Proclamação da República, 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto(1853-1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo |
Por Douglas Barraqui
O que se segue meus caros leitores é uma breve análise econômica, social, cultural e política no contexto da república oligárquica e federalista brasileira, bem como uma analise crítica do real significado das contradições e respectivas manifestações que acarretaram a crise final da primeira república. É este, portanto, um levantamento para primeiras análises centrado principalmente nas obras de Cláudio H. M. Batalha, Mônica Pimenta Velloso, Mário Cléber Martins Lanna Junior, Maria de Morais Ferreira e Sumara Conde Sá Pinto.
Análise econômica
O golpe de 15 de novembro foi resultado da conspiração de militares do exército e da armada, representantes da cafeicultura paulista, das elites gaúchas e positivistas. Durante, basicamente três séculos a política econômica colonial e, também, imperial brasileira tinha como principal objetivo o abastecimento do mercado externo de gêneros agrícolas de origem tropical. O advento da República, praticamente, não alterou essa realidade, apesar do relativo crescimento industrial e da modernização dos principais centros urbanos do país.
A expansão da economia cafeeira iniciou-se por volta de meados do século XIX. E já em 1840 era o principal produto da nossa pauta de exportação. De 1891 até 1928 houve uma grande dependência financeira bem como econômica em relação à exportação do café. [1] A partir desse ponto é muito comum associar a expansão da economia cafeeira a urbanização e a industrialização do país. E, mais ainda, fatores como: a abolição da escravatura; a própria proclamação da República; a urbanização e a própria industrialização acabaram sendo creditadas aos fazendeiros paulista, agentes da modernidade. É necessário destacar que não há necessariamente uma associação linear e inequívoca entre abolição, República, economia cafeeira, industrialização e urbanização, ou seja, as relações históricas entre esses fenômenos são complexas e contraditórias. [2]
Podemos sim ver que já nas primeiras décadas da república a indústria implantada na região cafeeira, com exceção a Minas Gerais, compunha-se de grande unidade fabris que concentrava parte significativa do capital e do operário nacional. Houve assim, entre 1889 e 1896, um crescimento na acumulação industrial, tendo o ritmo do crescimento diminuído em 1897 e 1904, para então voltar a crescer a partir de 1905 até 1914. [3] O desenvolvimento da indústria a partir do início do século XX foi beneficiado com a expansão da economia cafeeira: a ampliação da área de plantio era geralmente precedida pelas ferrovias, com a finalidade de promover o escoamento até os portos, principalmente Santos e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo surgiam novos núcleos urbanos e com eles ampliava-se a necessidade de consumo e a demanda por abastecimento. Uma parte significativa dessas necessidades era satisfeita com importações, a outra parte, que foi ficando significativa ao decorrer do tempo, passou a ser abastecido pela indústria nacional em expansão. Houve , portanto, uma tendência crescente para a concentração da indústria nas regiões de maior dinâmica da economia cafeeira.
Podemos concluir então que em uma análise econômica, a indústria brasileira se processou em conjunto com a expansão cafeeira, isto é, no momento em que ocorria o vazamento de capitais. Esse foi um dos motivos que explica a sua concentração nas zonas de expansão, o que também não significa que não houve indústrias em outras regiões, nestas o ritmo foi apenas mais lento.
Análise social
Durante a primeira república embora o Brasil houvesse dado passos importantes para seu processo de industrialização, urbanização e modernização de sua economia, o regime oligárquico representou uma série de obstáculos para o desenvolvimento e a ampliação da cidadania e da democracia. A fim de analisar a sociedade da primeira República partiremos dos operários e de sua formação como classe de trabalhadores.
A formação da classe operária é constantemente pensada como um fenômeno simples e puramente econômico e associado ao desenvolvimento industrial do país. Contudo, é necessário salientar que a existência de trabalhadores fabris, por si só, não assegura a existência de uma classe. A formação de uma classe operaria no Brasil foi um processo gradual, em que essa formação pode ser percebida na medida em que concepções, ações e instituições coletivas, de classe, puderam ser percebidas.
Outro ponto que devemos destacar é o fato de que uma parte significativa desses operários eram imigrantes, homens que atuaram em sua totalidade quer seja no trabalho manufatureiro, quer seja nas indústrias. Assim durante muito tempo elaborou-se uma correlação direta entre a presença de imigrantes no Sudeste e no Sul do país e a militância do movimento operário, bem como a difusão de certas ideologias. Os estudos, contudo, mostraram que a maioria desses imigrantes vinha do campo, e na maioria dos casos não tinham qualquer experiência com organização sindical ou política. Então Cláudio H. M. Batalha conclui que:
Os segmentos de classe operária que mais facilmente se organizaram, em muitos casos desde o século XIX, foram os trabalhadores qualificados, detentores de oficio. [4]
E foi pela liderança desses trabalhadores qualificados que o movimento operário foi moldado pelo discurso e pelas formas de se organizar desses trabalhadores.
Assim o surgimento da classe operária brasileira, como uma realidade histórica, só pode ser observada a medida em que os interesses coletivos se sobrepuseram aos interesses individuais. Portanto, não podemos associar o surgimento da classe operária como um resultado mecânico da existência da indústria ou, e tão menos ainda, com a abolição da escravatura.
Em uma análise de linhas mais gerais, durante a primeira República, as oligarquias rurais e alguns industriais urbanos eram os setores que detinham os maiores poderes, privilégios e importância. Gradativamente a burguesia urbana passou a se impor e a garantir uma maior participação nas decisões. Os intelectuais objetivavam uma renovação cultural. Consequentemente aqueles que se opuseram e resistiram ao modelo, conhecido como República Oligárquica, foram classificados como “tradicionais, atrasados e bárbaros”. [5] Movimentos sociais urbanos e rurais a exemplo de Revolta da Vacina, Revolta dos Marinheiros, Canudos e Contestado eram resachados como desvios indesejáveis que divergiam da ordem vigente e deviam ser violentamente combatidos.
Podemos concluir, portanto, que a partir do final do império e durante a primeira República a sociedade brasileira se diversificou. Além das oligarquias rurais e da burguesia urbana gradativamente as classes médias ascendem no cenário de luta política alia-se a esse fato a formação da classe operária.
Analise cultural
Os anseios pela modernidade se tornaram cada vez mais evidentes na virada do século XIX para o século XX. A música, a literatura e as artes plásticas vão expressar muito bem os valores dessa cultura. Internacionalmente o modernismo surge no vapor da industrialização e da urbanização do meados do século XIX. No Brasil costuma-se colocar como marco inicial para o início do modernismo a Semana da Arte Moderna de 1922. Entretanto, esse processo, vai nos dizer Mônica Pimenta Velloso, é bem mais amplo e complexo.
Meio século antes de acontecer em são Paulo , a Semana da Arte Moderna, já existia no Brasil um movimento literário que foi denominado pelo crítico da história José Veríssimo de “modernismo”. [6] Personagens como Tobias Barreto, Silvio Romero, Graça Aranha, Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha destacaram-se como intelectuais que compunham a chamada “Geração de 1870”. No Brasil o modernismo terá a Guerra do Paraguai (1865-1870) como um divisor de águas entre o antigo e o moderno.
É necessário deixar claro que, antes mesmo da Semana da Arte Moderna, já existiam tradições filosóficas no pensamento brasileiro que foram retomadas e, também, reelaboradas, ao longo da década de 1920. O que ocorre é que grande parte da nossa historiografia não estabelece um vínculo de continuidade entre o pensamento dos intelectuais da geração de 1870 e os da geração de 1920.
Portanto, o modernismo não chegou ao Brasil da noite para o dia. É fruto de um longo processo feito de avanços e recuos, inovações e contestações, frutificando polêmicas. Em uma sociedade em que a falta de um dispositivo amplo constitucional, que assegurasse à acessibilidade a educação a todos, o modernismo se alocaria como uma cultura acessada pela elite. A Semana da Arte Moderna de 1922 pode ser tomada como um marco simbólico desde que não se deixe de fazer uma reflexão sobre as verdadeiras raízes do modernismo no Brasil.
Analise política
O advento da república é, ao mesmo tempo, ambíguo e contraditório. O pressuposto teórico de uma República é o de um governo destinado a servir à coisa pública e ao interesse coletivo, mas o verdadeiro significado da república brasileira foi de um regime limitado no processo histórico de construção da democracia e de expansão da cidadania no Brasil.
O conceito de República oligárquica brasileira é atribuído ao período que vai de 1894, com o governo paulista de Prudente de Morais, até 1930. Foram um pouco mais de 30 anos de um sistema baseado na dominação de uma minoria e na exclusão de uma maioria do processo de participação política. Para compreender o arcabouço político desse período é necessário ter em mente vocabulários como coronelismo, oligarquias e política dos governadores.
A carta constituinte dos Estados Unidos da América serviria como modelo para a primeira constituição republicana, a de 1891. O Brasil se enquadrou em uma realidade distante que era a tradição liberal, norte americana, de organização federativa e do individualismo político e econômico. Podemos ainda dizer que, mais que o individualismo, é o federalismo a grande inovação da constituinte de 1891.
O federalismo substituiu a centralização do império e conferiu aos estados e municípios uma significativa soma de poderes. Sobre esse princípio é que edificou-se a força política dos coronéis, grandes latifundiário que exercem grande liderança local, a nível municipal e das oligarquias nos níveis estadual e federal.
Na tradição dominação do poder privado, o coronelismo demarca uma mudança em aspecto qualitativo. Embora também uma forma de exercício de poder privado, ele não é uma prática. O coronelismo tem uma identidade específica, constitui um sistema político e é um fenômeno datado. [7] Quanto as Oligarquias Maria Efigênia Lage de Resende analisa da seguinte forma:
A geografia das oligarquias dominantes é muito relevante para se entender a dinâmica do sistema. Há estados em que a disputa pelo poder está mais institucionalizada. Neles, o partido estadual funciona como uma estrutura de agregação dos interesses, fato que torna a violência menor. Estão nesse caso Minas Gerais e São Paulo. Em Minas Gerais , Partido Republicano Mineiro congrega os interesses de grupos familiares dominantes nas diversas regiões do estado marcadas, pelas suas origens históricas, por atividades econômicas diferenciadas. Em São Paulo , o Partido Republicano Paulista congrega os interesses dos cafeicultores, representantes da economia dominante e praticamente, à época, exclusiva do estado. [8]
Podemos concluir a partir dessa análise que se o federalismo possibilita a emergência de oligarquias e dos coronéis em seus respectivos âmbitos de atuação, a preponderância dos interesses individuais acabaram por impedir que os temas da nação, a exemplo da cidadania, conseguisse posição importante na agenda política no período da república oligárquica. Outro exemplo é a questão do voto, embora a Constituinte de 1891 tenha ampliado juridicamente a participação política pelo voto e pelo direito de associação e reunião, a verdadeira face da realidade que se impõe é a negação da idéia de participação política. Nos municípios o controle dos coronéis sobre o voto chama a atenção para a questão das fraudes eleitorais. Foram muitos os subterfúgios de falseamento das eleições no chamado “voto de cabresto”.
Foi Campos Sales, que governou o Brasil de 1898 a 1902, que idealizou o arranjo político denominado de “política dos estados” e que ficará conhecido como “política dos governadores”. Para Campos Sales dois princípios eram fundamentais para a estabilidade da República: o primeiro, de natureza política, faz referência à necessidade de estabelecer princípios que harmonizem o poder executivo e o legislativo. O segundo refere-se às questões de natureza econômica. Sales concebia que a estabilidade monetária e financeira estava condicionada à estabilização política. Essas seriam então as razões básicas e imediatas para a formulação da política dos governadores.
Seu objetivo é o estabelecimento de relações de compromisso entre executivo federal e os executivos estaduais, de modo a possibilitar a formação de um legislativo coeso no plano federal, visando dar sustentação às políticas a serem implantadas em seu governo. [9]
Podemos concluir que a política dos governadores consolida de imediato o domínio das oligarquias estaduais e as forças dos coronéis nos municípios. Afastando a possibilidade de surgirem partidos nacionais, bem como de uma oposição no plano legal. Coronéis e oligarquias, portanto, marcaram o sistema político na primeira República. Denominada por alguns autores como sistema político oligárquico, ou ainda, como sistema político coronelístico, o mais importante é constatar que o sistema político que prevaleceu na República Oligárquica inviabilizava o conceito pleno de República.
Para concluir
O que você acabou de ler meu caro leitor é apenas um breve tracejo sobre uma análise em aspectos gerais de um pedaço, período republicano, da história do Brasil. A função dessas poucas palavras e auxiliar em um direcionamento em caráter mais gerais de pesquisas. Espero ter ajudado.
Referências:
[1] NETO, José Miguel Arias. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. nv. (O Brasil republicano). P. 210-212.
[2] NETO, José Miguel Arias. Op. cit. p. 195.
[3] NETO, José Miguel Arias. Op. cit. p. 217.
[4] BATALHA, Cláudio H. M. Formação da classe operária e projetos de identidade coletiva. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. nv. (O Brasil republicano). P. 170.
[5] NETO, José Miguel Arias. Op. cit. p. 194.
[6] VELLOSO, Monica Pimenta. O modernismo e a questão nacional. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. nv. (O Brasil republicano). P. 354.
[7] RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na primeira Repíblica e o liberalismo oligárquico. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. nv. (O Brasil republicano). P. 95-96.
[8] RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Op. cit. p. 97.
[9] RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Op. cit. p. 114.
Bibliografia:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. nv. (O Brasil republicano).
Um comentário:
Narração histórica muito bem contextualizada. Meus sinceros parabéns por essa grande obra.
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