sábado, 15 de janeiro de 2011

Para que serve a história: um exercício prático

Por Douglas Barraqui

Meus alunos e até mesmo alguns amigos me perguntam: por que é que se estuda o passado? Afinal de contas o passado passou é imutável; e eu respondo: por causa do presente. Mas, como isso funciona? Faremos um exercício prático para isso e primeiro preciso que você, meu caro leitor, assista o vídeo abaixo:


A caça as bruxas é um tema badalado nos estudos históricos, todavia é frequente da Idade Média e quando nos deparamos com as “crianças bruxas na África” em pleno século XXI o que devemos fazer? Aqui podemos recorrer a Marc Léopold Benjamim Block quando ele defende que problema é algo que acontece no campo da realidade, que nos incomoda, que nos estimula a buscar explicações, problemas são /estão no presente. A capacidade de analisar os fenômenos complexos da realidade a partir da sua complexidade é justamente o que distingui a História de outras disciplinas. O que acontece é que os historiadores são descompromissados com o presente. Por isso é que as pessoas se perguntam: para que serve a História?

O tema as “crianças bruxas na África” é motivo de debate para a mídia, para os direitos humanos, governos e especialista acadêmicos (os intelectuais). E como a história poderia estudar esse tema? Vejamos: a mídia, como é muito comum, transforma a notícia em espetáculo com uma postura moralista em seu fundo; acabam condenando os pastores neopentecostais (vistos nos vídeos acusando as crianças de serem bruxas) de agirem de má-fé, visando o enriquecimento particular; e o moralismo midiático nos ajuda a conceber um fenômeno complexo do presente. Resumindo a imprensa cumpre seu papel de informar, chamando nossa atenção para um problema atual. Os grupos em sua grande maioria ONGs ligadas aos direitos humanos são levados pela emergência da situação e muitas das vezes não questionam a crença em questão. A postura dos governos e a de condenação, todavia, estamos falando de África e de países que sobrevivem precariamente com a falta de recursos.

Agora se formos fazer uma analise intelectual em toda a complexidade da historicidade do caso em questão teríamos que sim fazer uma analise histórica. Pois bem: a áfrica conheceu o cristianismo a partir das cruzadas do século XI, XII e XIII que levaram consigo a cruz e a espada pela África setentrional, mas de forma mais ampla, principalmente nas regiões que correspondiam ao antigo Reino do Congo, a introdução do cristianismo ocorreu a partir do século XVI. Entre as religiões do Reino do Congo, principalmente na cosmologia barongo, era comum crianças receberem espíritos benignos para fazer o bem para suas famílias.

Pesquisando mais sobre o caso descobrimos que até pouco tempo as acusações de bruxarias para com as crianças se mantinha no seio da família, geralmente em segredo. Mais recentemente que o tema tomou ares mais problemáticos atingindo a estrutura familiar e ferindo os direitos humanos.

Então temos um problema recente, um fenômeno recente. Alguns esperavam, e até mesmo chegaram a acreditar, que com a modernidade a feitiçaria iria desaparecer. Isso não aconteceu. Pois bem, como historiador apresento uma hipótese, para explicar o fenômeno das “crianças bruxas na África”: fazendo uma análise econômica percebemos que a partir dos processos de independência, os países africanos promoveram aberturas a modernização e ao processo de globalização. Tudo foi muito rápido, concentração de renda e desemprego, não deu tempo para os essas nações se prepararem estruturalmente.

Politicamente vários países africanos estiveram por anos imersos em guerra civil que produziu mortos, mutilados e crianças órfãs.

Em termos religiosos houve crescimento das Igrejas Pentecostais e em caráter familiar, a desestruturação da família por fatores mais gerais acaba levando pais e parentes a acusarem as crianças de bruxaria. As igrejas entram na sequência trazendo a suposta cura e ao mesmo tempo alimentando essa crença.

O que proponho então é a seguinte explicação: o desenvolvimento do capitalismo em sua fase neoliberal atingiu alguns países africanos, assolados por anos de exploração colonial e guerras civis, de modo a afetar suas organizações sociais. Sem recursos para as áreas de assistência social como emprego, educação, saúde, segurança entre outros, esses países assistem a desestruturação da organização familiar que buscam refugio no apego religioso. Entram em sena as Igrejas Pentecostais atuando alimentando a crença e em muitos casos extorquindo o pouco que essas pessoas têm. As “crianças bruxas na África” são na verdade só uma parte da desgraça social que recai sobre diversos países daquele continente no contexto pós-colonialismo.

Concluindo: essa é “a explicação”? certamente que não é a única. É claro que a intervenção da História neste problema não vai resolvê-lo. Mas, não pode se negar que ajuda a discutir melhor a relação entre os fatores e sua temporalidade. Fenômenos complexos como o caso das “crianças bruxas na África” exigem abordagens múltiplas para assim encontrar qual o melhor diálogo que pode ser estabelecido entre os diversos atores (família, lideres religiosos e autoridades). O que eu quis mostrar e que sim, a História pode contribuir com as problemáticas do presente, todavia a maioria dos historiadores não se interessam pelo presente. Devemos lembrar que a história é o estudo do homem no tempo, mas quem estuda essa homem está aqui no presente.

Referencias Bibliográficas:

OLIVER, Roland Anthony. A experiência africana: da pré-história aos dias atuais. Rio de Janeiro: J. Zahar, c1994. 313p.

SARAIVA, José Flávio Sombra. Formação da África contemporânea. 3. ed. - São Paulo: Atual, c1990. 66p.

PEREIRA, André Ricardo Valle Vasco. Descompromisso do historiador com o presente. Palestra pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Semana da História. Novembro de 2010.

2 comentários:

Professor Josimar Tais disse...

Ao estudar a História, descobrimos o mundo, conhecemos a sociedade a qual pertencemos, encontramos nossa identidade e nos tornamos sujeitos críticos e atuantes.

Pamella disse...

Olá Douglas,

Ver a história se repetindo sucessivamente em fatores que gostariamos já tivessem sido resolvidos não é tarefa fácil para o historiador. infelizmente a história não é linear, e por isso é fundamental conhecer e pensar história. Somente nós historiadores, e aqui eu não vou ser modesta, temos uma base muito forte para explicar esses fenômenos, não desmerecendo os outros especialistas. Mas fomos "treinados" a pensar essa repetição de eventos para podermos, juntamente com outros interferir nesse tipo de situação.

Parabéns pelo blog.

Abs
Pamella