Por Douglas Barraqui
“Liberdade, igualdade, fraternidade, individualismo, racionalismo”; Os alicerces da nossa sociedade foram construídos sobre os valores renascentistas, estes por sua vez buscaram entre gregos e romanos sua inspiração. Um desse legados é o “Humanismo Cívico”. Neste breve texto iremos abordar dois autores e o debate que eles fazem a cerca do “Humanismo Cívico” ou “Republicanismo Clássico”: Quentin Skinner, historiador Britânico, e Hans Baron historiador alemão que pesquisou o pensamento político e literatura no Renascimento italiano - sua principal contribuição para a historiografia do período foi a introdução, em 1928, o termo humanismo cívico.
E o que seria o “Humanismo Cívico” ou, como preferem alguns autores, “Republicanismo
Clássico”? é a doutrina segundo a qual a verdadeira natureza do homem se
realiza no engajamento da vida política. Ele tende a ver a vida moderna como
uma degeneração da vida humana, porque está concentrada demais nas idéias de interesse
particular e felicidade individual. Para o “civista”, a verdadeira república é
vivida onde os homens se entendem como cidadãos antes que como indivíduos, onde
se consideram livres quando participam da tomada de decisões, e não quando são
menos coagidos por elas. Trata-se, portanto, “de uma nova filosofia de
engajamento político e da vida ativa”; pautada pelo exercício da prática da
vida cívica (vida pública) e da valorização da vida ativa. Assim, o “Humanismo
Cívico” ou “Republicanismo Clássico” passou a ser um modelo de interpretação da
história do pensamento político moderno.
Trata-se de uma tese de Hans
Baron, importante historiador do século XX. Para Baron Florença, no contexto do
Renascimento, será o centro difusor da Itália e para o mundo do que Baron
chamou de “Humanismo Cívico”. Para Baron o “Humanismo Cívico” é uma
característica singular da Florença renascentista e que de Florença se irradiou
para outros lugares.
Hans Baron |
Baron considera que o
desenvolvimento do “Humanismo Cívico” tem relação direta com a luta por
“liberdade cívica” que os florentinos foram forçados a travar, na primeira
metade do século XV, contra Giangaleazzo Visconti, o duque de Milão, quando
este declarou guerra a Florença. E quando Giangaleazzo morre em 1402 pela peste
– o que salvou Florença da derrota, considerado por alguns como milagre – seu
filho, o duque Filippo Maria Visconti de Milão assumira os objetivos do pai. A
guerra durou até 1454 quando Cosme de Médici consegue negociar a paz.
Os acontecimentos acima
relatados foram utilizados por Baron para pontuar o surgimento do “Humanismo
Cívico”. Para isso irá se utilizar de uma série de autores que discutiram as
questões políticas em Florença no início do quatrocentos. A “postura solidária”
que Florença tomou frente aos déspotas que ameaçavam a sua soberania é
interpretada por Baron como catalisadora de uma nova consciência e mais intensa
da vida pública: um novo tipo de humanismo pautado pela devoção das liberdades
coletivas e uma nova política de engajamento da vida ativa política.
Em Baron o “Humanismo
Cívico” é uma resposta a crise de Florença. Em meio a ameaça a independência de
Florença irá ocorrer uma maior valorização dos valores republicanos.
Basicamente uma relação de causa e efeito: ameaça a Florença/surgimento do “Humanismo
Cívico”.
Quentin Skinner, historiador
Britânico, não contesta ou questiona o “Humanismo Cívico”. O que ele pondera é
que os valores do “Humanismo Cívico” – engajamento da vida política, a vida
ativa e a defesa dos valores republicanos – não é algo exclusivo de Florença.
Quentin Skinner |
Para Skinner o “Humanismo
Cívico” já era embrionário nos surgimentos das Cidades Estados italianas no
confronto com o Sacro Império no século XII e no conflito com os papas no
século XIV. Neste contexto, ainda na Idade Média, vários autores já conclamavam a defesa dos
valores republicanos como justificativa ideológica para legitimar o
enfrentamento dos adversários de Florença que ameaçavam a sua liberdade. Dentre
eles Marsílio de Pádua, que em seu texto, “o defensor da paz”, defendeu o
republicanismo e a soberania popular.
Skinner pontua também o que
há de original e exclusivo em Florença quanto à caracterização do “Humanismo
Cívico”:
- Defesa
da República como melhor forma de governo: Baron diz que Salutati havia
sido o primeiro a afirmar a República como melhor forma de governo.
Skinner por sua vez diz que tanto Bartolommeo quanto Marcílio já haviam
feito isso.
- Noção
de liberdade republicana: relacionada desde Aristóteles a Rousseau a idéia
de autogoverno e independência.
- Faccionismo
ou partidarismo: a este ponto desta Skinner que não foi dado grande
importância por autores florentinos pois ali não havia conflitos de
facções.
- Riqueza
excessiva: a República atua como limitadora da riqueza excessiva.
- Tropas
mercenárias: não aparece na literatura medieval mas, Leonardo Bruni irá
condenar pois estes mercenários não lutavam pelos valores da República e
sim pelo butin e/ou pelos seus soldos.
Assim podemos perceber que
Baron não percebeu a relação entre o “Humanismo Cívico” florentino e as
tradições medievais. Baron exaltou Florença e seu exclusivismo no surgimento
dos valores do “Humanismo Cívico”, porém, Skinner vai nos dizer que estes
valores surgem bem antes, ainda na Idade Média. Skinner ainda destaca o
elemento de continuidade para contestar as idéias de Baron.
Podemos dizer
que do “Humanismo Cívico” será feita uma releitura no século XVIII na
Revolução Inglesa e na Revolução Francesa. E que essa teoria é um marco
no entendimento do pensamento político moderno.
Referências:
SKINNER,
Quentin. A formação do pensamento político moderno. São Paulo, Companhia das
Letras, 1996.
2 comentários:
Bela explicação, elucidou bastantes pontos divergentes entre os autores. Agora espero tirar uma boa nota em História das Relações Internacionais na Idade Moderna.
Muito obrigado pelo texto!! Me ajudou muito com a minha cadeira de História Moderna I.
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