Há algum tempo, recebi
uma carta algo aflita de um jovem de 16 anos, que chamarei pela inicial G. Ele
dizia ter optado por fazer História e ser professor.A família fazia
oposição.Respondi com esta carta Por que divulgo? Porque muita gente tem
perguntado a mesma coisa e pode servir a outros.
Caro
G. : como eu lhe prometi ontem, sento-me para lhe dar uma resposta mais
complexa. Você tem 16 anos e pensa em seguir a carreira de professor e
historiador. Tem dúvidas e sua família torce contra esta opção de vida.
Sartre
nos diz que escolhemos a resposta ao escolher quem responderá nossa dúvida. Ao
perguntar a um historiador /professor se você deve seguir este rumo, é lógico
supor que você queira um reforço da sua decisão. Vivo da minha escolha há mais
de 32 anos e seria estranho que eu desse outra resposta a não ser um voto de
entusiasmo. Mas o mundo é mais complexo...
Vamos
começar pelo item “oposições familiares”. Seus pais e parentes próximos o amam
e, sendo você novo e dependente deles, tem a preocupação aumentada. Você deve
entender esta “oposição” como um gesto de amor e nunca como um combate a sua
liberdade. Seus pais o conhecem muito e conhecem uma parte importante do mundo
e da sociedade. Eles dizem estas coisas com absoluta convicção de ajudá-lo.
De fato, como é muito noticiado, a carreira de professor tem percalços e é, de uma maneira geral, pouco atrativa financeiramente. A média da sociedade indicará carreiras com maior valor simbólico agregado, como Direito, Engenharia, Medicina etc. Seus pais refletem este senso geral.
Há uma coisa importante a ser dita: quando temos 16 anos e ainda não gerenciamos nossa vida material de forma autônoma, desconsideramos o dinheiro como mola das coisas e, na generosidade da juventude, falamos de valores como vocação, desprendimento etc. Quase todas as pessoas aumentam a importância que dão ao dinheiro com o tempo.
Envelhecemos
mais materialistas, em geral. Até eu diria que isto é envelhecer para a
maioria: medir o mundo a partir de coisas muito concretas. Além dos seus pais,
você deve levar em conta que o G. de 50 anos talvez não tenha este
desprendimento, mas, naquela altura, uma mudança de rumo será difícil.
Há
duas observações contraditórias com tudo o que eu disse. Seus pais o amam e
querem o melhor para você. Levará alguns anos para você ter consciência da
extensão deste amor. Porém, seus pais expressam a consciência possível do mundo
e das escolhas que eles fizeram, dentro de circunstâncias deles, que não são as
suas. Mais importante: quando você chegar ao fim da sua vida e tiver de
responder se a vida valeu a pena, é provável que eles não estejam mais neste
mundo e que gestos de aprovação ou desaprovação, feitos meio século antes, não
tenham mais nenhuma relevância. Em outras palavras: a resposta sobre sua vida
será sua, sempre sua, e solitariamente sua. Seus pais o amam e você deve
ouvi-los; mas seus pais não são você.
O
segundo ponto é que, de fato, há dificuldades na carreira que você cogita. Mas
...todas as carreiras apresentam problemas. O popular curso de medicina, que
obteria aprovação de quase qualquer pai do mundo, é o que registra o mais alto
índice de suicídios e alcoolismo entre os alunos na faculdade, segundo eu soube
por pesquisa recente. Aparentemente, o glamour de algumas escolhas está no âmbito
das conversas familiares e não na realidade das universidade. Meu pai era
advogado e reclamava, sem cessar, dos problemas da profissão. A questão é que
não existe carreira perfeita, mas ela deve estar adequada aos seus desejos, ao
seu caráter e a sua ambição neste momento. Mas como saber como você será daqui
a 20 anos? Não existe resposta. Ninguém sabe o futuro. Talvez até você tenha
que fazer mudanças na sua escolha, mas, se for coerente consigo, continuará a
busca pelo que é importante.
Se
você, aos 16, pensou numa carreira de humanas e com magistério, você pensa fora
da curva e deve ser original entre seus colegas de ensino médio. Se você
cogitou esta ideia, parabéns, você não segue o pensamento coletivo e isto já
indica um traço interessante. Há um preço a pagar por ser mais original,
inclusive certa solidão. Mas, meu caro G., você já é assim e será mesmo que
faça curso de História, de Educação Física ou de Engenharia Mecatrônica.
Você
gosta da ideia de dar aula? Pode fazê-lo em quase todas as formações que tiver.
Pode fazer o curso de Direito e ser professor. Você não está limitado a uma
escolha. Pode também dar aula de História e fazer este lindo curso, como pode
fazer Filosofia ou até Administração: todas estas carreiras podem ter sua
contribuição como professor. São estudos desafiadores e interessantes. O estudo
da História também é fascinante. Dar aula é uma paixão que me encanta mais a
cada ano que passa.
Uma
revelação: quando fiz a opção por História, minha mãe profetizou que eu
passaria fome. Isto não ocorreu. Minha carreira tem sido prazerosa e
materialmente eficaz. Eu decidi que queria mais e , após o curso, fiz pós
graduação. Doutorei-me e comecei a dar aula numa universidade pública. Escrevo
textos, dou palestras e organizo diversas atividades que me garantem muito
prazer pessoal e boa retribuição material. Não sou a regra, mas demonstro que é
possível viver muito bem como historiador.
Meu
caro G. , o futuro é absolutamente imponderável. Os rumos que seguiremos são
fruto de interações muito complexas que ninguém pode prever. O importante é
você se conhecer, seguir sua reflexão, constituir uma meta e mantê-la enquanto
ela lhe trouxer as respostas que você procurava. O magistério é um mundo
difícil, mas possível. Seja sempre honesto com você e diga o que você realmente
quer. Siga seu sonho com intensidade e faça um esforço gigantesco para chegar
aos pontos que você traçou hoje ou aos que traçará no futuro. Saiba mudar de
ideia quando perceber que o rumo mudou e saiba ouvir a todos que te cercam, mas
consciente de que as escolhas finais são suas. Como advertia O. Wilde, viver é
muito importante, porque a maioria das pessoas apenas existe.
Talvez
lhe ajude mais ler meu livro “Conversas com um jovem professor” que faz
reflexões sobre esta escolha. Mas, mesmo lendo muito ou ouvindo pessoas como
eu, lembre-se sempre de que você tem de tomar uma decisão sua, exclusivamente
sua e só você responderá por ela.
Um
abraço : Leandro Karnal
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