinas, ela encontraria um meio mais propício que as estruturas monodisciplinares das antigas faculdades.

Hoje, essa nova história política tem como satisfazer os historiadores mais exigentes em matéria de história total. Ela pode se orgulhar de se basear em uma massa documental tratada estatisticamente, a exemplo: contagem do sufrágio, resultados das disputas eleitorais e a conclusão dos debates parlamentares. No que tange a ser quantitativa a história política, a nova, está, pois, em primeiro lugar. Não há história mais total do que a participação política que se reflete na prática eleitoral.

A história política aprendeu que se a política tem características próprias, que tornam inoperante todas as análises reducionistas, ela também tem relações com outros aspectos da vida coletiva. A política, nos diz René, não constitui um setor separado, ela é uma modalidade da prática social.

Abraçando os grandes números, trabalhando na longa duração, apoderando-se dos fenômenos mais globais, essa nova história política descreve uma revolução completa, sendo assim, não pode ser taxada como um mero modismo ou um veranico de maio.

Bibliografia:

REMOND, René (orgs). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. Pg. 13-36.

sábado, 15 de agosto de 2009

Moniz Freire

Foi lendo o livro de Jose Cândido Rifan Sueth, mestre em história social das relações políticas, que de fato entendi porque Moniz Freire ocupa um lugar especial no hall de personalidades capixabas, tendo deixado sua marca como personalidade política na história do Espírito Santo. E aqui está, portanto, a razão de existir deste artigo.


José de Melo Carvalho Moniz Freire, nasceu em 13 de julho de 1861, natural de Vitória, cursou direito na Faculdade de Recife tendo concluído o curso na área jurídica em São Paulo. em Vitória fundou alguns jornais. Casou-se com uma paulistana com quem teve nove filhos e, em 2 de maio de 1892, foi eleito presidente do estado [1].


Tinha, como meta de trabalho, a construção de uma linha férrea unindo Minas Gerais e Espírito Santo, para tanto o estado contraiu a primeira divida externa, de 17 milhões e quinhentos mil fracos franceses, que foram de fato aplicados na construção da estrada de ferro Sul do Espírito Santo, que faria ligação entre Vitória e Cachoeiro de Itapemirim. Povoar o solo e transformar Vitória em um grande centro comercial era seu sonho.



Trouxe ao estado 20 mil italianos a fim de trabalharem diretamente na lavoura. Implementou a navegação a vapor no Rio Doce e promoveu a expansão da ilha de Vitória com o projeto Novo Arrabaldi. Todavia, a carência de autonomia em relação ao governo central impediu a continuidade dos planos tão esperançosos. O próprio Governo Federal não assistia o estado, negligenciando varias reivindicações e pedidos de auxilio feitos pelo então governador Moniz Freire, São Paulo, por sua vez, era preferido. A exemplo da necessidade de um serviço regular de higiene para o Estado, assim se queixa Moniz Freire:


“[...] porque faltam-nos para isso pessoal competente, recursos, e outros elementos indispensáveis, dos quais no Brasil só dispõem a Capital Federal e São Paulo, que têm dependido muitos milhares de contos para montá-lo [...].”[2]


Outro exemplo claro da insignificância a qual era arremetida o E.S., apesar de ser a nona renda do país, estava na representatividade nos ministérios. O estado encontrava-se entre os seis estados sem nenhuma representação nesse organismo. Com o termino do primeiro mandato, em 23 de maio de 1896, sendo então sucedido por Graciano dos Santos Neves, o quadro se agravou. Governado o estado em uma situação bastante difícil, devido a crise do café, Graciano suspendeu quase todas as obras planejadas por Moniz, com exceção da via férrea.


Em meio ao contexto de baixa dos preços do café no mercado, em 23 de maio de 1900, Moniz Freire dá início ao seu segundo mandato. A seca abate os agricultores capixabas, agravando a situação produzida pela crise do café. O “Espírito Santo viu-se obrigado a pedir a moratória aos credores estrangeiros em 1902.” [3]


A fim de enfrentar a crise Moniz não vê outra saída se não corte de gastos públicos. A possibilidade de um novo recurso econômico para o estado estava na exploração da areia monazítica do litoral capixaba, que devido a um problema jurídico relacionado a constituinte de 1891, sofreu dificuldades de se efetivar. Moniz se queixa-se do Governo Federal:



a execução desse contrato tem sido dificultado por atritos entre a União e o estado, devido a falta de delimitação da área de marinhas na zona onde a exploração teve começo.[4]


A crise cafeeira assolava as zonas produtoras, levando Moniz Freire a tomar a iniciativa de procurar o presidente de São Paulo, a fim de, juntos mandarem carta aos governantes de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, convidando-os a uma ação conjunta, para um inteligente trabalho de marketing dirigida a Europa, com intuito de arrebanhar novos mercados consumidores, o que poderia resolver o problema da superprodução causa primaria da crise. Dentre as prerrogativas do plano de Moniz, estavam a distribuição de café nas fábricas européias, liceus, exército e marinha, com a finalidade de fomentar novos consumidores em potencial, também, organizar estatísticas que permitiriam um plano de manobras em momentos de crise e estabelecimento de relações diretas entre comércio e os mercados consumidores. Um projeto audacioso, todavia, nada foi levado a diante, o que leva a novas queixas por parte de Moniz:


“não poderia o nosso estado, pequeno e exausto como se acha, pretender presentemente tomar nenhuma iniciativa no sentido de forçar uma deliberação eficaz sobre esses assuntos; por mais que a sua sorte esteja aí envolvida, sua posição não pode ser senão de passividade resignada.”[5]


Assim está o estado do Espírito Santo em seu governo: “pequeno e exausto”, impossibilitado de “iniciativa”, encontrando se numa posição de “passividade resignada”; no mais sem autonomia. Tende a se agravar com relação ao saldo devedor externo. Por fim, em 1903, é inaugurada a ligação férrea entre Cachoeiro e o Rio de Janeiro, porém o café do sul do estado continuou a ser exportado pelo Rio de Janeiro, entre outras razões devido ao baixo valor do frete Vitória/Cachoeiro, ser mais caro que o Cachoeiro/ Rio. Perpetuava-se deste modo a dependência do estado.


Moniz questiona a centralização do poder, e reclama da posição de subordinação em relação à União. O Espírito Santo estava em uma situação de fragilidade, quando comparado co outros estados considerados de primeira ordem.


É em meio a um ambiente de pessimismo e de possibilidade de agravamento das dependências que ele termina seu segundo mandato em 1904.


Notas:

1. FRANCO, Sebastião Pimentel; HEES, Regina Rodrigues. A República e o Espírito Santo. Vitória: multiplicidade, 2003. Pg. 48 e SS.

2. SUETH, José Candido Rifan. Espírito Santo, um estado "satélite" na primeira república: de Moniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912). Vitória: Flor & Cultura, 2006. Pg. 72.

3. FRANCO, Sebastião Pimentel; HEES, Regina Rodrigues. A República e o Espírito Santo. Vitória: multiplicidade, 2003. Pg. 51.

4. SUETH, José Candido Rifan. Espírito Santo, um estado "satélite" na primeira república: de Moniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912). Vitória: Flor & Cultura, 2006. Pg.82.

5. SUETH, José Candido Rifan. Espírito Santo, um estado "satélite" na primeira república: de Moniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912). Vitória: Flor & Cultura, 2006. Pg.83.


Bibliografias:

FRANCO, Sebastião Pimentel; HEES, Regina Rodrigues. A República e o Espírito Santo. Vitória: multiplicidade, 2003.

SUETH, José Candido Rifan. Espírito Santo, um estado "satélite" na primeira república: de Moniz Freire a Jerônimo Monteiro (1892-1912). Vitória: Flor & Cultura, 2006.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O Caos Nosso de Cada Dia: um livor de Novaes

Pegue
1.800 ônibus cheios e fumegantes;
70 mil carros particulares;
30 mil vagas;
centenas de caminhões;
17 mil táxis,
1 milhão de pedestres
e misture bem(não precisa bater).
Adicione 1.489 buracos,
500 sinais sem sincronia,
250 guardas sem iniciativa.

Leve tudo ao forno do centro da cidade.
E em menos de cinco minutos estará
Justificarpronto o maior bolo do mundo,
chamado trânsito carioca.

Quem nos dá a receita é Carlos Eduardo Novaes. O Caos Nosso de Cada Dia era para ser uma obra crítica de um observador com excelente senso de oportunidade, e é. Só que ela vai muito mais além, adentrando profundamente em um doce lado ridículo de nossas vidas caóticas, o livro nos mostra onde está a graça de viver.


“Com o modo unissex, as mulheres querem formar frente única com os homens: para derrotar os outros sexos.”(...)”Se Freud fosse vivo, diria que o movimento de libertação da mulher é pendular. E provavelmente o chamaria de Woman’s Libido.”

Mordaz, sagaz, irônico? Ou tudo de uma só vez? Novaes, batizado como Carlos Eduardo de Agostini Novaes, é carioca, tendo nascido em 13 de agosto de 1940 (logo num 13). Foi parar na Bahia para fazer direito pela Universidade Federal da Bahia (não que tenha feito algo de errado). Para viver, foi ele de tudo um pouco, trabalhou como agente rodoviário, sócio de uma fabrica de sorvetes e, até chegou a ser burguês como, dono de uma dedetizadora. Mas, seria como cronista do Jornal Última Hora, já no Rio de Janeiro, que o mundo começa a assisti-lo como um homem que não seria de meias palavras. Em 1972 acabou por aportar, com prognósticos bem-humorados, no Jornal do Brasil. Novaes também é romancista, dramaturgo, contista e por ai vai.


“... a indústria automobilística está por trás dessa redução. Diminuído as calçadas, os pedestres não tem onde andar. E, não tendo onde andar, são forçados a comprar carro.”(...) “Hoje em dia só há uma maneira realmente segura de não ser atropelado. É atravessando por cima dos carros.”

O Caos Nosso de Cada Dia, confesso, comprei em um sebo. Trata-se de uma compilação de crônicas, escritas para o Jornal do Brasil, publicada em 1974, ficou 32 semanas na lista dos mais vendidos de Veja. E, se é para rir do caos, do nosso caos, é melhor rir com Novaes. Pois ele faz do caos nosso de cada dia uma arte de viver com alegria.


“A verdade é que nossa população cresce em progressão geométrica, enquanto nossas praias crescem apenas em poluição aritmética, deixando em todas as certezas de que, quando se confirmar a teoria de Malthus sobre o desequilíbrio demográfico, a explosão se dará na praia.”