Por Douglas Barraqui
Como historiador aficionado pelo passado, sempre
olhei entusiasmado para os acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889. Vejo
esse episódio importante da história do Brasil como um momento repleto de ação,
emoção e mesmo com uma pitada de aventura. Sei que a Proclamação da República e
seus desdobramentos não possuem lá grandes adereços dentro da nossa história,
mas, com esse fato único da história do Brasil, alguma coisa podemos aprender.
Como um rasto de
pólvora a notícia de que o Visconde de Ouro Preto, chefe do gabinete imperial
de D. Pedro II, havia mandado prender Benjamin Constant e Deodoro da Fonseca,
se espalhou pela capital Rio de Janeiro na noite do dia 14 de novembro de 1889.
Mais tarde saberemos, tratava-se de um blefe.
Visconde de Ouro Preto |
O golpe que
originalmente estava marcado para o dia 20 de novembro daquele ano, havia então
sido antecipado. Deodoro, antes indisposto ao golpe, pela sua amigável relação
com imperador D. Pedro II, agora se colocava à frente da “Revolução” com seus
soldados, pronto a fazê-la.
Já era noite e os
conspiradores republicanos se apressaram em fazer com que o blefe chegasse a
Deodoro. Mesmo sofrendo de desconforto para respirar que se estendia à
constante falta de ar, mal conhecido como dispnéia - naquela madrugada do dia
15, estava tão abatido que precisava da ajuda de dois oficiais para se virar - Deodoro acabou sendo convencido a liderar o
movimento. Talvez algo que tenha sido decisivo para que Deodoro tomasse a
frente do movimento foi saber que, a partir de 20 de novembro do mesmo ano, seu
grande rival Silveira Martins seria o novo presidente do Conselho de Ministros
do Império. Silveira Martins e Deodoro eram rivais desde os tempos das
investidas no Rio Grande do Sul. Ambos chegaram a disputar a atenção da bela e
viúva baronesa do Triunfo, que segundo conta os anais da história, preferira
Silveira Martins. Desde então ambos trocavam farpas.
Benjamin Constant |
Acreditando no boato,
recebido pela boca do Major Frederico Solón de Sampaio Ribeiro, de que seria
preso pelo governo imperial. Na manhã de 15 de novembro Deodoro, debilitado e
contrariando as ordens do seu médico Carlos Cross, pegou uma charrete em
companhia do alferes e seu primo Augusto Cincinato de Araújo e foi ao encontro
das tropas.
Na Rua Senador
Eusébio, altura do gasômetro, estavam as forças sublevadas que vinha na direção
contrária comandadas pelo tenente-coronel João Batista da Silva Teles, tendo ao
lado Benjamin Constant. Ao chegar no Campo do Santana, fraco e cambaleando o
marechal pediu para montar um cavalo. Temerosos de que o velho comandante não
tivesse forças para se manter sobre o animal, o alferes Eduardo Barbosa
cedeu-lhe o cavalo baio número 6, considerado o mais dócil da tropa do Primeiro
Regimento.
Manuel Deodoro da Fonseca |
Deodoro atravessou o
Campo de Santana e, do outro lado do parque, onde hoje está localizado o
Palácio Duque de Caxias, Com voz firme e decidida começou a disparar ordens e
comandos aos seiscentos homens armados com espadas, fuzis e dezesseis canhões. Conclamou
os soldados que ali estavam aquartelados a se rebelarem contra o governo
imperial.
Os homens sobre o
comando de Deodoro postaram-se em frente ao quartel onde estava reunido o
presidente do gabinete, então primeiro-ministro, Ouro Preto e seus ministros, protegidos
por 1.096 homens que, recrutados às pressas, estavam encarregados de proteger o
edifício. O que Ouro Preto não sabia é que o comandante desses homens, general
José de Almeida Barreto, estava comprometido com os revolucionários. Deodoro
chamou um oficial e determinou que levasse ao general a ordem para mudar de
posição. Passado quinze minutos, notou que Almeida Barreto ainda não cumprira a
determinação. Deodoro repetiu o comando e mais uma vez não foi atendido. Então,
pela terceira vez, o marechal teria exclamado um recado um tanto quanto
enérgico e sugestivo: “menino vá dizer a
Barreto que faça o que já por duas vezes ordenei, ou então que meta sua espada
do c..., pois não preciso dela.”
Quintino Bocaiúva |
Os civis começaram a
aparecer. O jornalista Quintino Bocaiúva foi um deles. Silva Jardim, desafeto
de Bocaiúva, não foi avisado e perdeu a chance de testemunhar o evento - mais
tarde, em viagem ao sul da Itália, Jardim seria tragado pela cratera do
Vesúvio. Aparecera também José da Costa Azevedo, barão de Ladário, vinha
juntar-se ao ministério de Ouro Preto. Deodoro mandou que os tenentes Adolfo
Pena e Lauro Muller o prendessem. Ao dar a voz de prisão ao barão este sacou
uma pistola e disparou em direção aos oficiais que revidaram imediatamente.
Ambos erraram o alvo. Ladário sacou outra pistola e deu um segundo tiro, errou
e foi alvejado por quatro disparos. Deodoro gritou: “não matem esse homem”. Levado a um hospital, Ladário,
milagrosamente, sobreviveu.
No interior do
quartel Ouro Preto disparava ordens. Ordenou ao comandante do destacamento
local e responsável pela segurança do Paço Imperial, general Floriano Peixoto,
que enfrentasse os amotinados, explicando ao general Floriano Peixoto que
havia, no local, tropas legalistas em número suficiente para derrotar os revoltosos.
O Visconde de Ouro Preto lembrou a Floriano Peixoto que este havia enfrentado
tropas bem mais numerosas na Guerra do Paraguai. Porém, o general Floriano
Peixoto recusou-se a obedecer às ordens dadas pelo Visconde de Ouro Preto e
assim justificou sua insubordinação, respondendo ao Visconde de Ouro Preto: “Sim, mas lá (no Paraguai) tínhamos em frente inimigos e aqui somos
todos brasileiros!”.
Floriano Vieira Peixoto |
Pouco depois da nove
horas da manhã Deodoro determinou que os portões do quartel fossem abertos.
Deodoro adentrou o recinto e subiu em direção do salão onde estavam os
ministros. Ao adentrar pela porta, sua figura imponente com barba cerrada e
olhos penetrantes, fez-se um silêncio. De pé, diante dos ministros fez um
discurso permeado de queixas. Destacando que só o exército sabia sacrificar-se
pela pátria.
“Viva a República”. A lendária frase que diziam ter sido exclamada
por Deodoro, de fato não há evidencias que assim o foi, pelo contrário: Sampaio
Ferraz, jovem jornalista eufórico com tudo aquilo que estava acontecendo,
seguindo instruções de Bocaiúva, teria se colocado diante das grades do portão
e gritado “viva a República”. Ao ouvi-lo Deodoro determinou que se calasse,
pois ainda era cedo.
"Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853-1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo |
O ato da proclamação
prosseguiu com um desfile de tropas pela Rua Direita, atual Rua 1º de Março,
até o Paço Imperial. Na tarde do mesmo dia 15 de novembro líderes republicanos
civis, Deodoro da Fonseca e o tenente-coronel Benjamin Constant, se encontravam
na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, onde foi solenemente e oficialmente
proclamada a República.
Celso Castro,
renomado historiador, afirma que a maioria dos soldados que integravam o
movimento golpista estavam ali apenas seguindo ordens, não estavam conscientes
de que se pretendia derrubar a monarquia. Eram, portanto, atores involuntários
do drama, seguindo ordens de seus superiores.
José do Patrocínio,
na noite do dia 15, redigiu a proclamação oficial da República dos Estados
Unidos do Brasil, aprovada mesmo que sem votação. O então texto foi para as
gráficas e jornais que apoiavam a causa, que não eram poucos, e somente no dia
16 de novembro o povo soube que mudara o regime político. Acabava o império,
proclamada estava à República. E o povo como reagiu? Não reagiu. Poucos sabiam
o verdadeiro significado da República ou mesmo como funcionava essa forma de
governo. O povo fez valer um velho axioma de Lima Barreto: “O Brasil não tem povo, tem público”.
Referências:
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