quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo


O objetivo central do livro de Mintaha Alcuri, Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo (1910/1940), é fomentar um estudo da formação e do desenvolvimento da comunidade de imigrantes libaneses no Espírito Santo, no período de 1910 e 1940. A análise está centrada nos contingentes de libaneses que se estabeleceram nos municípios de Alegre, Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. Sendo este um dos melhores trabalhos que trata da imigração turca no Brasil.


O auto nos mostra que no Espírito Santo, o imigrante libanês, embora não buscasse a propriedade agrícola, estabeleceu-se em pontos estratégicos ligados à economia cafeeira, desenvolvendo atividades paralelas à produção do café.


O objetivo portanto, nos diz Mintaha Alcuri, é compreender as questões básicas que fundamentaram o processo de integração do imigrante à sociedade brasileira e de permitir, no caso específico da imigração de libaneses, o conhecimento dos conflitos socioeconômicos e culturais por eles enfrentados.


O autor nos dá marcos cronológicos referente a este processo migratório: 1) início da grande corrente migratória de libaneses para o Brasil, processo que se acelerou em 1914, com o desenrolar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). 2) estagnação do surto imigratório relativo a grupos libaneses no Brasil e de estabilidade econômica e política do Líbano.


No Espírito Santo, nos mostra o autor, esses imigrantes que aqui chegaram não formaram aglomerados, mas distribuíram-se aleatoriamente, de acordo com seu poder aquisitivo. Não buscavam fábricas ou as propriedades agrícolas. Dedicando-se especificamente ao comércio e às pequenas industrias.


LIBANES NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XIX E NAS PRIMEIRAS DO SÉCULO XX


No primeiro capítulo o autor vai nos apresentar uma síntese da história do Líbano nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, até 1945, com a independência do país.


O autor nos mostra um Líbano com uma diversidade confessional composto por: xiitas, sunitas e drusos componentes do islamismo e grupos de cristãos maronitas e os greco-católicos.


O libanês esteve subjugado ao Império Otomano até meados do século XX. Algumas das razões que impeliram os libaneses ao primeiro grande surto imigratório encontram-se nas condições desse domínio e nas diversas formas de espoliação que estiveram sujeitos: um regime fundiário de herdeiros privilegiados, o fracionamento extremo de terras, a exploração fiscal e a ineficiência administrativa eram fatores que conduziam à pobreza. O cultivo de pequenos lotes, em toda a região não bastava para sustentar as famílias, em sua maioria muito numerosas.


Servir o exercito do inimigo, do opressor, era condição insuportável para a maioria daqueles imigrantes. Assim durante a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o libanês realizou uma grande diáspora, que abalou toda a vida social e econômica do Líbano. A maioria era composta por cristãos, os mais perseguidos no domínio turco. O libanês imigrado, forneciam meios e incentivos aos parentes e amigos para que fizessem o mesmo. Havia entre eles uma forte crença num “Eldorado”, de que na América era possível fazer fortuna fácil. Após a guerra de 1914, as imigrações foram determinadas por razões de ordem econômica. O autor nos mostra ainda que em 1914, uma epidemia de tifo matava uma média de 40 pessoas por dia e, como se não bastasse, uma onda de gafanhotos assolou o pais.


Mintaha Alcuri enfatiza que duas causas principais se interpenetravam: o imigrante, possuindo um parente no pais receptor e necessitando melhor de vida, emigrar com maior segurança. É necessário considerar ainda: o espírito aventureiro e a busca de perspectivas; a guerra de 1914, que provocou fome e gerou recusa em prestar o serviço militar ao país usurpador; o acesso a propriedade fundiária de um novo país aparece como agente propulsor; amores frustrados, prepotência familiar, perseguição política e religiosa contribuíram para engrossar o rol de motivações.


A maior parte dos que foram entrevistados entre os municípios de Alegre, Cachoeiro de Itapemirim e Vitória, nos dia Mintaha Alcuri, não chegaram ao Brasil em idade útil produtiva.


POR QUE O BRASIL?


O governo brasileiro incentivou e, algumas vezes, subsidiou a imigração. De início, a busca de trabalhadores rurais foi a razão primordial desses incentivos. Posteriormente, a necessidade de mão de obra para a indústria passou a ser o fator determinante para o incremento dos fluxos imigratórios.


Os libanês vindos ao Brasil, nos diz Mintaha Alcuri, não buscavam as fábricas ou as propriedades agrícolas. Dedicando-se, preferencialmente, ao comércio e as pequenas indústrias. A imigração foi espontânea, quer dizer, nunca houve um acordo entre os dois países para a vinda desses imigrantes. O Brasil teria sido escolhido pela possibilidade de acompanhar parentes ou unir-se com aqueles que já encontravam aqui.


Os libaneses não só aportaram em São Paulo, como também chegaram em outros estados da União, atraídos pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira e, principalmente, pelo seu parque industrial, onde marcavam presença.


O ESPÍRITO SANTO COMO DESTINO


Mintaha Alcuri, nos mostra que a marcha do café é que propiciou, efetivamente, a ocupação das terras capixabas. A imigração libanesa, porém, não obedeceu a padrões tão favoráveis: sua penetração, principalmente no Espírito Santo, não esteve subvencionada pelo seu governo ou pelo governo brasileiro. Sempre se instalaram por conta própria, ainda que ajudados por parentes já estabelecidos nas diversas regiões do estado. Não chegavam a levas determinadas.


O início dessa presença registrou-se na região de Itapemirim. Penetraram pelo interior até alcançar a Serra do Caparaó. Outros, ainda, vinham diretamente para Vitória, por via marítima, ou por fronteiras com Minas Gerais.


Trabalhadores não qualificados, biscateiros e ambulantes, nessas atividades envolveram-se os primeiros imigrantes libaneses, no interior do Espírito Santo. Eram moços solteiros, vindos de zonas rurais e vilas. Vitória, Cachoeiro de Itapemirim e Alegre, receberam os imigrantes libaneses que, antes de tudo, estavam dispostos a agruparem junto a familiares. A escolha pelo Espírito Santo, Mintaha Alcuri aponta para o fato de que já possuíam parentes já estabelecidos aqui.


O maior contingente de imigrantes libaneses chegou ao Espírito Santo pelo Rio de Janeiro. Embarcava-se de navio até a Barra de Itapemirim; de lá, utilizava-se uma barcaça que percorria o rio até Cachoeiro de Itapemirim, atingindo ainda, Castelo, Guaçui, em lombos de burros.


Solteiros e jovens, em sua maioria, os primeiros imigrantes libaneses que chegaram no Espírito Santo não possuíam dinheiro. Por isso, tornavam-se mascates, já que tal ocupação não requeria capital. No interior, abriam lojas e armazéns em pontos estratégicos e, na capital, lojinhas e armarinhos. A falta de transportes e as enormes distâncias entre os grandes centros e as pequenas vilas favoreceram a proliferação desses mascates e a sua permanência no interior do estado.


Em vitória, os ambulantes comerciam com fazendeiros, ovos, leite, frutas, bilhetes de loteria, cigarro, confecções, pão, sorvete, armarinhos, tapetes, quadros, espelhos, gravatas, amendoim. Da mulher libanesa, nos diz Mintaha Alcuri, cadastrada como ambulante, vendia doces, amendoim e fazendas. Mintaha Alcuri conclui que o mascate libanês esteve em todo o território capixaba.


Foram cadastradas as seguintes categorias ocupacionais: comerciantes de fazendas, donos de quitanda, secos e molhados, gêneros alimentícios, confeitaria, donos de botequim, depósitos e charutaria, ourivesaria, donos de pensão, fábrica de bebidas, sapateiro, entre outros. Muito deles, nos diz o autor, prosperaram de tal forma que se tornaram grandes atacadistas ou senhores de indústrias.


Em entrevistas realizadas Mintaha Alcuri descobriu que existia um grande número de libaneses ligados à agricultura, nos anos de 1920. Alguns deles ocupavam terras devolutas do Estado e, naturalmente, o processo de legalização era muito difícil e moroso, principalmente para estrangeiros. É certo que a agricultura não foi a atividade preferencial. No entanto, a maioria do que a eles se incorporaram tornaram-se grandes proprietários.


A década de 1920, nos mostra o autor, foi o período de consolidação do comércio libanês de Cachoeiro de Itapemirim. A mobilidade dos libaneses em Cachoeiro foi favorecida, em certo modo, exatamente por sua condição de cruzamento de vias férreas e como escoadouro de produtos da região. Como centro convergente, foi também cidade dormitório. Nesta cidade, nos diz Mintaha Alcuri, os libaneses não se fixaram apenas na sede do município. Estabeleceram-se, também nos distritos.


Ocuparam prédios localizados no centro da cidade e em zonas comerciais, já que serviam ao mesmo tempo de comércio e residência. A medida que prosperavam no comércio ou na pequena indústria, aplicavam o seu capital na compra de imóveis.


Em alegre os libaneses que ali se instalavam se incorporavam a todos os ramos de atividades. É possível constatar, argumenta Mintaha Alcuri, que, desde o inicio do século XX, o ritmo de penetração e envolvimento dos libaneses na região era bastante expressivo.


A BUSCA PERMANENTE DA IDENTIDADE


O imigrante libanês, portanto, como nos mostrou o autor, inseriu-se na sociedade capixaba através do exercício de determinadas atividade econômicas. Ocupou, portanto, posições definidas no quadro geral da economia. Sendo capaz desse modo de superar as dificuldades de adaptação e, ao mesmo tempo, de preservar os valores e tradições que asseguravam sua própria identidade nacional e social. Esse ideário, manifesto na manutenção e/ou criação de modalidades diversas de comportamento social, seria a base de uma “ideologia étnica” transmitida no discurso centrado na trajetória “turco, sírio, libanês”.


A consciência de que sua legitimidade social e sua conseqüente ascensão estavam totalmente dependentes de sua situação econômica e dos êxitos que pudessem alcançar. O desejo de enriquecer permeou todos os movimentos de adaptação e todos os passos da construção de suas vidas neste país. Esse imigrante despendeu-se de esforços possíveis para se livrar da situação de “turco”, apelido que, antes de tudo, lembrava sua condição de oprimido.


Três momentos de suas vidas no Brasil, a saber: a chegada com o passaporte turco, o momento de adaptação econômica e o estabelecimento de um negocio próprio ou afirmação em torno de uma atividade econômica específica.


Um fato que deve ser mencionado é que o libanês sempre sentiu-se ligado à sua comunidade de origem.


As dificuldades dos primeiros momentos foram superadas à medida em que se adaptavam e se firmavam economicamente. Sem dúvida, o imigrante libanês teve como propósito o anseio pelo sucesso fácil e de retorno ao Líbano. Para a maioria dos libaneses a sua estada no Brasil era transitória.


Os depoentes sempre ressaltaram as saudades que sentiam de sua terra e dos parentes que haviam deixado lá. Muitos, entretanto, nunca puderam retornar porque seus negócios ou seus recursos não o permitiam.


Quanto ao casamento misto o imigrante ressaltava a dificuldade da língua e dos costumes. Os brasileiros, além disso, viam no “turco” o déspota, o polígamo, que escravizava mulheres – influências das lendas do oriente, nos diz Mintaha Alcuri. Os imigrantes não só alegavam as diferenças culturais como também criavam um estereótipo negativo da mulher brasileira, alegando que eram “indolentes e gastadeiras”. O casamento ainda obedecia o padrão tradicional, da escolha dos noivos e de um acordo estabelecido entre os próprios pais.


A mulher exercia um papel preponderante na vida do imigrante libanês. No lar, na educação dos filhos, nas atividades comerciais, a sua presença foi marcante. Havendo casos, nos mostra Mintaha Alcuri, de mulheres que, após o falecimento do marido, assumiram os negócios. Muitas chegaram a formar grandes empresas.


A diversidade religiosa foi um grande obstáculo para o casamento dos libaneses. Os maronitas eram os maiores discriminadores dos drusos, por motivos históricos. Mintaha Alcuri enfatiza que, não foram transportados para o Brasil as rivalidades religiosas. Mas, de certa forma, foram mantido grande distanciamento entre os grupos.


Os libaneses do Espírito Santo também ergueram seu clube, situado no município de Vila Velha, o melhor do estado, chamado de Palácio de Mármore. O clube libanês do Espírito Santo foi fundado em 7 de março de 1937, ma cidade de Vitória, posteriormente foi construído o libanês da Praia da Costa, em Vila Velha.


CONCLUSÃO


O autor nos mostra, portanto, que o processo de inserção do imigrante libanês na economia e na sociedade capixaba está diretamente relacionada ao quadro mais amplo da vinda dos europeus para o Brasil e daqueles que chegaram ao Espírito Santo entre 1910 e 1940. Ao mesmo tempo, esse processo esteve afetado pelas inúmeras alterações que ocorriam na vida social e política brasileira.


Fatores determinantes e dominantes da imigração tais como: as pressões demográficas, o desemprego e as diversas crises ocorridas. Esses fatores vieram de encontro às necessidades básicas da economia brasileira, especialmente no que se refere à carência de mão de obra decorrente do desenvolvimento da lavoura cafeeira e do desenrolar dos primeiros momentos da afirmação do setor industrial de produção. Uma das características específicas da imigração libanesa no Brasil, que fugiu ao padrão de imigração dirigida, em massa.


O comércio foi sua opção natural. No Espírito Santo, os imigrantes libaneses monopolizaram as pequenas empresas comerciais e indústrias. Assim gradativamente, nos diz Mintaha Alcuri, o imigrante libanês foi penetrando na economia local.


Quando a sua inserção na sociedade brasileira, o libanês apresentou peculiaridades que distinguiram seu processo e definiram, de forma definitiva, sua fixação no Brasil. Sinais de incorporação definitiva à sociedade brasileira podem ser observados nos casamentos mistos a partir da terceira geração de libaneses.


O mais importante, porém, foi observar que o processo de adaptação e de inserção do imigrante libanês à sociedade brasileira, com base nos estudos no Espírito Santo, significou antes de tudo um processo de libertação. O Brasil, para o imigrante libanês, representou a recuperação de sua identidade, comprometida enquanto povo oprimido, expulso de sua terra. O que se podia conquistar, mais do que a riqueza, era a liberdade.


Bibliografia:


CAMPOS, Mintaha Alcuri.. INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Turco pobre, sírio remediado, libanês rico: a trajetória do imigrante libanês no Espírito Santo (1910/1940). Vitoria: Instituto Jones dos Santos Neves, 1987. 159p.

4 comentários:

As Tertulías disse...

meu querido amigo, interessantíssima postagem. voce, como sempre, só nos enriquecendo com tanto conhecimento, tantas pesquisas... maravilha, e como se diria em Franca, "Chapeau"!
Ricardo

História é Pop! disse...

Deixei um selinho lindo para você no Vintage. Passa lá e pega tá!?

bjim

Boa noite

Cristiano Contreiras disse...

Caríssimo, Douglas

Muito bom seu espaço, extremamente de bom gosto e tem seriedade no que faz. Parabéns pela abordagem e iniciativa do blog, e vejo também que é um profissional que visa o respeito e inteligência.

Volto mais vezes aqui, serei novo seguidor. abs

Luiz Quintanilha disse...

Ouvi minha mãe falar sobre uma ação que até teve um nome, não me lembro agora, por volta de 1940 quando turcos, sírios e libaneses foram expulsos de Vitória causando um conflito com muitas vítimas e mortes.