Prof. Douglas Barraqui
Uma das mais impressionantes,
belas e, ao mesmo tempo, destrutivas histórias da vida no nosso planeta, Terra,
é a história da humanidade. Surgimos, homo
sapiens, na África, a pouco mais, pouco menos, 200 mil anos. E, de maneira
avassaladora evoluímos, nos transformamos e fomos capazes de transformar a face
desse planeta como nenhuma outra espécie já mais pensou em conseguir.
VAMOS PENSAR UM POUCO
Homo sapiens, o homem sábio, possui uma característica peculiar, cérebro
grande. Um cérebro de 1400 centímetros cúbicos, 2 a 3 % do peso corporal, é
extremamente custoso para o corpo. Não é fácil carregar. É difícil de
abastecer. Em repouso nosso cérebro consome 25% da energia do nosso corpo. Ter um
cérebro gigante nos custou caro: passamos mais tempo em busca de comida. Os músculos
atrofiaram. Basicamente desviamos energia dos bíceps para os neurônios. É fato,
um gorila ou um chimpanzé não pode ganhar uma discussão com você, homo sapiens, mas pode parti-lo ao meio
na porrada facilmente.
MÃOS HABILIDOSAS
Homo sapiens, o homem habilidoso, possui um par de mãos com cinco
dedos cada que lhe permitiram desenvolver habilidades únicas. Quando mais
coisas podíamos tocar, mais sucesso os sapiens tinham. Em nossas mãos nervos e músculos
se ajustaram de tal maneira que somos capazes de desenvolver atividades
extremamente complexas para qualquer outro animal deste planeta. Em particular
somos capazes de usar e produzir ferramentas complexas com nossas poderosas e
habilidosas mãos. O primeiro indício de produção de ferramentas data de
aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás quando um de nossos ancestrais, o homo habilis, usou a pedra como uma
ferramenta. O uso mais comum das primeiras ferramentas de pedra foi para abrir
os ossos para chegar ao tutano. Para alguns especialistas o tutano, com altíssimo
valor nutritivo, visto que é rico em proteínas, gorduras e ferro, foi nosso
nicho original.
A VIDA ERETA
Adaptar-se a uma posição ereta
foi um desafio. Até hoje temos dores nas costas e rigidez no pescoço. As mulheres,
fêmeas da espécie sapiens, pagaram ainda mais caro. Andar ereto exigiu quadris
mais estreitos o que constringiu o canal do parto. Aliado a bebês com cabeças
cada vez maiores, a morte durante o parto era uma consequência dramática para
as fêmeas. Assim, as mulheres que davam à luz mais cedo, com o cérebro e a
cabeça do bebe ainda relativamente pequenos e em formação, se saiam melhor e
sobreviviam para ter mais filhos. Podemos dizer, então, que a seleção natural
favoreceu os nascimentos precoces.
SOCIALIZAR-SE
Uma vez nascidos os bebês sapiens
são indefesos. Ao passo que nasceram prematuramente, muitos de seus sistemas vitais ainda estão subdesenvolvidos.
Assim, um bebê sapiens depende enormemente dos mais velhos para sustento,
proteção e educação. Esse fato contribuiu decisivamente para o desenvolvimento
de uma maior socialização entre os seres humanos. Mães solitárias dificilmente
conseguiriam manter viva a sua prole. Criar filhos requeria ajuda constante de
outros membros da família e de vizinhos. Os seres humanos em tribo tinham um
desempenho maior em relação aos bandos. Assim, a evolução favoreceu aqueles que
eram capazes de formar fortes laços sociais, sendo capazes de educar e
socializar seus filhos e futuras gerações.
UMA RAÇA DE COZINHEIROS
Um passo decisivo rumo ao topo
evolutivo foi dominar e domesticar o fogo. Há cerca de 800 mil anos, algumas espécies
humanas passaram a fazer uso esporádico do fogo. Provavelmente fruto de um raio
que caiu em uma árvore, provocando um incêndio, ou mesmo das brasas incandescentes
de algum vulcão em erupção. O fogo significava luz e calor nas noites escuras e
frias; significava uma arma para afugentar grandes predadores e possibilitou o
homem cozinhar. Alimentos que os humanos antes não conseguiam digerir em sua
forma natural, como trigo, arroz e batatas, tornaram-se itens essenciais da
nossa dieta, graças ao cozimento. Cozinhar matava germes, bactérias e parasitas
que infestavam alimentos, melhorando a nossa saúde, aumentando
significativamente nossa expectativa de vida. A mudança na nossa dieta trouxe
um encurtamento do trato intestinal e o crescimento, ainda maior, do cérebro.
SAÍMOS DA ÁFRICA
Deixamos a África há 70 mil anos.
Passando pela península Arábica chegamos rapidamente a Ásia e em pouco tempo pisaríamos
na América, provavelmente via estreito de Bering. Quando os sapiens chegaram ao
Oriente Médio e à Europa, encontraram os neandertais. Esses humanos eram
maiores, mais fortes e mais musculosos que os sapiens, tinham ainda cérebro
maior e eram mais bem adaptados ao clima frio europeu. O contato e o choque foram
inevitáveis. Sapiens e neandertais eram anatomicamente diferentes e, muito
provavelmente, possuíam hábitos e até mesmo odor corporal diferentes. Ora
sapiens e neandertais procriaram entre si (teoria da miscigenação), ora sapiens
e neandertais saíram no tapa, desencadeando genocídios (teoria da substituição).
O fato é que, se você está lendo este artigo, os sapiens sobreviveram.
Não há como negar, foi um longo
caminho até você. Um longo, impressionante, instigante e avassalador caminhar
evolutivo que fez de nós uma espécie deus de si e desse planeta. Nenhuma outra
espécie fez o que fizemos. Nenhuma outra espécie faz o que fazemos. Não somos
melhores ou piores, somos apenas sapiens.
Referências:
HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da
humanidade. Tradução Janaína Marcoantonio. 11 ed. Porto Alegre, RS: L&PM,
2016.
Um comentário:
Texto magnífico. Parabéns por compartilhar seus pensamentos com o mundo.
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