BRUXAS
Por Douglas Barraqui
Introdução
O imaginário do homem talvez nunca tenha explorado tanto um paradigma, para representação a concepção do que seria o mal, como explorou as bruxas. Velha encarquilhada, manipuladora de “magia negra”, sentada em uma vassoura voadora, com um verruga no nariz e com uma gargalhada assustadora. Um estereótipo perfeito para os filmes e desenhos animados, mas para historiografia contemporânea as bruxas não passavam de sábias mulheres que detinham farto e raro conhecimento sobre a natureza e, possivelmente, magia. Com esse artigo pretendo, com base em fatos históricos, contar a verdade empírica a mercê das bruxas. Proponho ao meu caro leitor que leia o mesmo com os olhos de um espectador curioso e não como um historiador, pois assim a leitura será mais agradável.
Origem
A nomenclatura “bruxa”, em sânscrito (língua da Índia), faz referência e quer dizer “mulher sábia” ou “sabedoria feminina”. Não se sabe a exata origem das bruxas, todavia é consenso entre a historiografia que se seguirmos a sua definição ao pé da letra elas existam desde os primórdios da humanidade. E será por intermédio do cristianismo que a bruxa tomara conta do imaginário popular como a representação do mal.
É fato que a prática de bruxaria envolve rituais dotados de grande simbologia, sendo assim podemos perceber tais rituais desde os tempos neolíticos, a aproximadamente vinte e cinco mil anos. Como sabemos isso? Através de pinturas rupestres em fundo de cavernas que indicam rituais de adoração a espécie de deuses que traziam fertilidade para os povos primitivos. É sabido que experiência visionárias, rituais de caça e cerimônias de cura sempre estiveram presentes com suas devidas simbologias, metáforas em diversas sociedades e culturas.
Na Idade Média, uma mulher que conseguisse poder (recomendo que o leitor considere todos os parâmetros semânticos da concepção de poder para compreender este caso em específico) poderia ser considerada uma bruxa em potencial e cabe salientar que o mundo nesse contexto histórico está imerso na concepção da igreja de mundo.
O fato é que, sem mito algum, as bruxas eram apenas mulheres. Mulheres que detinham vasto conhecimento sobre o emprego da natureza, como nos casos da utilização de ervas medicinais. O resto não passa de retoques do imaginário popular bem como de uma instituição religiosa que se aproveitava de todas as situações a fim de criar um discurso para se justificar frente a um homem cada vez mais racional. A própria igreja, que criou um discurso incrustado em uma sociedade patriarcal, colocou as mulheres em segundo plano, sendo consideradas fonte de pecado, utilizadas pelo diabo. Em muitos dos casos bastava à mulher perder a hora de acordar que o marido prontamente a acusava de estar sonhando com o demônio.
Pois bem, até então fiz uso da historiografia contemporânea a fim de estabelecer uma origem para as bruxas. Agora recorro, a fim de embelezar e encalçar ainda mais meu artigo, a boa e velha história da arte. Assim trago uma nova palavra para meu leito: “Wicca”. Uma palavra de origem inglesa, propriamente dito do inglês arcaico, que quer dizer bruxo. Em alguns livros talvez encontre o significado “sábio”. A palavra tem sua origem na raiz indo-européia “wikk”, que significa “magia”, “feitiçaria”. Atualmente as pessoas tem utilizado a palavra bruxaria como uma espécie de sinônimo para a palavra wicca, que para uns é uma “bruxaria neo-pagã”. De fato, a Wicca como uma espécie de “bruxaria neo-paga” teve início nos anos de 1940 e 1950 com os escritos de Gerald Brosseau Gardner.
A bruxaria
Alguns consideram a bruxaria como uma religião da natureza. O que pode ser dito com certeza, é que se trata de uma crença que antecede o cristianismo, e em minhas leituras não encontrei em nenhum momento, em termos de contexto histórico em especial, que a bruxaria se opõe aos ensinamentos de Jesus. O fato é que durante a Idade Média, a Igreja Romana, com o objetivo de justificar seu valores espirituais terrenos espreitou as bruxas como uma manifestação maléfica aos moldes dos conceitos do cristianismo, tornando-as verdadeiros “bode expiatório”. Tal fato culminou na morte de centenas de milhares de pessoas, quando a caça as bruxas tornou-se uma verdadeira histeria religiosa.
Na Idade Média em especial, envolta em todas suas práticas intituladas pelo cristianismo como pagãs, a prática da bruxaria estava muito enraizada entre a sociedade européia. “[...] a mulher representava a base fundamental da fertilidade, o corpo feminino era reverenciado como foco de força divina; doadora da vida.” Logo, quase todas as mulheres podiam ser consideradas bruxas, uma vez que sabiam mais sobre superstições, encantamentos e plantas medicinais do que muitos homens. É bem verdade que, entre as tribos de povos bárbaros, era muito comum as mulheres cuidarem das plantações enquanto os homens cuidavam do pastoreio e da pilhagem, consequêntimente as mulheres acumularam maior conhecimento sobre as forças da natureza: utilizaçõe de plantas para diversos fins incluído medicinais, também conheciam os ciclos lunares, dos ventos, das chuvas, estrelas e planetas; claro, não se compara ao conhecimento a disposição nos dias atuais, e também podemos dizer que muito se perdeu com o passar do tempo.
Phillipus Aureolus Theophrastus Bumbastes von Hohenheim, mais conhecido no meio acadêmico pelo pseudônimo “Paracelso”, considerado uma das figuras erráticas do renascimento, grande conhecedor de medicamentos disse que as bruxas tinham ensinado tudo o que ele sabia sobre cura. O carcereiro do Castelo de Canterbury (construído no século XI pelos normandos) em 1570 soltou uma bruxa tida como condenada, justificando com a opinião popular, que ela sozinha era melhor para tratar dos doentes do que qualquer padre exorcista.
O estudioso norte americano de mitologia e religião comparativa Joseph John Campbell afirma: "Não resta dúvida de que nas épocas mais remotas da História do Homem a força mágica e misteriosa da Fêmea era tão maravilhosa quanto o próprio Universo; e isto atribui à mulher um poder prodigioso, poder este que tem sido uma das principais preocupações da parte masculina da população — como quebrá-lo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins.” Campbell percebe que a ruptura na relação homem e mulher teria preponderante papel nas mitologias de diversas sociedades; em termos práticos a visão patriarcal da igreja teria contribuído para uma turbulenta relação social entre homem e mulher, bem como questionamento segundo os dogmas da bíblia do papel da mulher junto ao homem, com isso pode-se cogitar em explicar a perseguição as mulheres, tidas como bruxas, na Europa medieval.
Bruxaria segundo as bruxas
De acordo com o Altar de São Cipriano, o termo bruxaria respeita as faculdades espirituais de uma pessoa, que geralmente se auxilia da prática de rituais mágicos produzir determinados efeitos na realidade deste mundo em que habitamos, procurando assim alterar essa mesma realidade. O objetivo destes rituais mágicos é por isso interferir, ou no mundo físico, ou nas pessoas que nele existem. Quando realizados os rituais para interferir no mundo físico em que habitamos, causam-se nele certos efeitos que segundo as leis da natureza não seria normal sucederem, e que são por isso “sobre-naturais”. Quando realizados os rituais para interferir com pessoas, então causam-se efeitos sobre o estado mental, ou físico dessa pessoa, ou mesmo altera-se a percepção que essa pessoa tem da realidade.
A caça às bruxas
Diferentemente do que muitos acreditam a caça às bruxas não foi um processo perpetrado pelo famigerado Tribunal da Santa Inquisição, mas sim por Estados e tribunais civis independentes sem quaisquer relações com a inquisição. Grande maioria das vítimas foi julgada e executada, portanto, por cortes seculares e locais. As vítimas de cortes religiosas em muitos casos recebiam melhores tratamentos e até podiam ter mais chances de serem inocentadas, tendo até punições mais brandas. O fato é que, a Igreja viu na caça as bruxas um aspecto fundamental no que tange a justificar a sua existência. Uma bruxa era algo muito mais palpável e justificável do que acusados de bigamia e sodomia.
De concreto podemos dizer que a caça às bruxas foi uma perseguição tanto religiosa quanto social, tendo seu início no final da Idade Média e alcançando a apoteose na Idade Moderna quando mulheres passaram a ser queimadas vivas em fogueiras, para alguns historiadores uma espécie de paranóia social.
O Malleus Maleficarum, com o título no Brasil de “martelo das feiticeiras”, é para alguns um magnífico manual para diagnosticar bruxas. Publicado no ano de 1487, sob a autoria dos inquisidores Heinrich Kraemer e James Sprenger, é um livro dividido em três partes: a primeira ensina como reconhecer uma bruxa; a segunda expunha os tipos manifestações malignas, explicando e classificando; e a terceira regrava as ações legais contra as então bruxas, era basicamente a demonstração de como deveriam ser condenadas. A obra foi amplamente utilizada como uma espécie de manual de caça às bruxas.
Um número que caminha, segundo pesquisas, entre 50 e 100 mil mortes. Algumas das centenas de vítimas adoravam entidades pagãs, mas eram uma minoria. Outras vítimas eram parteiras ou simplesmente mulheres com um arraigado conhecimento de medicina homeopática e fitoterapia, mas também não foram um número significativo. A maioria das mulheres que acabaram mortas era cristãs ou judia. De um número os pesquisadores tem como certo, o total de execuções de bruxas na Europa, com base em documentos dos julgamentos, foram de 12 mil. A maioria foi julgada e morta entre os anos de 1550 e 1650, nos então anos de maior histeria.
Quando os historiadores passaram a estudar os documentos dos processos de julgamento, deixando de lado o “achismo”, os casos mais famosos e as mitificações, outros olhos foram lançados para o processo de caça às bruxas. No passado acreditava-se em um número de nove milhões de vítimas, hoje, com embasamento empírico de análise documental, pode-se dizer que qualquer estimativa que supere os 100 mil é falsa.
Quem eram as verdadeiras bruxas
Mulheres inocentes de quaisquer crimes em meio à tortura promovida pelos inquisidores, produziam relatos e confissões, que não apenas lhes imputavam a culpa, mas confirmava o imaginário popular produzido e alimentado por um discurso teológico. É fato que grande parte das confissões foram obtidas sob torturas cruéis e para livrar-se do suplício as torturadas acabavam, inevitavelmente, concordando com o discurso teológico dos inquisidores. Itália, Alemanha, França foram alguns países em que a tortura foi utilizada de forma ampla.
Mas, estranhamente, em casos como de Salem, Massachussets, em 1692, onde não se tem histórico de utilização de tortura para conseguir a confissão, surge o mesmo tipo de depoimento das acusadas, que confirmava as acusações, se enquadrando novamente ao mesmo discurso teológico. Como explicar isso? Seriam verdadeiramente bruxas?
Em janeiro de 1692, na vila de Salem, colônia da Baía de Massachussets (Nova Inglaterra, atual cidade de Danvers nos EUA), Elizabeth Parris, de nove anos, e Abigail Willams, de onze, passaram a demonstrar estranhos comportamentos que iam desde gritos, ataques convulsivos passando por estados de transe. Outras meninas da vila também começaram a demonstrar mesmo comportamento. Sem uma resposta para o comportamento das meninas a saída foi apelar para o discurso teológico de que em Salem havia manifestações de bruxaria. Orações foram realizadas e para descobrir a identidade das bruxas um índio de nome Jonh teria assado um bolo feito com centeio e urina das garotas supostamente enfeitiçadas. Pressionadas para confessarem a fonte da bruxaria as meninas nomearam três mulheres, dentre elas a índia escrava de nome Tibuta. Sem qualquer tortura ela confessou ver o diabo, que aparecia para ela em forma de porco e às vezes em forma de um grande cão, e que em Salem havia um grande número de bruxas.
Para esse caso em especial alguém pode dizer que há algo de errado. Porque entre o confessar sob tortura, pura e simplesmente, e a assimilação de uma culpa dentro de moldes precisos existe uma disparidade. Seria Tibuta uma bruxa? Ou ela era simplesmente louca?
Carlo Ginzburg afirma que a resignificação das confissões das acusadas de feitiçaria por parte do inquisidor, fazendo com que elas se adequassem ao discurso teológico e, dessa forma, se enquadrassem às exigências legais que permitiriam a condenação, somente era possível devido à peculiaridade das crenças das acusadas. Essas acusadas estavam direta ou indiretamente inseridas no meio social da época e interpretaram o discurso teológico da época segundo os moldes que melhor as favorecia. Portanto a meu ver a escrava Tibuta poderia ter visto na acusação e em sua confissão a oportunidade de, talvez, punir as mulheres da vila que lhe haviam feito mal. Mas isso é “achismo” de mais, e não aponto um fato empírico que evidencie isso. O fato é que uma confissão frente ao inquisidor carregava não só o discurso teológico da época como também o peso da condição social da acusada.
Conclusão
A final de contas, bruxas existem? Em termos conceituais e etimológicos da palavra, como já vimos, sim. Mas dentro da mentalidade medieval podemos admitir uma ressalva: elas parecem ter existido apenas no imaginário popular em uma época em que a realidade, quando não explicada, era distorcida em forma de um discurso de medo, um discurso religioso.
Para os ditos intelectuais a existência de bruxas não passa de um devaneio da mente humana sujeita as diversas formas de “corruptibilidade”. Todavia, entre muitas culturas a crença se demonstrava fervorosa em poderes de feitiçaria.
A concepção de práticas de magia, heresias e bruxarias acabavam se confundindo no julgo popular pela falta das luzes da razão, graças à ignorância. Espetacularmente foi a partir da primeira inquisição, século XIII, que o cristianismo e sua representação iconográfica passou a representar o arcanjo decaído não mais com a figura de um anjo corrompido, mas com a aparência de deuses pagãos a exemplo de Pã e Cernunnos. Curiosamente tal fato levou a suposição de que bruxas eram adoradoras do demônio e é justamente aqui que encontramos a grande contradição desse tipo de discurso: se a figura do demônio faz parte do dogmatismo cristão, não pertence portanto a crença pagã e além do mais não se tem um personagem equivalente ao diabo em qualquer panteão pagão.
Sabemos que distorções da realidade são feitas em vários contextos da história e, por mais gritantes que sejam, cabe lembrar que o homem está sempre presente em seu curso, logo a realidade está sujeita a transformações e adaptações da mente humana constantemente sujeita a corrupção. As bruxas da idade média, portanto, é nada mais nada menos do que a ciência de hoje; que não podia ser explicada naquele contexto de paranóia religiosa.
Bibliografia:
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