A lástima, a construção ideológica e a referencial à pobreza no Brasil colonial foi elaborada a partir da ótica cristã e se estruturou pelo exercício da caridade. Assim destacaram-se dentro desse preceito a ordem dos mendicante e da misericórdia, que funcionavam como uma ponte para o reino do céu para os mais afortunados que exerciam a caridade.
O ideário da modernidade européia, expresso principalmente a partir do século XVI, vai ser determinante para uma nova concepção de mundo entendida pela razão. Destruiu a noção tradicional que o mundo medieval havia construído nos preceitos divinos. Houveram significativos avanços no campo da ciência que por sua vez deram impulso ao empreendimento das grandes navegações. A razão tomava forma no século XVIII com o reforço dos iluministas. Em meio a um contexto de grandes transformações econômicas, políticas, sociais e culturais o ideário de modernidade se expandia pela Europa.
Embora o tido como “descobrimento do Brasil” era enxergado como o que havia de mais moderno, Portugal em si não pode ser considerado um Estado moderno. A ruptura com o movimento humanista, o que preconiza o antropocentrismo em detrimento do teocentrismo, foi decisivo dentro do processo de colonização do Brasil, uma vez que condicionou a estrutura mental da colônia aos estreitos limites da ortodoxia católica. E o elogia a pobreza é, de certo, uma herança medieval pautada nessa ortodoxia.
Na sociedade medieval cristã, a expressão maior do evangelho, e o elogio à pobreza enraíza-se nos programas ideológicos que fizeram das sagradas escrituras uma referência. A pobreza no mundo medieval cria um elo, uma porta, para que os mais afortunados possam se salvar por intermédio do exercício da caridade.
Em Portugal, por exemplo, era uma tradição dar esmolas; eram comuns também práticas como distribuição de alimentos aos necessitados, recolhimento de pobres. A Irmandade da Misericórdia, que veio ao Brasil empacotado ao projeto colonizador, era a forma que os mais ricos encontravam para exercer a caridade e ‘ascenderem ao reino do céu’.
A misericórdia opera no atendimento dos pobres, dos doentes, dos presos, dos alienados, dos órfãos desamparados, dos inválidos, das viúvas pobres e dos mortos sem caixão, era comum o recolhimento de donativos dos mais afortunados para a assistência dos pobres desvalidos, com exceção aos escravos.
Das instituições mantidas pela ‘Irmandade da Misericórdia’, dentro da colônia, a mais significativa foi a hospitalar. Hospitais públicos, “santas Casas” (originando a Santas Casas de Misericórdia). Essas instituições tinham uma função muito mais assistencialista do que terapêutica, como se pressupõe pelo nome. Prestavam atendimento aos pobres da doença, na vida, no abandono e até mesmo na morte; alem de prestar auxílio aos abandonados e marginalizados (crianças e velhos), criminosos doentes e doentes mentais. E fato, portanto, que nas cidades onde surgiram, as misericórdias se anteciparam ao poder público estatal de assistência social e a saúde.
No Brasil, a atuação desta Ordem da Misericórdia se estabeleceu, inicialmente, pela instituição da esmola, seguida pelo assistencialismo, passando posteriormente a assimilar uma noção de filantropia higiênica.
Na província do Espírito Santo, com vilas demasiadamente pobres, com precárias condições de higiene e de saúde, no caso de Vitória, os surtos de doenças endêmicas e epidêmicas intensificavam a precariedade da vida dos pobres. Assim a Irmandade da Misericórdia marca sua atuação desde o início do tempo colonial.
A Santa Casa da Misericórdia de Vitória foi criada no século XIX voltada para a caridade e tratamentos de saúde. Sua construção se deu pelo viés da iniciativa pública e privada. E seguindo as parcas noções de higiene da época, o hospital foi erguido em local de nível elevado aos mangues, ao passo que acreditavam serem estes os principais causadores e transmissores de doenças.
Portando, a pobreza e a caridade caminham juntas na organização social do Brasil colonial. A pobreza cumpria seu papel político quando os pobres ficavam fieis aos doadores afortunados; papel religioso, diluída na noção de perdão e salvação dos pecados por intermédio da doação aos pobres; e social diferenciando os abastados dos não abastados.
Bibliografia:
SIQUEIRA, Maria da Penha Smarzaro. Pobreza no Brasil colonial: representação social e expressão da desigualdade na sociedade brasileira. História - revista leletrônica do Arquivo Público do estado de São Paulo, nº 34, 2009.