Por Douglas Barraqui
MARTINHO LUTERO
“Ajuda-me, Sant’ Ana! Eu me tornarei um monge”. Essas foram as
palavras de Martin Luther ou Luder; mais conhecido como Martinho Lutero, o
homem que mudaria os rumos da Igreja.
Martinho Lutero nasceu na
Alemanha em 10 de novembro de 1483. Filho de Hans Luther e Margarethe
Lindemann, integrantes de uma pequena burguesia ascendente, era do desejo de
sua família que Lutero seguisse a carreira pública, especialmente a de
advogado; e assim foi mandado a diversas escolas, em 1501, aos dezessete anos,
ingressou na Universidade de Erfurt. Se formou em bacharel e posteriormente
mestre. E em 1505, ao voltar de uma visita à casa dos pais, em meio a uma
tempestade com muitos raios, teria prometido a Santa Ana que, se o salvasse, se
tornaria um monge. Aderiu à ordem dos
agostinianos. Em 1507, foi ordenado sacerdote. No ano seguinte começou a
lecionar teologia na Universidade de Wittenberg.
Porém, em meio aos seus estudos
teológicos, Lutero se deparou com uma crise espiritual envolvendo a questão da
soterologia – estudo da salvação do homem. Em 1515 Lutero passaria pela chamada
“experiência da Torre”: no alto da torre de Wittenberg, estudando a fim de
encontrar respostas para as questões envolvendo a salvação, se deparou com o
Salmo 31 – “liberta-me em tua justiça” – e assim Lutero passou a compreender a
justiça de Deus, não como algo punitivo, mas sim como sendo a demonstração da
misericórdia de Deus frente aos pecadores. Depois disso, conta Lutero em sua
autobiografia: “me senti renascido,
entrando no paraíso por suas portas abertas”.
Igreja do Castelo em Wittenberg |
E em 1517 Lutero escreve as 95
teses, um convite aberto ao debate sobre algumas posturas morais da Igreja –
documento que em vias de fato é contestado por alguns historiadores. As 95
teses, diz a tradição, foram afixadas nas portas da Igreja do Castelo de
Wittenberg e a escrita desse documento teria sido motivada em meio a uma
campanha de cobrança de indulgência, organizada por Johann Tetzel – “assim que uma moeda tilinta no cofre, uma
alma sai do Purgatório”: eram as palavras de Tetzel que fez de sua campanha
de perdão dos pecados um verdadeiro comércio de compra e venda da salvação.
EXPLICAÇÕES PARA AS REFORMAS
De fato a idéia de Reformar a
Igreja não é nova na Idade Moderna. E quando buscamos explicações para as Reformas
alguns historiadores acabaram por ter uma visão simplista e limitada
concentrando-se apenas na decadência moral da igreja – temas como: luxo
exacerbado do alto clero; a não obediência ao celibato clerical; a questão
envolvendo a indulgência e a prática da simonia. Outros autores buscaram
explicações muito mais amplas para as causas que desencadearam a Reforma: Emile
Leonard, vai nos dizer que a razão de ser da Reforma está na própria crise
espiritual da Igreja. Ou seja, é na própria religião que se deve buscar a
natureza da Reforma.
Historiadores marxistas elencam
uma explicação de cunho sócio-econômico. O próprio Marx vai dizer que “a
religião é filha da economia”: assim a Reforma era resultado do modelo
capitalista daquele momento histórico. As transformações de caráter
sócio-econômicas surgidas após o Renascimento comercial – o que podemos
destacar como a ascensão da classe burguesa – teve como resultado a necessidade
de um novo senso comum religioso que beneficiaria a burguesia que aos olhos da igreja
era má vista pela prática do lucro e da usura. O que fazem os marxistas,
portanto, é relacionar a Reforma com o surgimento da sociedade Burguesa e sua
ascensão.
Outros ainda buscam uma visão
Holística para as causas da Reforma, como é o caso de Henri Hauser: apontando
para as causas da Reforma como um emaranhado de fatores econômicos, sociais e
religiosos, indissolúveis: “A reforma do
século XVI teve um duplo caráter de revolução social e revolução religiosa. As
classes populares não se sublevaram somente contra a corrupção dos dogmas e os
abusos do clero. Também o fizeram contra a miséria e a injustiça. Na bíblia não
buscaram somente a salvação pela fé, mas também a prova da igualdade original
de todos os homens”.
Uma outra interpretação muito
singular quanto às causas da Reforma é a de Quentin Skinner. Ele faz uma
interpretação de caráter político e será o autor que mais terei atenção neste
artigo, não porque sua explicação seja a mais plausível ou a única a via de
fatos, mas sim porque sua obra nos ajudará a compreender a importância da
doutrina luterana na formação do absolutismo.
Particularmente eu me identifico
com a visão de Cornelius Castoriadis que estabelece uma relação entre a
religião e a filosofia: a partir da Idade Média a cultura Ocidental fez um
resgate da filosofia grega – feita pela igreja em São Tomas de Aquino. A
escolástica medieval, portanto, é um “conbinado” de Aristotelismo e
cristianismo. Falando a grosso modo, o tomismo tentou compreender Deus, suas
práticas, origem e dogmas usando a filosofia. Castoriadis diz que isso vai ser
paradoxal e contraditório.
Mapa da Alemanha indicando as cidades pelas quais Lutero passou |
A SALVAÇÃO PELA FÉ
Lutero fundamentou sua doutrina
na salvação pela fé, rompendo, desse modo, com a pregação tomista de que o
homem por intermédio da fé e das boas obras alcançaria a salvação. Esta idéia
de Lutero está bem descrita em sua obra “De
Servo Arbítrio”: obra em que ele reafirma as idéias de Santo Agostinho.
Tomás de Aquino usou argumentos
filosóficos para demonstrar “a verdade” dentro das crenças do cristianismo, o
que ficou bem evidente em sua obra “Suma Contra os Gentios”. O tomismo virou a
filosofia oficial da Igreja e também foi declarada a única filosofia
verdadeira. E Tomás de Aquino seria feito mestre da Escolástica Medieval um
conjunto de doutrinas teológicas e filosóficas que combinava aristotelismo com
a crença cristã. A soterologia de Aquino defendia a salvação pela fé e pelas
boas obras e a soterologia de Lutero à fé: eis o conflito.
Trata-se, portanto, de uma
questão de interpretação que muito além de pura e simplesmente romper com o
tomismo, trás autoridade para a bíblia e retira a função e a autoridade da
Igreja em seu caráter institucional.
AS CONCEPÇÕES DE LUTERO
As concepções de Lutero passaram
pelo: I - Conciliarismo – subordinava a autoridade do papa à comunidade dos
fieis representada pelo concílio; II - Eclesiologia – trata-se do entendimento
de Lutero sobre a natureza da Igreja (Lutero entende a Igreja como uma
congregação de fieis e não como uma instituição hierarquizada). III – sacerdócio
universal – este ponto envolve a questão do batismo (para Lutero pelo batismo
somos todos sacerdotes), Lutero tinha inaugurado o sacerdócio universal.
Ao mesmo tempo a questão
“sacerdócio universal” terá enormes implicações quando Lutero assiste a
Epistola de São Paulo aos romanos, “todas
as autoridades vem de Deus”: Quando todos são pautados como sacerdotes um
em especial, o príncipe, terá além da autoridade política a autoridade
religiosa. É inaugurado, então, o “direito divino dos monarcas”; o que fortalece
enormemente o poder dos príncipes e afirma o poder temporal acima da Igreja.
Lutero ainda vai dizer que cabe ao príncipe proteger a Igreja. A reforma
Luterana, em via de práticas, permitiu a formação dos príncipes frente à Igreja
Católica.
Quentin Skinner destaca que os
príncipes passaram a ter uma autoridade política e religiosa: quando um
príncipe ordenar ao seu súdito que faça o mal, o súdito deve recusar; o
príncipe utilizara de sua autoridade para punir o súdito e, segundo Lutero, o
súdito não deve reagir. Trata-se de um
posicionamento de “passividade” frente a autoridade dos príncipes.
Lutero qualifica a Igreja como
autoridade interposta; defende o sacerdócio universal, rompendo assim como a
separação entre leigos e religiosos – assim se faz valer: “mediante ao batismo
somos todos sacerdotes”. Lutero então derruba a divisão entre estado religioso
e estado laico.
CONSEQUÊNCIAS DAS PRETENSÕES DE LUTERO PARA A IGREJA
Em linhas gerais as concepções de
Lutero tiram da Igreja sua jurisdição e uma série de seus privilégios
específicos – Antes a igreja era uma instituição visível, hierarquizada, dotada
de poderes que influenciavam a vida dos homens e os Estados.
Lutero condena a pretensão da
Igreja em ter um papel e poder temporal. O reino dos homens, segundo Lutero, é
ordenado por Deus – trata-se de um domínio distinto já que a espada está nas
mãos das autoridades seculares para manter a paz, tendo portanto, o poder
coercitivo.
Portanto, o que podemos notar é
uma relação de obediência e subserviência em Lutero – aqui retomamos o ponto da
questão da “passividade” frente aos príncipes.
O SUCESSO DA DOUTRINA LUTERANA
Skinner atribui o sucesso da
doutrina luterana a três razões básicas que, em certo grau, estão relacionadas
direta e indiretamente com a própria doutrina luterana: 1º) idéia luterana de
insuficiência da razão; 2º) ênfase no caráter absoluto da vontade de Deus e 3º) o
pecador deve colocar toda a sua confiança na vontade de Deus.
Igreja do Castelo. Wittenberg |
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reforma luterana foi um marco
para a história do cristianismo e, porque não, da humanidade. O principio
reformador, para alguns autores, é inato de nos humanos. Sem reduzir a importância
de seus atores principais, digo que a reforma de Lutero é filha de seu tempo
histórico, um momento em que o mundo cristão ocidental ansiava por uma nova
postura moral e religiosa, eis a reforma de Lutero.
REFERÊNCIAS
LÉONARD, Émile G. O Protestantismo Brasileiro. Rio de Janeiro
/ São Paulo: JUERP/ASTE. 1981.
SKINNER, Quentin. A
formação do pensamento político moderno. São Paulo, Companhia das Letras,
1996.