Prof. Douglas Barraqui
O PARAÍSO DOS GUERREIROS
Valhalla é claramente um #paraíso
#militar ou uma extensão postmortem da vida dos grupos de guerreiros da
Escandinávia antiga, #vikings. Lá em Valhalla esses guerreiros, outrora caídos
em combate, comem diariamente à mesa do seu senhor e patrono – neste caso Odin
– são servidos por mulheres ou valquírias e combatem todos os dias. Trata-se de
um tipo de vida aristocrática que seria normal no mundo antigo e que encontra
eco na tradição literária, a exemplo do
poema Beowulf: onde o herói é convidado
a juntar-se ao banquete no salão real e é servido pela rainha. E da perspetiva
de um guerreiro, a morte resume-se de fato a duas opções: cair com valentia no
campo de batalha ou falecer na cama como um inválido, um triste e vergonhoso
fim.
É uma ética heroica que atravessa
várias culturas, do Japão à Grécia antiga, onde Aquiles teve que escolher
entre uma vida longa destinada ao esquecimento ou uma morte prematura, mas com glória
imortal. Para alguns nórdicos, esse tipo de glória daria acesso à elite
militar que eram os guerreiros de Odin, onde podiam continuar a exercer as
virtudes militares com que se tinham destacado em vida.
Mas quais eram as crenças dos que
não tinham na guerra a sua principal ocupação? Que ideias havia sobre o além
entre aqueles que se dedicavam acima de tudo à pesca, à agricultura, ao
comércio ou às artes domésticas?
A MORTE
Freyja e Odin partilhavam os que
faleciam em batalha, terá havido também quem acreditasse que, chegada a #morte,
seria recebido no salão ou reino de outro deus ou deusa? Por exemplo, terá Thor
sido visto como uma divindade que acolhia alguns dos seus devotos?
Há um indício disso na Edda
Poética, uma coleção de poemas em nórdico antigo preservados inicialmente no
manuscrito medieval islandês Codex Regius, onde, na estrofe 24, é dito que Odin
recebe os nobres caídos em combate, enquanto Thor fica com os servos.
Dado que o poema é um confronto
verbal entre os dois deuses, não é seguro que o verso seja reflexo de uma
crença pré-cristã genuína, podendo não passar de uma mentira ou de um exagero
com fins literários. Mas um exagero não tem que ser inteiramente falso, pelo
que pode tratar-se de uma hipérbole ou deturpação com uma base real: a de que,
entre os agricultores nórdicos, havia quem acreditasse que seriam recebidos por
Thor depois da morte. É uma hipótese e apenas isso, dado que a escassez de
informação e a natureza da fonte não nos permite certezas. Mas a ser verdade,
talvez tenham existido crenças semelhantes sobre outras divindades – como Tyr
(deus dos combates patrono da justiça), Ullr (deus da caça) ou Frigg (Esposa de
Odin mãe de Thor e madrasta de Loki é a deusa da fertilidade, do amor) – embora
não haja dados suficientes para concretizar essa hipótese de um modo
sustentado.
FUNERAL
A imagem icónica de um funeral
nórdico pode ser a de um barco em chamas lançado ao mar com um ou mais corpos,
mas é difícil perceber até que ponto essa ideia é verídica. A prática parece
ser referida por Procopius, um autor bizantino do século VI, e figura ainda na
tradição literária, embora nunca tenha estado no norte da #Europa e a segunda
possa ser um caso de memória romanceada. Faltam encontrar esse vestígio
arqueológico, que provavelmente nunca serão encontrados.
De acordo com os vestígios
existentes, a cremação era a prática mais comum, havendo um número
comparativamente pequeno de campas onde os corpos foram apenas enterrados. Mas
isto refere-se ao número total de sepulturas e, se organizarmos os dados de
forma #geográfica e cronológica, deparamo-nos com diferentes padrões: em Vendel
e Valsgärde, a norte de Estocolmo, diversas pessoas foram enterradas em barcos
entre os séculos VI e VIII, enquanto na Dinamarca, durante o mesmo período, a
cremação terá sido a norma, exceto na ilha de Bornholm. Na Noruega, a cremação
parece ter sido a norma, havendo, no entanto, um número elevado de enterros em
campas rasas em Kaupang. A construção de câmaras fúnebres, por exemplo, registra-se
na Escandinávia pelo menos desde os séculos imediatamente anteriores à Idade Viking,
que teve início por volta do ano 790.
As embarcações forneciam a
terceira opção para o enterro. Um ou mais corpos eram depositados dentro de um navio
juntamente com oferendas e os restos mortais de #vítimas sacrificiais, sendo
depois cobertos com uma colina de terra. Em alguns casos, o mastro terá ficado
exposto e o conjunto podia ser enriquecido com pedras erguidas em redor ou com
vias processionais. É disso exemplo a sepultura de Groix, em França, mas uma
das embarcações fúnebres mais conhecidas é a de Oseberg, no sul da Noruega,
onde duas mulheres foram enterradas dentro de um barco de trinta remos por
volta do ano 835.
A postura dos corpos dentro dos túmulos é outro elemento onde se registra diversidade de
práticas, uma vez que nem todos foram simplesmente deitados à semelhança do que
é hoje comum. Nas campas rasas, muitos foram encontrados numa posição supina ou
fetal, como se estivessem a dormir, havendo até, em alguns casos, vestígios de
almofadas e mantas. Surgem também exemplos de corpos em posturas pouco naturais
que terão exigido alguma forma de mutilação e até casos em que foi colocada uma
pedra em cima dos restos mortais. Já em algumas câmaras e, mais raro, em alguns
navios fúnebres, os corpos terão sido sentados, destacando-se, nesse aspecto,
duas sepulturas de Birka onde um homem e uma mulher foram colocados ao colo um
do outro.
REFERÊNCIAS:
Desvendando os vikings: estudos
de cultura nórdica medieval. Johnni Langer, Munir Lutfe Ayoub (Orgs.). – João
Pessoa: Ideia, 2016. 218p.
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