domingo, 28 de novembro de 2010

A verdadeira face do combate ao crime no Rio

Por Douglas Barraqui

“Na paz prepare-se para a guerra, na guerra prepare-se para paz”; no caso do Rio de Janeiro, quando deveremos nos preparar para a paz? Bombas, tanques, tiros de fuzis rasgando a noite; o Rio virou Bagdá. Veículos em chamas, correria nas ruas, carros de polícia em alta velocidade; pena não ser mais um filme de Hollywood. A muito se falava de um Estado paralelo, o crime organizado, e de uma guerra não declarada que ceifava vidas humanas todos os dias. Hoje o que podemos dizer sobre o Rio de Janeiro? Continua lindo?

De 2000 a 2009, 822 ônibus foram queimados e depredados por bandidos no Rio. Desde o início dos ataques neste mês de outubro, pelo menos 100 carros de passeio, ônibus, motos, vans e caminhões já foram incendiados e, até sexta feira, dia 26, eram cerca de 50 mortos na capital, Região Metropolitana, Baixada Fluminense e em cidades do interior.  Mata-se mais no Rio de Janeiro do que em Israel. O que sobra é o choro das mães que perdem seus filhos.

Para o sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gláucio Soares, a instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) resultou "numa redução considerável de renda" pelos traficantes, e na perda de um domínio territorial que já somava décadas. As UPPs culminaram na perda do monopólio territorial do tráfico, paralelamente as milícias, começaram a concorrer nas mesmas atividades ilícitas, coisas da concorrência do mundo capitalista. Então, restou aos traficantes protestar a perda de seu ganha pão queimando carros.

Então parabéns se você gostou dessa explicação. Agora entenda de fato os fatos: uma das origens históricas para o controle do tráfico sobre comunidades carentes do Rio remonta aos mandatos do ex-governador Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994). A política brizolista, de que polícia não sobe morro, foi desastrosa porque deu tempo, e de sobra, para esses grupos estabelecessem suas bocas de fumo e seus domínios territoriais. As UPPs  puseram fim a esses domínios.

Há ainda uma motivação política por trás dos ataques, lembrando que estamos num momento de transição entre um mandato político e outro. A situação lembra a virada de 2006 para 2007, quando uma série de ataques, incluindo ônibus queimados e policiais mortos, foi realizada antes da posse do governador Sérgio Cabral. A única diferença e que os ataques de agora pareceram muito mais articulados e coordenados.

E por último o país do futebol não poderia correr o risco de manchar de sangue a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. O Rio se tornou foco de atenção em função desses dois grandes eventos, que vão atrair muito investimento e muito turismo. Qualquer coisa que acontecer aqui, tipo um turista assaltado e morto por traficantes do Morro do Alemão, viraria uma manchete de prato cheio para a mídia internacional. Assim é melhor cortar o mal agora e, esperamos que seja, pela raiz.

E hoje, garimpando informações para escrever o artigo que você está lendo meu caro leitor., me dei conta de como o crime organizado gera divisas, incentiva o lucro, nutri a mídia. Em uma das reportagens com o título “Soldados do Bope vão invadir Alemão em blindados da marinha”, logo abaixo do texto consta “links patrocinados”, com as seguintes propagandas: “Manutenção de Vidros Blindados Vamos Até Você! Cartão 3x Sem Juros”; “Excelência em Blindagem para carro, venha blindar seu carro agora mesmo” e, a minha prefirida, “Camiseta do Bope, compre agora R$ 60 camiseta faca na caveira”. Rio babilônia.

Fontes:





quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A surdez: um olhar sobre as diferenças

Analise por Douglas Barraqui

Um Olhar Sobre o Nosso Olhar Acerca da Surdez e das Diferenças é um texto de Carlos Skliar, disponível no livro, “A surdez: um olhar sobre as diferenças,  por ele organizado. Skliar é docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; pesquisador de “necessidades educacionais especiais, a surdez” e fundador do Núcleo de Pesquisas e Estudos para Surdos (NUPES).

Neste texto Skliar parte do pressuposto de que o surdo é assistido sob uma ótica antropológica, histórica-social. Aborda, de maneira bem clara, a questão da surdez, problematizando e questionando a constante rotulação  de deficiência.

Skliar aponta para a existência de uma ideologia dominante, criada pela cultura oral, que impõe ao surdo seu modo de vida. Uma ideologia que define o surdo com supostos traços negativos, com rótulos do tipo: desvio de normalidade, falta e deficiência. Um estigmatismo que, segundo o autor, contamina a educação desenvolvida para os surdos.

A surdez é apontada pelo nosso autor como uma diferença a ser politicamente reconhecida, uma identidade. Todavia essa ideologia dominante, que o autor chama de “ouvitismo”, configura-se em um conjunto de representações segundo o qual o surdo é obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse um ouvinte.

De fato o “ouvitismo” teve como base os textos da medicina, a autoridade dos pais e, até mesmo, dos próprios surdos que acabavam por negar sua condição. Deste modo o “ouvitismo” foi de fato, é o que expõe o Skliar, uma forma de “colonização” do currículo que acabou equiparando os surdos aos doentes mentais. Tal conjuntura leva incondicionalmente ao fracasso escolar que muitas das vezes é atribuído ao fracasso dos professores; a metodologia de ensino tidas como limitadas; e ao próprio surdo pela sua condição biológica natural.
Skliar diz que a educação dos surdos não fracassou, ela apenas conseguiu os resultados previstos em função dos mecanismos e das relações de poderes e de saberes atuais. O autor nos diz ainda que o que de fato fracassou foi a representação da ideologia dominante a cerca do que é o sujeito surdo; os direitos linguísticos e de cidadania; as teorias de aprendizagem; a epistemologia dos professores ouvintes na aproximação com seus alunos surdos. O fracasso da educação de surdos, portanto, tem raízes históricas e políticas.

O autor trás, ainda, uma discussão sobre as narrativas e os contrastes binários, como: “normalidade/anormalidade; Maioria Ouvinte/minoria surda ouvinte/surdo; língua oral/língua de sinais.” Concepções que sempre trás a hegemonia do primeiro termo sobre o segundo. É nada mais nada menos do que um sistema ouvitista de valores.

No contraste binário ouvinte/surdo o autor argumenta que a intenção de que as crianças surdas fossem, no futuro, capazes de ser adultos ouvintes, originou doloroso jogo de identidade entre os surdos. Como que ser ouvinte fosse como ser falante, ou ser branco, homem, profissional e letrado. Ser surdo significa ser não falante e, portanto, não é ser humano.

Quando a maioria Ouvinte/minoria surda Skliar diz que há um discurso que define a comunidade surda como uma minoria lingüística e que a língua de sinais é utilizada por um grupo restrito. O autor nos dá exemplos que desmistificam tal argumento: na Inglaterra existem cinquenta mil surdos que falam a língua de sinais britânica, quase a mesma quantidade de pessoas que falam o gaulês. A língua de sinais americana é a terceira língua mais falada nos EUA. E os Índios Urubus-Kaapor do Brasil, são majoritariamente ouvintes, mas utilizam uma língua de sinais para comunicação.

Por fim uma analise sobre a questão da língua oral/língua de sinais, o autor diz que nas escolas de surdos continua se reproduzindo uma oposição entre oralidade e gestualidade. Argumenta ainda que língua de sinais e a língua oral não constituem uma oposição e não podem ser vistas ou interpretadas como tal, mas sim canais diferentes de comunicação.

Skliar defende a criação de políticas linguísticas , de identidade comunitárias e culturais; o desenvolvimento de um processo cultural específico com a participação dos surdos nos debates lingüísticos, educacionais, escolares e de cidadania. Que a língua de sinais seja posta ao alcance de todos os surdos, isso é o principio de uma política linguística, dentro de um projeto educacional mais amplo. A surdez deve ser concebida como uma experiência visual; para tanto é necessário olhar para o surdo com e sua cultura com sua própria lógica, sua própria historicidade, seus próprios processos e produções. Os estudos surdos em educação devem ser pensados como um território de investigação educacional e de proposições políticas. O autor, portanto lança uma visão sobre a questão da inclusão, dando um novo olhar sobre as diferenças das pessoas.

Concluo, portanto que a base argumentativa de Skliar demonstra a problemática da imposição da cultural ouvinte sobre o surdo e seu modo de vida sem considerar os hábitos e vivências deste, sem “escutá-lo” e ignorando desta forma sua constituição cultural, gestual. É fato que, de uma forma quase que geral, a sociedade entende a surdez enquanto uma deficiência e que, concequentimente, acaba por enquadrar o surdo em um modelo clínico necessário de correção. É esse um dilema que tem que ser mudado e é o que argumenta nosso autor.

O texto, portanto, é uma leitura fundamental que nos permite lançar um novo olhar sobre os surdos e ao mesmo tempo propõe rumos possíveis a todos sobre a problemática que atinge a educação para os surdos.

Bibliografia:
SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: ______. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998b.