Por Douglas Barraqui
Entrudo Ruado Ouvidor 1884 |
Bem, como está próximo um dos festejos mais populares das terras tupiniquins, o carnaval, resolvi por fazer uma releitura e republicar um antigo artigo meu. Em A História do Carnaval: domesticaram Dionísio, faço um breve tracejo da história do carnaval com o ar da graça e com a mesma irreverência de um folião atrás do trio. Narro aqui os fatos de forma descontraída e desinibida sem muitas amarras formais, mas é claro, sem romper com meu relacionamento com a ciência, logo me respaldo de outros autores, e se eles erraram em algum momento o problema é deles.
“Ah! Classe média! Nos anos cinqüenta ela foi se aproximando de mansinho, temerosa, espichando um olhar comprido para os ensaios dos crioulos. Nos anos sessenta, já mais desinibida, ensaiou seus primeiros passos: no princípio em torno das mesas, depois no meio da quadra (por esses tempos começou a chegar também o pessoal do wonderful, marcelous, fantastic). Nos anos setenta, ela (a classe média) está entrando de sola, consumando a invasão, dando palpites, criando suas alas. Possivelmente nos anos oitenta, se os crioulos não tomarem cuidado, domingo de carnaval vão ficar sentados nas arquibancadas enquanto a classe média faz suas evoluções pela Via Dutra. Sim, porque até lá a Avenida já ficou pequena.” (“Revolução Carnavalesca da Classe Média”, descrita por Novais, na crônica, Gloria às Pastoras e à Bateria, do livro O Caos Nosso de Cada Dia.)
E realmente, sem nenhuma bola de cristal, Carlos Eduardo Novaes, em uma de suas crônicas do livro O Caos Nosso de Cada Dia, escrito ainda na década de setenta, acertou na mosca: O carnaval brasileiro, a festa popular de rua mais famosa do mundo, ou melhor dizendo, a festa de rua mais pop do mundo, foi tomada de assalto pela classe média e hoje se o crioulo precursor do carnaval quiser apreciar o festejo vai ficar espremido nas arquibancadas e pagar bem caro por isso.
Errou feio quem achou que o carnaval é genuinamente “made in brazil”. Embora não há como comprovar empiricamente o nascimento do carnaval, sabemos que a 10.000 a.C. homens, mulheres, crianças, (sogras, cachorros, gatos e papagaios) se reuniam no verão de corpos pintados, caras mascaradas, pulando e cantando para espantar os demônios da má colheita. Poderia ser a origem do carnaval? Quem sabe?!.
Outros ainda buscam o carnaval nas áridas terras dos faraós. No Egito homens celebravam cultas a deusa Isis e ao Touro Apis, celebrações que alguns pesquisadores denominam de “cultos agrários” (e penso que não seria nada fácil arrastar um carro alegórico de três toneladas em um calor escaldante de quarenta graus no meio do deserto).
Os principais cultos agrários da história foram:
· No Egito, festa da deusa Ísis e do boi Apís;
· Na Pérsia, festas da deusa da Fecundidade Naita e de Mira, deus dos Pastores;
· Na Fenícia, Festa da deusa da Fecundidade Astarteia;
· Em Creta, festa da Grande Mãe, deusa protetora da terra e da fertilidade, representada por uma pomba;
· Na Babilônia, as Sáceas, festas que duravam cinco dias e eram marcadas pela licença sexual e pela inversão dos papéis entre servos e senhores, e pela eleição de um escravo rei que era sacrificado no final da celebração;
E quem sabe não tenha sido aqueles filósofos (pederastas gregos) os inventores do carnaval? O fato é que foi Pisistrato, governador e tirano de Atenas, (561 – 556 / 546 – 527 a.C.) que teria sido responsável por tornar oficial o Culto a Dionísio, deus do Vinho da alegria (e algo mais). Incentivou o culto entre camponeses e lavradores (os mesmos adentrarem no mundo do alcoolismo, aqui surge, portanto os primeiros alcoólatras sendo estes adoradores de Dionísio). Procissões dionisíadas, pelo qual embarcações com rodas (os primeiros carros anfíbios da história), chamados de carrum navalis, levavam a imagem de Dionísio, simbolizando sua chegada em Atenas pelo mar. Os carros carregavam homens e mulheres nús em seu interior, e eram seguidos por uma multidão frenética de mascarados alegres, que por sua vez puxavam um touro que posteriormente seria sacrificado. O fim da procissão era no templo de Lenaion, onde se consumava a hierogamia: o casamento do deus com a Polis (e que festão).
Os louvores a Dionísio se arrastavam de dezembro a março, nas seguintes celebrações: as Lenias, as Dionísias urbanas também chamadas de grandes Dionísias, as Antestérias e as Dionísias Rurais (e só não se arrastava mais porque já estavam todos em coma alcoólico). O culto a Dionísio já existia a uns 3 ou 3,5 mil anos atrás, significava uma oportunidade às mulheres para escaparem da vigilância dos pais, dos irmãos (e é claro do maridão, veja que o dom das mulheres em darem suas escapadelas já é bem antigo do que se pensava). Em bandos, com os rostos pintados de pó e com vestes transformadas e literalmente rasgadas, elas caiam na “folia” em meio a danças e gritos de júbilo em um estado de frenesia, eram chamadas de coribantes. Os homens (descontentes em terem que ficar em casa cuidando dos filhos) logo deram um jeito de aderir ao levante feminino, em uma bebedeira coletiva (a uma espécie de salve-se quem puder pansexualista).
Então, quando a hegemonia de Atenas começa a ser carcomida pelas constantes guerras civis, isso a partir do século IV a.C. já se pode sentir (literalmente) a penetração do culto a Dionísio dentro de Roma, (os romanos, descendentes daqueles meninos que mamaram na teta da loba, achariam muito bacana toda aquela bagunça, e deram o nome de bacanais). Em terras romanas Dionísio era mais conhecido como Baco e suas sacerdotisas eram chamadas de Bacchantes.
Em meio a gritarias e escândalos uma multidão demasiadamente enlouquecida dançava, pulava, tomavam as ruas, causando uma verdadeira desordem ao ponto de o Senado Romano proibir os Bacanais em 186 a.C. (e isso não foi nada bacana por parte do Senado). Estes festejos também eram teatralizações coletivas, uma maneira irreverente de criticar os governantes corruptos (aqui sim se explica o porquê de terem sido proibidos). Em uma inversão de papéis o miserável vestia-se de rei, o rico de pobretão e o libertino aparece como guia religioso. Os tidos como machos viris se vestiam de mulher e a rameira local pousava como a mais pura donzela (não mudou muito hoje: o carnaval está cheio de homens que se vestem de mulheres, mulheres vestindo-se de homens, uns acabam gostando tanto das fantasias que resolvem ficar o ano todo com elas e tem ainda aqueles que nem precisam se fantasiar).
Ainda fundamentada no ascetismo, lá dos tempos dos senhores feudais, a civilização judaica e os Católicos condenam e renegam o carnaval (se pudessem queimar todos os foliões na fogueira da Santa Inquisição, fariam de bom gosto e as escolas de samba não teriam um passista se quer), todavia, no século XV, o Papa Paulo II, permitiu a realização de bailes de máscaras em frente a seu palácio, na Via Lata. Como a Igreja não tolerava qualquer tipo de manifestações sexuais e bebedeiras, o carnaval adquiriu nova forma: parecia um desfile de pessoas fantasiadas, tudo cercado por um ar de deboche e morbidez (os nobres esbanjando o luxo exacerbado de suas fantasias, realizavam bolões entre si para saberem quem é o nobre que está por de trás de cada máscara: seria o Duque de Sforza? Seria a Condessa de Barral? Ou Marques de Pombal?). O carnaval se limitava, portanto, a celebrações ordeiras, de caráter artístico, com bailes e desfiles alegóricos.
Friedrich Nietzsche (1844 – 1900 depois de J.C.), filósofo alemão, na obra O Nascimento da Tragédia, fez um excelentíssimo estudo a respeito de Dionísio e Apolo. Segundo Nietzsche a arte se torna a única justificativa plausível para o sofrimento do homem, por isso ele combate a moral cristã que lhe parece fruto do ressentimento de frustrados (foi trágico para Nietzsche, que provavelmente foi visto pela igreja como um ateu de marca maior).
Jose Guilherme Merquior, filósofo, sociólogo e escritor (ele também escrevia), diz em sua obra, Saudades do Carnaval:
“É fácil calcular a intensidade dos inconvenientes dessa atitude anti-natural quando a civilização racionalizada da Idade Moderna suprimiu justamente os pulmões carnavalescos da cultura. O Cristianismo da sociedade industrial, a religiosidade do tempo de Nietzsche não só havia negado e sufocado toda válvula orgiástica - toda composição sistemática com erros e carisma - como virara franca ideologia da sublimação ressurgida das massas aburguesadas , era nesse contexto, que a moral da renúncia significa repressividade absoluta, e repressividade doentia, “indecorosa” para usar a expressão do anti-cristo. O ascetismo vitoriano, a serviço da massificação repressiva, da 'redução à mediocridade', de todas as dimensões morais do homem eis o que levou Nietzsche a um desmascaramento indignado do cristianismo”.
(Então você diz: “não entendi nada”. Eu digo: “eu também li três ou quatro vezes para entender”, mas em fim, Jose apenas está dizendo que a sociedade cristã, moderna e industrial censurou o Carnaval de forma repressiva, trocando em miúdos: chega de bacanais e orgias. E foi o que fez Nietzsche ficar indignado com o cristianismo provavelmente ele gostava muito de bacanais e orgias).
No Brasil o carnaval chega em 1723 (como sempre as coisas chegam por aqui com atraso), recebendo o nome de Entrudo, isso por influência dos lusitanos das Ilhas de Madeira, Açoures e Cabo Verde. Constituíam-se de destrambelhadas correrias, mela-mela de farinha, água com limão (isso parece limonada) que evoluiu depois para batalhas de confetes e serpentinas (não seria um aniversário de criança?).
O tal Entrudo, que vem do latim Intruitus, faz referência às solenidades litúrgicas da Quaresma. Um primogênito, herdeiro das bacantes e das dionísias, podia ser um intruso em terras tupiniquins, mas os colonos imediatamente aderiram ao festejo, como um momento imperdível e esta se tornou a festa mais popular do Brasil (Pode perguntar no exterior: you know Brasil? “Yes football, Carnival”).
Os primeiros blocos de carnaval e os famosos corsos só vão surgir no século XIX. Como (instituto educacional) escola de Samba somente em 1928 (depois de J.C.), com a Deixa Eu Falar, no Bairro do Estácio. O jornal Mundo Esportivo promovia na Praça Onze, em 1930, o primeiro desfile de escolas de samba (que com a intervenção da polícia acabou em um desfile de pancadaria). "E a Deixa Eu Falar falou, mas não por muito tempo". No desfile de 1932 a escola montou um enredo a fim de homenagear o movimento político que levara Getúlio ao poder (aquela dita Revolução de 1930), o enredo chamava-se Revolução de Outubro (e a polícia, novamente ela, especialista em história das revoluções, desconfiou que a que a história se referia a outra revolução, uma ocorrida em 1917 em um país “onde o Rei Momo atendia pelo nome de Czar), e bem disse Novaes: “e não deixaram mais a Deixa Eu Falar falar”. O carnaval, afinal é fundamental que seja lembrado, teve seu próprio mártir, seu apelido Caqueira, compositor da Lira e Amor, morreu enforcado em cima do caminhão da escola em 1947 (quase um Tiradentes).
O carnaval cresceu, de forma tão vertiginosa, que acabou se tornando um produto de nossa cota de exportação, surgindo até os carnavais fora de época às famosas micaretas: em Fortaleza é chamado de Fortal; em Natal, o Carnatal (se papai Noel souber disso?!); em João Pessoa, a Micaroa; Campina Grande, Micarande; em Maceió, Carnaval Fest; em Caruaru, o Micarú, todos com a presença indispensável do trio elétrico (que na verdade é um só). “E ninguém ficará surpreso se amanhã, na relação das vinte maiores empresas brasileiras, aparecer o nome da Mangueira”.
Conclusão
Não sou inimigo do Carnaval, um dos
festejos mais populares do Brasil, mas faço uma crítica na forma e de como se
comemora. Por de trás das fantasias do carnaval está um trio de absurdos, uma
escola de ignorância é uma marcha de corruptos.
O primeiro erro é acreditar que o
carnaval é uma festa genuinamente “made in Brasil”. Embora não há como comprovar empiricamente o
nascimento do carnaval, sabemos que a 10.000 a.C. homens, mulheres, crianças,
se reuniam no verão de corpos pintados, caras mascaradas, pulando e cantando
para espantar os demônios da má colheita. Festejos parecidos e peculiares foram
comemorados entre egípcios, gregos e romanos. Mas, o carnaval tal como
conhecemos tem sua origem na Europa no Período Vitoriano e se espalhou pelo
mundo afora metamorfoseando a outras culturas. No Brasil quando aqui chegou por
influência dos lusitanos das Ilhas de Madeira, Açoures e Cabo Verdena, na
primeira metade do século XVIII, recebeu o nome de entrudo. Consistia de
destrambelhadas correrias, mela-mela de farinha, água com limão que evoluiu
depois para batalhas de confetes e serpentinas. Os primeiros blocos de carnaval
e os famosos corsos só vão surgir no século XIX. E a primeira Escola de Samba
somente em 1928, com a Deixa Eu
Falar, no Bairro do Estácio.
Enganam-se os pobres
coitados que correm atrás de trios e de marchinhas carnavalescas pensando que
carnaval é uma festa popular. Hoje carnaval é negócio, e dos mais lucrativos,
coisa de gente rica. Pobre não tem acesso aos camarotes VIP (Very Important
Person), as festas privadas e luxuosas e aos abadas caríssimos intitulados
“passaportes da alegria”.
A maioria dos blocos,
trios, palanques e escolas vivem à custa do poder público. Seu, meu e nosso
dinheiro. E convenhamos ninguém subirá em um palanque somente para fazer do
carnaval uma festa democrática, ou para fazer feliz o público. Esses artistas,
mega artistas, não cobram menos do que na casa dos milhares e até mesmo milhões
para divertir um público anestesiado e supostamente feliz porque é carnaval.
Uma política de circo para uma população paupérrima que não tem se quer um pão
na mesa.
Todo carnaval são as
mesmas coisas dantescas: a boa música e amordaçada pelas supostas músicas do
momento como “o melo da mulher maravilha” e um “ai se eu te pego”. Dezenas de
ambulâncias são disponibilizadas para atender bêbados e machões brigões
enquanto o povo morre as minguas nos corredores dos hospitais. A polícia é
colocada com todo seu efetivo a fim de guardarem a ordem, e no dia a dia o
mesmo folião que pula atrás dos blocos vive encarcerado dentro de sua casa por
grades e muros com medo da insegurança.
Os falsos gurus da
economia dizem até que o carnaval faz girar a economia, gera renda para dona
Maria do cachorro quente e até o senhor João catador de latinhas. Se João e
Maria fossem depender do carnaval para o sustento de seus filhos morreriam de
fome. Carnaval só é lucrativo para grandes cervejarias, hotéis luxuosos, donos
de trios elétricos, e músicos famosos. No mais é prejuízo atrás de prejuízo.
São gastos para socorrer vítimas de acidentes de trânsitos os mesmos foliões
embriagados ao volante. Gastos em limpeza de rua, ao passo que os foliões
parecem mais com porcos dançando em um chiqueiro. Fora os gastos com gravidez
indesejada, e com tratamentos para novos soro positivo.
E o ano, como dito
popular, só começa de fato após o carnaval. Só depois que os trios e os
tambores, pandeiros, cuícas se calaram, que o efeito das drogas passarem e que
as máscaras caírem é que se vai ter uma noção do prejuízo. Que o país das
cores, das luzes, do deslumbre e da dança passou pela avenida e foi embora. E
ficou a realidade.
A dura e vergonhosa
realidade de um salário mínimo irrisório. A realidade dos autos impostos a serem pagos ao leão, não o leão da Escola
Porto da Pedra, mas, o leão da receita. A realidade dos mega salários, dos
corruptos, do mensalão. A realidade dos salários indignos dos professores,
policiais e bombeiros que tentam salvar o que restou após o carnaval. Entre
tantas outras realidades.
Um dito popular brasileiro diz que o ano só começa depois do carnaval e não deixa de ser verdade. No carnaval o povo esquece de tudo: da roubalheira na política, do reajuste dos deputados de 61%, da crise ambiental, dos filhos e por ai vai. Brasileiro não sai na rua para protestar ou pedir um aumento digno do salário mínimo, mas sai na rua atrás de um trio elétrico gastando todo seu mísero salário com abadas; fica o ano todo pagando chega até ser cômico. E alguns dizem que com todas as mudanças ao decorrer da história e intervenções de uns e outros, o Carnaval caiu na mesmice. Não há mais as safadices e irreverências de outrora: “domesticaram Dionísio!”.
Referências Bibliográficas
Coleção Arenas do Rio. RioArte e Relume-Dumará Editores, 2003.
MAGALHÃES, Rosa. Fazendo carnaval: the marking of carnival. São Paulo: Lacerda, 1997.
MEIRELLES, Gilda Fleury. Tudo sobre eventos: o que você precisa saber para criar, organizar e gerenciar eventos que promovem sua empresa e seus produtos. São Paulo: Editora STS, 1999.
MORAES, Eneida de. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Record, 1987.
NOVAES, Carlos Eduardo. O Caos Nosso de Cada Dia. 6º ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1978.
RABAÇA, Carlos Alberto e BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de
comunicação. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
VALENÇA, Rachel. Carnaval: para tudo se acabar na quarta-feira. Rio de Janeiro.