Por Douglas Barraqui
“Mas, você vai ser professor?” é essa a frase de uma comunidade de uma dessas páginas de relacionamentos da internet. Um estudante que almeja entrar em sala de aula e ser professor nos dias de hoje tem pela frente um desafio ciclópico. Digo isso por propriedade com uma boa experiência em sala de aula trabalhando com os pequeninos e curiosos do fundamental; com os adolescentes, as vezes rebeldes sem causa, do ensino médio; passando pelos inseguros jovens pré-vestibulandos, até os esforçados dos preparatórios para concursos. Em fim, tendo eu assistido por esses anos de labuta o atual quadro da educação brasileira e o que de fato significa estar dentro de uma sala de aula com vinte a quarenta alunos esperando algo de você, retruco ao futuro jovem professor: você quer ser professor?
Este não se trata de um daqueles manifestos de insatisfação com a atual condição da educação brasileira, tão pouco farei deste um lamento sobre as dificuldades que um professor tem em sala de aula. Quero apenas ser fidelidigno com a atual realidade conjuntural de uma sala de aula com base em minha experiência. E mais ainda fazer com que você perceba que sala de aula, lecionar, lidar com crianças, jovens em formação é algo que tem que ser feito de forma apaixonada, com amor.
Pareço um tanto subjetivo, mas, veja o que você, futuro professor, terá pela frente: uma sala de aula. Analisando a escola como um espaço sócio-cultural podemos lançar nossos olhos sobre um quadro dinâmico, que se faz presente no cotidiano dos dias letivos, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos, adolescentes, jovens, crianças, em fim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, atores históricos, filhos de seu tempo.
A instituição escola nos aparece como resultado de um confronto de interesses: de um lado, uma organização oficial do sistema escolar, que define o conjunto de regras e normas, atribui funções e tarefas definindo as chamadas relações sociais. Do outro, os sujeitos, alunos, professores, funcionários, que criam uma trama própria de inter-relações, fazendo da escola um processo permanente de construção social. O que eu quero dizer é que no âmbito da escola e dentro da sala de aula interagem diversos processos sociais que vão desde a reprodução das relações sociais, passando pela criação, transformação e difusão do conhecimento. Isso é uma escola, dentro dela está a sala de aula e sentados em suas carteiras estão os alunos.
Portanto a primeira coisa, a saber, futuro professor, é que a escola é um espaço sócio-cultural, ordenado por uma dupla dimensão. Nessa perspectiva, a realidade escolar aparece mediada, no cotidiano dos dias letivos, pela apropriação, elaboração e reelaboração de conhecimentos. Isso vai incluir ao seu currículo de professor: alianças, conflitos, imposições de normas e estratégias individuais ou coletivas, transgressão e acordos entre alunos e professores. E isso não será tarefa fácil.
Mas o que é essa escola? E o que de fato ocorre dentro de suas salas de aula? Trata-se de uma instituição que, pelo discurso muito corrente, deveria buscar atender a todos da mesma forma, com a mesma organização do trabalho escolar, mesma grade curricular. Esse discurso é palpável até certo ponto, mas acaba homogeneizando os sujeitos em questão, alunos e professores. Isso leva consequentemente à homogeneização da instituição escola. Assim, materializado nos programas e livros didáticos, o conhecimento escolar se torna objeto e, ao mesmo tempo, coisa a ser transmitida. Supostamente como será de forma homogenia propagada, será igualmente assimilada, e isso não é verdade.
Dentro de sala, você professor, terá uma gama de alunos com as mais diversas propensões, capacidades para querer ou não assimilar o conhecimento: desde o mais hiperativo, ao mais tímido.
É muito corrente um professor ministrar uma aula com o mesmo conteúdo, mesmos recursos e ritmos para turmas de quinta série, por exemplo, de uma escola particular do centro, e de uma escola pública da periferia, negligenciando as condições sócio-econômicas desses sujeitos alunos. Nesse quadro, a meu ver, ensinar fica resumido a transmitir conhecimento acumulado, e aprender se torna assimilá-lo. O que é valorizado são as notas obtidas nas provas que reduz a escola a uma única finalidade na visão do aluno: passar de ano. A diversidade acaba tristemente reduzida a bom e mau aluno, esforçada e preguiçosa, obediente e rebelde, disciplinada e indisciplinada. O que eu quero lhe mostrar é que muitas escolas são assim hoje, desconsideram a totalidade das diversidades humanas, do sujeito aluno. E não há um culpado, mas sim vários.
O que você tem que saber de antemão futuro professor é que você estará instruindo seres humanos. No primeiro dia de aula, quando você olhar para eles e ver aquele monte de rostinhos assustados pergunte a si mesmo: quem são esses jovens? De onde vieram? O que eles vêm buscar na escola? Qual significado tem para eles a escola? Talvez você não alcance a resposta de todos, mas, terá um panorama geral da diversidade que é uma sala de aula.
Você tem que saber que essas crianças que estão sentados diante de você professor, esperarão algo de você, bem como você esperará delas. Portanto, você jamais deve resumir a escola, e tão pouco o seu aluno, as quatro paredes, janelas e porta da sala de aula. Essas crianças chegaram para você marcados pela diversidade, reflexos de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social anteriores, e que são, evidentemente, desiguais e peculiares em virtude da quantidade e da qualidade de suas experiências e relações sociais, culturais anteriores e até mesmo paralelas a escola.
Não pense professor que você vai salvar o mundo. Ou que existe uma receita mágica para ensinar. Mas se você amar o que faz, fará bem. Então, você será professor?
Bibliografia Consultada:
DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL, Juarez (Org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.