segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A EDUCAÇÃO COMO UMA MERCADORIA



Por Douglas Barraqui e Jeferson da Silva Sobrinho Souza

INTRODUÇÃO

A Declaração Mundial dos Direitos Humanos assiste a temática educação como um direito universal. Mas, esse direito é usurpado, expropriado e comercializado, como uma mercadoria, visando o interesse do capital. 

É fato que nos dias atuais a educação aparece ligada às leis do mercado e as suas necessidades. À medida que a economia aumenta a qualificação profissional se torna uma exigência eminente do mercado de trabalho, bem como não se deve negar o fato de que em um mundo globalizado e em uma economia neoliberal a profissionalização tornou-se sinônimo de inserção no sistema.

No caso do Brasil, desde o plano real e sua gradativa consolidação da economia, o país tornou-se atraente para os investimentos do capital internacional. A inserção do Brasil nas políticas neoliberais trouxe consigo as necessidades de fazer uma revisão nas políticas públicas de caráter educacional. Com uma economia mais estável, demonstrando confiança aos investimentos externos, organismos unilaterais a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), atrelados às superpotências econômicas e as exigências do mercado capitalista, impuseram uma série de políticas educacionais ao Brasil.

O presente artigo pretende abordar a relação existente entre organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial, que tiveram papel ímpar nas transformações da educação brasileira nas últimas décadas, e dar enfoque ao caráter da mercantilização da educação no Brasil.
 
NEOLIBERALISMO: CONCEITO E CONTEXTO

O Neoliberalismo brotou em meio aos escombros da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação, como bem aponta Perry Anderson, teórica e política veemente e fulminante contra o Estado intervencionista e de bem-estar-social. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944.

Seu propósito era combater o Keynesianismo e o solidarismo reinante e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. 

Hayek argumentava que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar-social destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. A desigualdade era um valor positivo – na realidade indispensável em si –, pois era disso que precisava a sociedade ocidental.

A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno fértil.

O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. A desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagnação e inflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social.

A oportunidade surgiria em 1979. Na Inglaterra, foi eleito o governo de Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Em 1980, Reagan chegou à presidência dos EUA. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Os anos 80 assistiram o triunfo, mais ou menos incontestado, da ideologia neoliberal nas regiões de capitalismo avançado.

Então, em todos estes itens, deflação, lucros, empregos e salários, podem ser dito que o programa neoliberal se mostrou realista e obteve êxito. 

Economicamente, o Neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Política e ideologicamente, todavia, o Neoliberalismo alcançou êxito num grau com que seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas.

O CONSENSO DE WASHINGTON

No ano de 1989, no contexto do Neoliberalismo expressado nos governos de Thatcher e Reagan, foi organizado em Washington, convocado pela entidade de caráter privado Institute for International Economics, o encontro intitulado Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened? Reunindo economistas de tendências neoliberais, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O objetivo era reavaliar as políticas econômicas então em voga na América Latina.

Como aponta Francisco José Soares Teixeira, no texto O Neoliberalismo em Debate, o discurso neoliberal patrocinado pelos organismos financeiros internacionais foi comprado e posto em prática pelas elites políticas e econômicas locais como prerrogativa básica para solucionar a crise econômica que assolava a América Latina, que no Brasil ficou conhecido como a “década perdida”. Esse conjunto de propostas ficou conhecido como Consenso de Washington que se tratava de um conjunto de práticas e políticas econômicas que foram implementadas em conjunto pelos países latino-americanos.

As propostas do Consenso de Washington para a educação, como aponta Pablo Gentili, se baseia no diagnóstico a cerca da crise educacional e suas soluções. Para os neoliberais o sistema educacional latino americano enfrenta uma crise de eficiência, eficácia e produtividade. O crescimento da demanda educacional na metade do século passado permitiu um crescimento quantitativo, mas não qualitativo. O custo desta inserção acarretou na deteriorização da qualidade da escola pública.

Os neoliberais acusaram o Estado interventor de ser incapaz de solucionar a crise. Os governos se mostraram incapazes de garantir tanto a qualidade quanto a universalização do ensino. Apesar de a universalização ser uma prerrogativa de todos os países latinos americanos os índices de exclusão e marginalização expressariam a incapacidade desses governos em promoveram uma educação includente em amplos aspectos.

Outra acusação contra o Estado interventor está na contaminação da esfera educacional pela esfera política que produz todos os males dentro da escola. A política acaba por transformar a escola como um espaço fundamentalmente público e estatal. O monopólio da educação pelo Estado não permitiria a concorrência de mercado acarretando uma baixa qualidade e eficácia do ensino. As escolas latino americanas, por não usarem idéias competitivas inseridas na lógica de mercado que dão privilégio a meritocracia ou seja ao esforço individual, apresentavam-se com dificuldades de adequarem o ensino ao sistema capitalista neoliberal. A questão primordial não seria a carência de recursos, mas sim a forma como estes recursos são empregados.

A prerrogativa neoliberal é a de fazer a transferência da educação da esfera pública para a esfera privada, embutindo as leis de mercado, descaracterizando assim a educação como direito social e transformando-a como mercadoria a ser consumido seguindo a lógica de mercado.

BANCO MUNDIAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: METAS E OBJETIVOS DO GRANDE CAPITAL

Em 2002, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) lançaram o Fast-Track Iniciative, que especialistas denominaram de Iniciativa Via Rápida (IVR). O objetivo principal, que segue o acordo com as metas do milênio, era o de acelerar o desenvolvimento educacional dos países que ganhariam o endosso.

Para poder solicitar recursos para a Iniciativa Via Rápida (IVR), os países de baixo rendimento passam por uma análise rigorosa condicionado pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Um dos pré-requisitos é que os países apresentem seus projetos de redução da pobreza, o problema principal é conseguir o parecer dos órgãos financiadores, a dificuldade econômica desses países não significa maior chance de conseguirem o empréstimo. A Iniciativa Via Rápida (IVR) se demonstra como um projeto bem amplo, que segue a proposta das metas do milênio que foram fixadas em Jontien, em 1990, que dez anos depois serviram de base para as metas propostas em Dakar, em 2000.

De fato o financiamento não é o papel mais importante do Banco Mundial em educação transformando-se na principal agência que presta assistência técnica em educação para os países em desenvolvimento. Apresenta propostas amplas e articuladas para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas escolares dando uma maior atenção ao primeiro grau.

A partir da década de 1973 o Banco Mundial, sob presidência de Robert Mcnamara, anunciou uma radical virada na política desta instituição quanto aos investimentos. A partir deste momento o Banco Mundial focalizaria suas ações nos países mais pobres atendendo principalmente suas necessidades básicas de moradia, saúde, alimentação, água e educação.

Quanto á educação o Banco Mundial aumentou seus investimentos, sem educação de primeiro grau e assistência técnica, em contra partida reduziu-se os recursos para o segundo grau. Da mesma forma a partir da década de 1990 o Banco Mundial decidiu dar maior atenção ao desenvolvimento infantil e a educação inicial. E atualmente enfatiza a necessidade de dedicar atenção especial á população indígena e ás minorias étnicas.

Na ótica do Banco Mundial os sistemas educacionais dos países em desenvolvimento enfrentam quatro problemas a serem solucionados: o acesso, que segundo a própria instituição já foi alcançado em parte pela maioria dos países em desenvolvimento, exceto na África que seus países se deparam com enormes entraves; a equidade considerada principalmente em relação aos pobres, em geral, e às meninas e às minorias étnicas, sendo a segregação da menina particularmente acentuada no Oriente Médio e no sul da Ásia; a qualidade que é observada como uma problemática generalizada que afeta todos os países em desenvolvimento; e por fim, a redução da distância entre a reforma educativa e a reforma das estruturas econômicas.

O Banco Mundial, atualmente, vem estimulando os países do Terceiro Mundo a concentrar seus recursos públicos na educação básica que é responsável comparativamente por maiores benefícios sociais e econômicos, considerada um elemento essencial para um desenvolvimento no prisma sustentável em longo prazo. Assim sendo a noção de educação básica, e porque não da educação como um todo, continua sendo centrada na educação formal e na educação infantil. E, portanto, instituições como a família, a comunidade, o trabalho, os meios de comunicação entre outros que acabam por ficar a margem de suas considerações e propostas sobre a política educacional.

Segundo Tommasi, em seu texto O Banco Mundial e as Políticas Educacionais, os projetos e propostas do Banco Mundial do modo como vem sendo reproduzido tem reforçado as tendências predominantes do sistema escolar na ideologia que o sustenta, ou seja, as condições objetivas e subjetivas que contribuem para produzir a ineficiência, a má qualidade e a desigualdade no sistema escolar, ao invés de contribuir para uma melhora da qualidade e eficiência da educação e, de maneira específica, dos aprendizados escolares na escola pública e entre os setores sociais menos favorecidos.

Na concepção do Banco Mundial a qualidade educativa seria resultado direto da presença de nove pontos fundamentais que interferem na qualidade da escola de primeiro grau. Pela ordenação de prioridades, que segundo estudos, revelam uma correlação e efeitos positivos: bibliotecas; tempo de instrução; tarefas de casa; livros didáticos; conhecimentos do professor; experiência do professor; laboratórios; salário do professor; e tamanho da classe. A infra-estrutura já não é assistida como prioridade tanto em termos de acesso quanto em termos de qualidade. Buscando economizar recursos o Banco Mundial recomenda: compartilhar custos com as famílias e comunidades; fazer múltiplo uso dos locais escolares; realizar uma manutenção adequada da infra-estrutura escolar. A descentralização assume grande prioridade sobre os aspectos financeiros e administrativos da reforma educacional. Propõem-se especificamente: a reestruturação orgânica dos ministérios das instituições intermediárias e da escola; fortalecer o sistema de informação (dados referentes à matrícula, assistência, insumos e custos); e por fim a capacitação de pessoal em assuntos administrativos. Transformando as instituições de ensino em máquinas tecnocratas, ou seja, apolitizada.  

Podemos notar, portanto, que as propostas do Banco Mundial para educação levam em conta fatores economicistas.  A relação custo benefício e a taxa de retorno constitui as categorias centrais a partir das quais se define a função da educação assim como as prioridades de investimentos, os rendimentos e a própria qualidade do ensino. Então, podemos concluir que hoje a educação não se encontra formulada por pedagogos, professores e especialistas em educação, mas sim, por profissionais vinculados a uma lógica neoliberal de mercado que acaba fazendo da educação mais um produto do sistema capitalista a ser consumido como uma mercadoria.

CONCLUSÃO

Independentemente da extensão e da compreensão, a educação consiste em última instância um produto mercadológico. Conceber a educação na ótica neoliberal é traduzir as leis do mercado aos caminhos que se chocam com uma educação de fato includente e de qualidade. A educação nesses termos intervencionistas, na visão do grande capital internacional, ou seja, na ótica de instituições como o Banco Mundial, é construir uma forma burguesa de se pensar em educação. Essas instituições capitalistas acabam por traduzir uma visão preconceituosa dos países em desenvolvimento sem levar em conta suas particularidades, elaborando planos universalizados em seus próprios objetivos dentro da ótica do grande capital.

Concordamos com Saviani quando ele afirma que nesta presente fase do capitalismo os organismos internacionais acabam exercendo um protagonismo no gerenciamento do desenvolvimento do capitalismo assim como suas crises, a exemplo do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Assim sendo os projetos, as diretrizes, pareceres e conselhos dados pelos organismos internacionais, de fato se revelam como uma servidão voluntária ao modo de produção capitalista que de fato apenas se molda ao objetivo da classe burguesa.

Referências Bibliográficas:

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GENTILI, Pablo. Adeus á escola pública: a desordem neoliberal, a violência do mercado e o destino da educação das maiorias. In: GENTILI, Pablo. (Org.). Pedagogia da Exclusão: críticas ao neoliberalismo em educação. Petrópolis: Vozes 2008. pp. 228-252. 

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TEIXEIRA, F.J.S. O Neoliberalismo em debate. In: TEIXEIRA, F.J.S., OLIVEIRA, M.A. de. Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas determinações do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1996.

TOMMASI, Lívia de; WARDE, Miriam Jorge; HADDAD Sérgio (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: PUC: Cortez, 1995.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A nova e a velha faces da crise do capital e o labirinto dos referenciais teóricos. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria. Teoria e educação no labirinto ‘do capital. Petrópolis: Vozes, 2001. PP. 21-46.








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