terça-feira, 28 de julho de 2015

SER PROFESSOR DE HISTÓRIA NO MUNDO DOS MEUS ALUNOS

Por Douglas Barraqui

Há algo que me dá muito orgulho, ser professor de história. E ser professor de história no mundo em que vivemos, no hoje, no mundo dos meus alunos. Eu, enquanto filho do meu tempo, estou me referindo a um mundo sem uma forma definida, por vezes sem coesão e coerência, um mundo do superficial do passageiro e onde existem mais incertezas do que certezas, um mundo onde os nossos valores escorrem por ralos e vielas do individualismo.

Em sala de aula quando, em meio a debates históricos, me pego conversando com meus alunos sobre meu passado, eles se espantam quando falo que na minha infância TV não tinha controle remoto e celular não existia. E quando falo que não existia, e nunca imaginaria que um dia viesse a existir, facebook, twitter e instagram, meus alunos se compadecem de mim, sentem pena de mim e da minha infância que, na visão dos meus alunos, devia ter sido muito difícil, horrível.

Esse mundo, que tem como programa básico o individualismo, das redes sociais, todos são eminentemente felizes. Todos compartilham sua felicidade intensa pelas redes sociais em fotos lindas, perfeitas, maravilhosas. E se assim não forem usa-se fotoshop. Pelas redes sociais tudo é belo, invejável e perfeito. Ninguém, absolutamente ninguém, vai postar coisas do tipo “meu dia foi chato”.

Meus alunos não conhecem o que é escrever uma carta e postar uma carta. Conhecem o que é um E-mail, enviar um E-mail, ou mesmo, cutucar pelo facebook e chamar pelo “Zap Zap”. Não os culpo, tão pouco os descrimino. De tal forma, uma parte que noto na qualidade de historiador, é a primeira vez na história humana que os jovens detém e dominam a tecnologia. Isso é bom ou ruim, hora deixo previsões para o futuro para os especialistas em  cartas de tarô. 

Alguns podem até chegar à seguinte conclusão: meu mundo, o mundo em que fui criado e formado, está obsoleto. As mudanças ocorreram tão rapidamente, foram tão dinâmicas, que referências de mundo se perderam.

Meus alunos nascem viciados e dependentes de uma coisa chamada tecnologia, não que seja uma droga.  Um reflexo disso está na escrita, meus alunos não sabem escrever, por mais que eu ensine, eles não sabem. Por exemplo: o pronome de tratamento real que, em Portugal, era “vossa mercê” (mercê significa graça, concessão), foi se vulgarizando através dos séculos, transformado em suas colônias, nas fazendas e nos meios mais coloquiais foi se “caipirizando” (vossamecê, vossancê, voismecê, vancê) até chegar ao atual (e dentro da norma culta, afinal a norma é clara, parafraseando um famoso árbitro-comentarista) “você”. E agora chegou ao que considero o limite “VC”. Se caminharmos nesse ritmo alucinante em dez anos “você” vai virar “C” – “’c’ fez a atividade de casa”.

Nas palavras do filósofo Francês Jean Baudrillard “a revolução contemporânea é a da incerteza”. Nossas certezas, não existem mais. As explicações mudam e são descartadas muito rapidamente: até ontem eu acreditava que ovo e banha de porco faziam mal a saúde, entupiam as veias. Vem a minha esposa - pela rede social veja VC -, compartilha um vídeo comigo em que um médico e nutrólogo – eu nem sabia que havia essa especialidade –, José Roberto Cater, explica que ovo é o melhor e mais saudável alimento do mundo, só não tem vitamina C. E que banha de porco é mais saudável do que óleo de cozinha vegetal.


Os jovens da nossa sociedade cometem um erro comum e grotesco: achar que tudo que é novo é bom e tudo que é velho é ruim. Ou, ao contrário, os velhos concebem tudo que é novo como ruim e catastrófico e tudo que é velho como bom e idílico. Pois eu digo, nem um nem outro. O velho não é melhor que o novo, o novo não é melhor que o velho, eles apenas são diferentes. São cabeças diferentes, épocas diferentes e, para ser mais técnico, trata-se de estruturas epistemológicas diferentes. Ser historiador me permite entender isso muito bem.